Scroll Top

Museus em evolução

Sistemática Filogenética ajuda na compreensão das relações entre as narrativas sobre evolução de diferentes museus de História Natural ao redor do mundo

A visita a um museu de História Natural pode ser encantadora e cheia de descobertas. Seja pela beleza e diversidade, pelo desafio lançado por instalações interativas, pela disposição das exposições, pelas informações ou pelo conjunto disso tudo, o visitante nunca sai com os mesmos pensamentos que entra. Em uma época de “pós verdades”, “fatos alternativos” e pulverização de informações, na qual fica cada vez mais difícil verificar a qualidade das mesmas, os museus se firmam como espaços confiáveis, não por serem instituições imutáveis, mas por seus movimentos de produção de conhecimentos e de diferentes formas de apresenta-los ao público.
A forma como os diferentes aspectos dos conceitos da evolução biológica são e foram apresentados ao público em diferentes museus é o foco da pesquisa “Narrativas Evolutivas em Museus de História Natural”, coordenado por Maria Isabel Landim, do Museu de Zoologia (USP). Para isso, a pesquisadora percorreu nove instituições (incluindo o MZUSP) e estudou dez diferentes exposições* analisando os textos explicativos, materiais organizados para entrega ao público, estrutura expositiva, aparatos expográficos, imagens apresentadas, objetos expostos, recursos eletrônicos, entre outros aspectos.

Exposição Estágios do Conhecimento Sobre a Natureza, Museu Darwin, Moscou. Vitrine sobre a contribuição de E. Haeckel para a teoria da evolução. (c) Isabel Landim.

Essas informações foram organizadas como caracteres em uma matriz de dados e analisadas por meio da Sistemática Filogenética. Dentre os caracteres analisados está a presença de menções (seja nos textos, imagens ou estrutura expositiva) a dados histórico biográficos, que se referem ao Darwin, sua vida e suas obras, em especial à Origem das Espécies; conceitos evolutivos como, por exemplo, mutação, endemismo, deriva genética; nomes de pesquisadores importantes da área, entre muitos outros. A Sistemática Filogenética, segundo Landim, “deixa os parâmetros e a estrutura de comparação que estão sendo utilizados muito claros e, com isso, podemos analisar como as narrativas sobre a evolução das diferentes exposições se relacionam, como compartilham conceitos ou marcadores conceituais entre outros caracteres”.
As narrativas evolutivas são como relatos culturais transmitidos historicamente e sujeitos a variações resultantes das pressões seletivas que sofrem. No caso da teoria evolutiva, a pesquisadora identifica um forte componente ideológico: “a teoria da evolução está sujeita a diferentes interpretações influenciadas por ideologias, nacionalismos e histórias locais, como é o caso do papel histórico dos diferentes personagens envolvidos; e os museus refletem um pouco disso em suas exposições, em suas formas de apresentar a teoria da evolução para o público”. Um exemplo vem de uma das exposições do museu de Paris. Ao falar sobre Lamarck os textos indicam que este antecipou as ideias de Darwin exceto pelo conceito de seleção natural. Por mais que não seja papel dos museus esmiuçar as diferentes correntes de pensamento da época, uma simplificação como essa, em uma exposição histórica, pode não dar ao público a chance de conhecer as diferenças do pensamento do século XVIII (de Lamarck), que organizava o mundo de forma linear, para o pensamento de Darwin, que propõe um esquema divergente: uma verdadeira mudança de visão de mundo.
Outro exemplo é o Museu Darwin, em Moscou. Em sua exposição “Estágios do Conhecimento sobre a Natureza” trata do desenvolvimento do pensamento evolutivo, da antiguidade até o século XX. A exposição reforça a contribuição de pesquisadores russos e soviéticos que não são mencionados em outros museus. Um dos painéis chamou a atenção de Landim por relatar a tragédia vivida por geneticistas soviéticos que foram executados durante o regime stalinista em um episódio que ficou conhecido como lysenkoismo. Outra informação interessante encontrada foi a de que apenas o Museu Darwin, de Moscou, menciona a contribuição de Ernest Haeckel. Outros museus com exposições sobre a história da teoria, simplesmente ignoram a contribuição do polêmico naturalista alemão. Landim analisa que o isolamento da ciência na antiga União Soviética, por mais que não tenha sido completo, deixou suas marcas também nas narrativas expositivas.

Exposição Charles Darwin: evolução para todos! montada em 2009 no Museu de Zoologia da USP. Ao fundo, audiovisual aborda o impacto da escravidão no Brasil sobre as impressões de Darwin em sua viagem a bordo do HMS Beagle.
(c) Isabel Landim.

Os desafios para a comunicação da teoria evolutiva não param por aí. “Há especialmente o fato da compreensão da lógica da teoria evolutiva ser contra-intuitiva”, explica Landim, “temos ideias profundamente enraizadas sobre propósito e essência no funcionamento do mundo. Essas ideias dificultam a compreensão do mecanismo da evolução, já que ele não segue essa lógica”. Uma das exposições analisadas, no Museu de Historia Natural da Universidade de Nebraska, foi montada exatamente com o intuito de evidenciar a lógica da seleção natural. Apresentada simultaneamente em outros 7 museus, a exposição procura apresentar a seleção natural de forma simples e direta utilizando os conceitos de variabilidade, herança, seleção e tempo e 7 organismos (de vírus a baleias) para mostrar como o processo seletivo forjou a variabilidade atual de todos os grupos. A mesma estratégia, com a inclusão do conceito de adaptação, foi usada pelo museu de Nova York em um dos módulos de sua exposição “Darwin: descubra o homem e a teoria revolucionária que mudou o mundo”.
Já no museu da Universidade do Kansas, a exposição “Explore a Evolução” tratou dos principais equívocos na interpretação da teoria da evolução, como a existência de propósito para a evolução ou a crença no ser humano como o ser mais evoluído, por exemplo. Essa estratégia de comunicação é, segundo Landim, compartilhada com outros museus universitários estudados, como o próprio MZUSP, na exposição “Charles Darwin: evolução para todos!”.
Por outro lado, Landim avalia que algumas instituições tentam mimetizar o poder de estruturas como os museus para confundir a mente de cidadãos desinformados, como é o caso do Museu da Criação, gerido pelo grupo Answers in Genesis, que inaugurou recentemente o parque da Arca de Noé no Kentucky. “Trata-se, na verdade, de um grande monumento aos fatos alternativos, com a simples repetição de pós-verdades disseminadas por grupos que se recusam a valorizar os avanços da ciência em pleno século XXI”, ressalta a pesquisadora.
“Estamos vivendo um momento emblemático no mundo, de estar muito atento para manter uma abordagem científica nas narrativas e os museus são estruturas muito importantes para isso. Não a toa, o conceito de pós-verdade foi escolhido no ano de 2016, e os museus são um poderoso antídoto para essas pós-verdades dado seu tempo peculiar, mais lento que as mídias atuais, e sua grande credibilidade respaldada nas evidências materiais abrigadas em suas coleções”, reflete Landim, “é preciso um discurso proativo – mostrando as evidências científicas para o público, com informações atualizadas e com vínculo com a realidade”.

Instituições analisadas:
Centro de Interpretação de San Cristóbal, Galápagos, Equador
Museu da Evolução de Varsóvia, Polônia
Museu de História Natural, Londres, Inglaterra
Museu Americano de Historia Natural, Nova Iorque, EUA
Museu Estatal Darwin, Moscou, Rússia
Museu Nacional de História Natural, Paris, França
Museu de História Natural e Instituto de Biodiversidade, Kansas, EUA
Museu da Criação, Hebron, Kentucky, EUA
Museu de Zoologia da USP, São Paulo, Brasil

Posts relacionados