Rede de Predadores de Topo de Cadeia Alimentar investiga os impactos dos ecossistemas diante do declínio das populações de predadores
Os predadores de topo de cadeia exercem um importante papel no controle da população de herbívoros e pequenos predadores nos ecossistemas. Mas como seria um ambiente sem estes predadores? Esta condição já é realidade em muitos ambientes. A fragmentação do habitat é provavelmente a principal ameaça às populações naturais destes animais que, via de regra, demandam grande áreas para sua ocorrência. A redução destes espaços, provocados pela alteração da paisagem, construção de rodovias, fragmentação de rios por barragens (no caso dos predadores aquáticos) são algumas das interferências que podem levar a redução de seus habitats e, por conseguinte, a menor disponibilidade de recursos, a disputa por territórios, além de várias consequências genéticas. “Mesmo populações de espécies com grande capacidade de dispersão, como mamíferos predadores de topo, podem estar sujeitas a essas ameaças”, explicam Bruno Henrique Sanharoli e Pedro Manoel Galetti Jr., pesquisadores do Laboratório de Biodiversidade Molecular e Conservação da UFSCar.
Um exemplo que já é real é a drástica redução de onças-pintadas (Panthera onca), um dos maiores predadores de topo de cadeia da Mata Atlântica. Este bioma, que no passado ocupou toda a costa brasileira e parte da Argentina e Paraguai, hoje possui seus maiores fragmentos no interior das unidades de conservação. Pesquisadores estimam que existam atualmente cerca de 250 destes felinos em todo bioma, isolados em oito populações, dos quais menos de 50 animais totalizam o tamanho populacional efetivo, ou seja, aqueles indivíduos que se reproduzem e conseguem deixar descendentes. Desta maneira, as populações de onças já estão respondendo aos efeitos da fragmentação de habitat, com menor população efetiva e maior restrição ao fluxo gênico, reduzindo sua viabilidade em longo prazo. Estudos apontaram que 24% das áreas remanescentes de Mata Atlântica teriam as condições necessárias para abrigar estes felinos, entretanto, a população destes animais só ocorrem em 7% da área (leia a carta completa publicada na Science por Galetti et al, 2014, Atlantic Rainforest’s Jaguars in Decline – para assinantes). Isto nos leva a pensar que outros fatores, além da fragmentação, no caso da onça-pintada influenciam diretamente na sua distribuição. Em muitos locais, a relação dos grandes felinos com seres humanos é antagonista, pois, na falta de presas naturais os predadores não poupam os animais de criação doméstica resultando em relações conflituosas com populações humanas que vivem no entorno de áreas florestadas, sucumbindo à caça destes animais. Daí, a educação ambiental entra com o importante papel de construir novos valores, “pautando-se na historicidade e colaborando para a desmistificação do repúdio e medo, construindo junto à população alternativas viáveis para a convivência com as onças” esclarecem Lakshmi Hofstatter e Haydée Torres de Oliveira, do Laboratório de Educação Ambiental, Departamento de Ciências Ambientais, da UFSCar.
Uma das hipóteses das consequências da redução da ocorrência de predadores de topo de cadeia é o aumento da população de mesopredadores. Esta hipótese sustenta que áreas fragmentadas sofrem a extinção dos predadores de topo, levando a um aumento da densidade dos mesopredadores, o evento conhecido por “liberação dos mesopredadores”. Mesopredadores por sua vez, acarretam normalmente no aumento das taxas de predação de ninhos, por conseguinte, no declínio das aves. “A perda de ninhos é a principal causa de fracasso na reprodução das aves, assim a predação é um componente importante nas hipóteses relacionadas às adaptações de história de vida”, complementa Mercival Roberto Francisco do Laboratório de Ecologia e Conservação da UFSCar, campus de Sorocaba.
Um caminho para se delinear a conservação dos predadores de topo de cadeia é modelar quais os locais de ocorrência destes animais. Esta informação é importante tanto para se identificar áreas prioritárias para a conservação, como por exemplo, para se planejar a translocação de fauna. Nesta linha, Francesca Palmeira e Katia Ferraz, do Laboratório de Ecologia, Manejo e Conservação de Fauna Silvestre, da ESALQ/USP, desenvolveram seus estudos visando analisar a ocorrência e co-ocorrência de onça-pintada, onça parda e pequenos felinos na Amazônia, levando em conta o solo, clima, relevo. “Os modelos de co-ocorrência também estão sendo elaborados e os resultados preliminares sugerem que a presença da onça-pintada inibe a ocorrência de mesopredadores e ungulados”, complementa as pesquisadoras.
Já nos ambientes aquáticos os estudos relacionados a predadores de topo de cadeia indicam o importante papel estruturante nos ecossistemas que estes animais exercem regulando e organizando as comunidades aquáticas. O barramento dos rios impede a migração de peixes, altera rotas e habitats de desova, podendo levar populações locais à extinção em poucas gerações. Os estudos de Jaqueline de Bem, Samara Hermes Silva e Evoy Zaniboni Filho analisaram a distribuição espaço-temporal de 105 espécies de peixes de diferentes categorias tróficas (presa e predador de pequeno e grande portes) ao longo de quatro trechos da bacia do Alto Rio Uruguai. Os pesquisadores apontam que os trechos localizados nas maiores altitudes da bacia, apresentaram as maiores biomassas de presas de pequeno porte e predadores de porte médio e grande, incluindo predadores de topo, enquanto que os trechos à jusante de barragens apresentaram maiores biomassas de presa de porte médio ou grande e de presa-predador (peixes de porte pequeno e médio, não piscívoros, mas que incluam peixes em sua alimentação). Segundo os pesquisadores, esses resultados apontam a influência da implantação das barragens na estrutura da comunidade de peixes. Estudos genéticos no pintado do Alto Paraná, realizados por Alline Braga Silva, Patrícia Domingues de Freitas e co- autores, revelam que a fragmentação dos rios por barragens pode afetar os níveis de diversidade genética desses grandes bagres, podendo limitar a sobrevivência em longo prazo de algumas populações locais.
Rede de Predadores de Topo de Cadeia Alimentar: em busca de respostas
Os resultados acima apresentados fazem parte das pesquisas de um grande grupo de pesquisadores brasileiros encorajados a investigar o impacto que a ausência dos predadores de topo de cadeia alimentar numa potencial extinção teria sobre os diferentes biomas. Foi desta forma que em 2010, nasceu a Rede de Predadores de Topo de Cadeia. Uma parceria entre CNPq e as FAPs, entre elas, a Fapesp, na figura do Programa Biota. “Um grande diferencial da montagem da rede foi organizá-lo por função ecológica e não por grupo taxonômico”, explica o coordenador da Rede Pedro Manoel Galetti Jr., do Departamento de Genética e Evolução, da Universidade Federal de São Carlos.
O objetivo da Rede Predadores de Topo de Cadeia Alimentar é entender o papel efetivo dos predadores de topo de cadeia alimentar nos seus respectivos ambientes (biomas aquáticos e terrestres), estudando suas demandas biológicas e ecológicas, sua estrutura demográfica e genético-populacional, comportamento reprodutivo, requerimentos de paisagem e efeitos de defaunação. Para isso, a Rede está constituída por 14 projetos distribuídos em 9 instituições (UFSC, UFSCar/São Carlos e Sorocaba, USP/ESALQ, UFAC, UFMA, UFMG, UFG, UNESP/Rio Claro e UFV) e mobilizando um pouco mais de uma centena de pesquisadores, estudantes de graduação e pós-graduação.
No início do funcionamento da rede, quando ainda não havia sido aprovada pelo SisBiota, foram realizados vários encontros virtuais para articular pesquisadores e temas de projeto. Uma vez aprovado o projeto da Rede, foi feito um primeiro encontro presencial de planejamento das atividades do grupo. Finalmente em 2013, o grupo organizou o I Simpósio Brasileiro de Predadores de Topo de Cadeia em São Carlos (veja os Anais do evento), que contou com mais de uma centena de participantes além de representantes da Secretaria de Meio Ambiente do Estado (Fundação Florestal – FF e Instituto Florestal-IF) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros – CENAP).
O desenvolvimento da Rede também possibilitou maior aproximação com as instituições públicas de conservação da biodiversidade, favorecendo o compartilhamento do conhecimento gerado inicialmente nas universidades. Da interação com o CENAP resultaram a elaboração de planos de ação para manejo e conservação dos carnívoros brasileiros. Já com as instituições públicas estaduais, o IF e FF, além de enriquecer as pesquisas com a participação dos representantes destas instituições, os estudos da Rede de Predadores possibilitou a identificação de três hotspots de atropelamentos nas estradas do entorno da Estação Ecológica de Itirapina que necessitam urgentemente de controle.
Por Paula Drummond de Castro
