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“A batalha dos fungos” e o incentivo às relações entre universidades e escolas

A partir de reflexões a respeito do incentivo à ciência na educação básica, grupo de pesquisadores desenvolve projeto educacional baseado nos experimentos de Alexander Fleming.

fungos4Esta entrevista começa com uma conversa com o pesquisador Edson Rodrigues Filho, coordenador do Laboratório de Bioquímica Micromolecular de Micro-organismos (LaBioMMi) da UFSCar e do projeto “Rede de estudos em biodiversidade microbiana: Isolamento, desenvolvimento de estratégias de identificação rápida, conservação, interações entre espécies, e explorações biotecnológicas”. Na relação com esse projeto e no ambiente de discussões e formação do grupo de pesquisas e em parceria com uma escola de ensino básico, Edson Rodrigues Filho e Luciana da Silva Amaral, pela UFSCar, e Bárbara Guedes e Juliana Monteiro Dias, da Escola Estadual de Ensino Integral Sebastião de Oliveira Rocha, de São Carlos, desenvolvem o projeto educativo “A batalha dos fungos: Revisitando o experimento de Fleming para despertar vocações nas áreas de química, biologia e biotecnologia de fungos filamentosos em alunos do ensino médio”. E a entrevista ganha as vozes de diversos participantes deste projeto educativo e suas impressões sobre o desenvolvimento do projeto e de si mesmos como pesquisadores e educadores.

Boletim Biota Highlights – Como surgiu a proposta de desenvolver um projeto educativo a partir das pesquisas acadêmicas do grupo?

Edson Rodrigues Filho – A concepção da ideia inicial do projeto foi um insigth de uma pós-doutoranda no nosso grupo, Dra. Luciana da Silva Amaral. De fato a Dra Luciana está no grupo já há muito tempo, desde sua graduação. O grupo tem uma reunião semanal, que ocorre já há vinte anos. Nessas reuniões, além de discussões sobre conceitos, técnicas e metodologias particulares à química, também discutimos, no formato de mesas-redondas, sobre problemas diversos, como política, educação, saúde, ética, filosofia geral, etc. Em certo período, estivemos abordando como os nossos eternos problemas na área de educação básica impactam na produção científica e no desenvolvimento do país. Dois pontos dessas discussões foram importantes para nos motivar propondo o projeto: Primeiro, todos sentem e veem com nitidez que a cada ano que passa os alunos que entram para o curso superior estão apresentando mais deficiências em conceitos básicos e em motivação para as ciências; Segundo, os professores/pesquisadores nas nossas universidades têm tido como preocupação quase exclusiva a sua carreira, que é pontuada somente por produtividade na forma de papers, e, portanto, não há incentivos para que professores do ensino superior contribuam mais diretamente para melhorar os níveis de formação básica. Nós entendemos que educação básica forte deverá significar em muito melhor produtividade na graduação e na pós-graduação, e melhor aproveitamento da infraestrutura sempre muito cara estabelecida nas universidades. Foi nessa atmosfera que a Dra. Luciana, junto com alguns alunos do grupo, propôs o projeto no início de 2015, cuja ideia me convenceu de pronto.

BHL – Isso implica em uma saída do ambiente acadêmico e uma imersão na escola básica, não é mesmo? Como isso acontece?

Edson Rodrigues Filho – Como parte do projeto educativo, além de orientar os alunos do ensino médio em experimentos desenvolvidos nos laboratórios da própria escola, os alunos de graduação e pós-graduação da UFSCar também ministram aulas e seminários sobre os temas abordados no projeto, com periodicidade semanal. A participação dos nossos alunos junto à escola de ensino médio é também pensada como fator forte de indução de mudanças na inércia de atuações de atores do ensino superior junto ao ensino básico para melhorar nossos sistemas educacionais.

Juliana Monteiro Dias – Este projeto está sendo muito rico porque proporciona aos educandos a oportunidade de interação entre alunos de graduação e pós da universidade trazendo o conhecimento e, mostrando, através de experimentos, o passo a passo na construção de um projeto de iniciação científica estimulando, desta forma, os alunos a estudarem conteúdos aplicados nas áreas de conhecimento de seu interesse. Esta parceria com o LaBioMMi está proporcionando a interdisciplinaridade visando também o Projeto de Vida que são propostas da E. E. E. I., além de enriquecer o Currículo, fazendo com que os alunos fiquem motivados e interessados em dar continuidade aos estudos e às linhas de pesquisas, tornando-os autônomos para suas conquistas.

BHL – E como foi o processo de escolha da temática geral e particularmente do experimento de Fleming?

Edson Rodrigues Filho – A Dra. Luciana, quando propôs a “Batalha dos fungos”, pensou em interações entre micro-organismos. Como rotineiramente é constatado no nosso laboratório durante os procedimentos de isolamento de micro-organismos a partir de substratos naturais, principalmente as plantas, ao inocular fragmentos de substratos em placa-de-Petri contendo nutrientes, vários micro-organismos podem crescer. Se houver antagonismos entre eles, haverá inibição de crescimento de algumas colônias. Foi em situações muito semelhantes à essa que o pesquisador Alexander Fleming descobriu o famoso e divino antibiótico penicilina. Isso de fato é resultado de competições entre seres vivos pela própria sobrevivência. Por isso usamos a expressão “Batalha dos Fungos”, que também é uma expressão de muito fácil compreensão e é parte do linguajar dos adolescentes. Os experimentos previstos são de fácil execução, e podem servir como ilustrações experimentais dos conceitos de biologia. As atividades contemplam o isolamento de micro-organismos de diversos substratos (plantas, insetos, etc) pelos próprios alunos do ensino médio, orientados por estudantes de graduação e pós-graduação do nosso laboratório, e depois, confrontá-los em placas-de-Petri com nutrientes que servirão como a “arena da batalha”. Na última etapa, serão feitos extratos dos micro-organismos inibidores e, depois de alguns experimentos em química, as frações desses extratos serão testados para reproduzir a inibição. Enfim, o roteiro da descoberta da penicilina por A. Fleming é quase que integralmente reproduzido no projeto. Além de sedimentar e ampliar conceitos em biologia e química, os alunos têm a oportunidade de tomar consciência da nossa ampla biodiversidade e visualizar possibilidades de exploração de biotecnologias a partir da nossa natureza.

BHL – Neste momento, quantos alunos estão envolvidos? E quantas escolas?

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Edson Rodrigues Filho – Nessa primeira experiência apenas uma escola participa conosco nesse projeto: a escola estadual de ensino médio em tempo integral “E. E. E. I. Sebastião de Oliveira Rocha”, em São Carlos – SP. A escola tem uma filosofia pedagógica um pouco diferenciada, resumidamente, por ser de tempo integral e aceitar alunos de uma pluralidade de classes sócio-econômicas. Consideramos isso um bom cenário para nossos alunos da UFSCar conhecer a realidade da atividade docente no ensino médio brasileiro. A escola também possui “disciplinas eletivas” (optativas), que achamos bastante apropriadas para essa atividade. Por enquanto trabalhamos com quatro grupos de dez alunos do ensino médio, sendo cada um desses grupos tutorados por outros dois alunos de graduação e pós-graduação do LaBioMMi.O projeto segue o calendário escolar dos alunos, e teve início em Março deste ano, com duração prevista até começo de Julho. Planejamos ainda que novas etapas com a mesma ideia sejam desenvolvidas no próximo semestre.

BHL – Com relação aos resultados, o que vocês esperam com esse projeto educativo?

Edson Rodrigues Filho – O resultado almejado é uma contribuição para o arsenal de estratégias adotadas pelos colegas docentes do ensino médio para abrir possibilidades de projetos de vida dos alunos, e com isso motivá-los à considerar a carreira científica como opção; ou ao menos despertar consciência sobre a biodiversidade microbiana, com foco nas suas biotecnologias potenciais.

Luciana da Silva Amaral – a motivação central do projeto consistiu em devolver para a sociedade o investimento feito em nossas formações e, a melhor forma para isso seria despertar o interesse de adolescentes pela ciência, e mostrar a este público que o conhecimento é a ferramenta mais poderosa para a transformação, desenvolvimento e crescimento do ser humano.

Thieres M. C. Pereira (doutorando) – passei por uma dupla quebra de expectativa no decorrer do projeto. No começo estava bastante empolgado com a ideia do mesmo e em como poderíamos ajudar a comunidade, mas foi um choque ao me deparar com a realidade da escola e com os alunos desmotivados e desinteressados. Acabei por me desanimar e perde a expectativa de fazer a diferença no projeto. Entretanto, foi muito gratificante estar errado e ver o perfil dos alunos mudando a cada atividade, com aumento do interesse e rendimento escolar dos mesmos. No final essa experiência acabou sendo um despertar cientifico para os alunos e um despertar à docência para mim.

BHL –  você cita entre os objetivos do projeto o de “despertar vocações nas áreas de química, biologia e biotecnologia de fungos filamentosos”, como você acredita que esse projeto pode auxiliar a alcançar esse objetivo?

Edson Rodrigues Filho – A maioria dos alunos do ensino médio não vê as disciplinas e conhecimentos de forma integrada, mas sim compartimentalizada muitas vezes sem nexo claro. Isso é certamente devido às preocupações centrais com os concursos vestibulares previstos para o final dessa etapa. Assim, percebe-se uma grande dificuldade na escolha de áreas de estudos posteriores ao ensino médio. Nós acreditamos que estamos contribuindo com uma visão de que ao menos três grandes áreas do conhecimento se reúnem em um setor de grande potencial para estudos acadêmicos profundos, desenvolvimento de atividades industriais, geração de empregos, etc. Esse cenário é ilustrado sempre durante as aulas/seminários dos estudantes de graduação e pós-graduação. Enfim, para os alunos do ensino médio, estamos oferecendo uma visão de um mundo repleto de oportunidades para importantes atuações profissionais; já os alunos de graduação e pós-graduação envolvidos, além de oportunidade para praticar sua profissão no tocante às atividades de ensino, o que lhes permite decidir sobre suas vocações para a docência, eles também passam por um choque de realidade com a educação brasileira. Certamente isso terá reflexo nas suas atuações ao terminarem seus estudos.

Luciana da Silva Amaral – Na fase inicial de divulgação de nosso projeto junto aos alunos, muitos deles mostravam-se desinteressados. No entanto, com o início das atividades e o estímulo para que eles fossem protagonistas da descoberta científica, a mudança no comportamento da grande maioria deles foi surpreendente. Hoje, apesar de estarmos em pleno desenvolvimento das práticas, já sentimos que conseguimos desperta certa inquietação científica e sede de novas descobertas!

BHL – Quais são os aspectos no desenvolvimento desse projeto que você julga mais interessantes para apresentar a outros pesquisadores que estão em busca de desenvolver ideias semelhantes em suas áreas?

fungos5Edson Rodrigues Filho – A ideia de interdisciplinaridade está fortemente contemplada em todas as atividades do projeto. Isso é uma contribuição muito boa para que alunos expostos a essa atmosfera tenham uma formação mais universal, e certamente isso poderá ter reflexos muito positivos quando eles entrarem para o ensino superior, principalmente para aqueles que se envolverem com ciências. Essa já é razão suficiente para justificar tal iniciativa. Acreditamos ainda que há sim uma carência muito grande desse tipo de ação. Recentemente, os alunos do ensino médio estiveram em um pequeno encontro promovido por um grupo locado no nosso departamento de química (Grupo Ouroboros), que lida com divulgação científica de diversas formas. Esse encontro é anual e é denominado “Circo da Ciência”. No evento deste ano, o Circo da Ciência recebeu também alunos de ensino básico de diversas escolas de São Carlos. Foi emocionante ver quatro gerações (níveis) de estudantes discutindo sobre micro-organismos e seus potenciais de aplicação! Isso é um fervor de ciências que impactam sim, mesmo que não a curtíssimo prazo, nas decisões que esses futuros profissionais tomarão para suas vidas. Ver alunos de ensino básico, médio, graduação e pós-graduação discutindo e aprendendo ciências emociona até as pedras!

Por que fazer isso?! Por que achamos que é muito cômodo só reclamar e falar mal do material humano que chega pra nós na universidade, pra que, com o trabalho deles, possamos publicar em revistas de alto impacto e aumentar nosso índice-H. Nossos colegas pesquisadores deveriam se convencer de que sua missão de aumentar o H se reflete somente nele próprio. Mas a missão da atividade universitária é muito mais nobre que isso, e tem como centro as contribuições com a formação de pessoas e a melhoria das sociedades.
Há como viabilizar aprofundamentos nesse tipo de iniciativa. O CNPq tem apoiado ações nesse sentido com bolsas de iniciação científica no ensino médio (PIBIC-EM). Mas há muito pouco interesse dos nossos colegas. Talvez isso pudesse ser uma exigência mais impositiva aos pesquisadores que aprovam projetos de pesquisas nas agências de fomento.

 

Para conhecer mais: http://www.facebook.com/A-batalha-dos-fungos-1060811133958263/ e http://www.labiommi.ufscar.br/

Apoiadores do projeto: Fundecitrus; Accert! Instituto Vita Nova.

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