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Suspiro verde no horizonte cinza

Uma pálida amostra do que pode existir em apenas um hectare de floresta urbana nos faz refletir sobre o que foi perdido junto com os milhões de hectares de Mata Atlântica.

Imaginar que a cidade de São Paulo já foi, num passado longínquo, completamente coberta por Mata Atlântica, um dos biomas mais ricos do planeta, traz certa melancolia diante de tanto concreto. A Mata Atlântica cobria cerca de 131.546.000 hectares no país. Hoje, sua área está reduzida a fragmentos de diferentes tamanhos que somados, atingem valiosos 12% de sua área original e que inspiram e impulsionam a conservação deste Bioma.

Para se ter uma pequena amostra da surpreendente diversidade de vida que cobria as terras paulistanas, o projeto “Um Hectare”, do Instituto Butantan, propôs-se a levantar a diversidade de tamanhos, formatos e cores de vida existente na área de um hectare (100 m x 100 m) de floresta atlântica, ou seja, míseros 0,00000083% da área total original. O primeiro hectare delimitado foi no Horto Florestal Oswaldo Cruz, do Instituto Butantan, na zona oeste da cidade de São Paulo. O resultado catalogado pode ser encontrado no blog https://umhectare.wordpress.com/

Localização do “Um Hectare” no Instituto Butantan, em São Paulo-SP.

O objetivo desta iniciativa é apresentar uma pequena amostra do que pode existir em apenas um hectare de floresta urbana e, com isso, nos fazer refletir sobre o que foi perdido junto com os milhões de hectares de Mata Atlântica. Estima-se que entre árvores e as aves, pequenos mamíferos e herpetofauna, encontre-se mais de 200 espécies. Os idealizadores desta iniciativa são os pesquisadores Erika Hingst-Zaher e Luciano Lima, ambos pesquisadores do Museu Biológico do Instituto Butantan. O projeto também conta com o apoio técnico da bióloga Eletra de Souza, bolsista Fapesp.

O fato de ser uma floresta urbana também traz à reflexão as diferentes pressões que sofre este tipo de ambiente. A floresta do Horto enfrenta atualmente a segunda principal causa de extinção da biodiversidade, a invasão de espécies exóticas. Cerca de 80% das árvores ali presentes são exóticas, ou seja, não são originais da Mata Atlântica. Mesmo com a pressão exercida pelas invasoras, o Horto funciona como refúgio para populações significativas de aves, mamíferos, e invertebrados como borboletas, abelhas e aranhas nativas, além de manter funções de regulação ecossistêmica, tais como ciclos biogeoquímicos, manutenção da estrutura dos solos, absorção, filtragem e estoque de água. “O manejo desta área requer muito cuidado e critério, especialmente quando falamos de um fragmento urbano sem muitas matrizes florestais no entorno. Esta é outra questão a ser discutida”, explica a Dra. Hingst-Zaher. A área também  é objeto de estudos intensivos que proverão insumos para o manejo do restante da floresta do Instituto Butantan, que sofre das mesmas ameaças.

O projeto “Um Hectare” entusiasma pela versatilidade e potencial de replicabilidade para se trabalhar questões de educação e percepção ambiental. “Esta iniciativa pode ser adaptada para qualquer escala e ambiente, o que possibilita implantá-lo em praticamente qualquer lugar. Como por exemplo, conduzir bioblitz, que são inventários intensivos da biodiversidade com a participação da sociedade, em escolas, em uma unidade de conservação, em uma praça, enfim, apontar para as pessoas a diversidade da vida em cada matinho nascendo no chão e, quem sabe, dessa forma conseguir reconectar as pessoas com a natureza”, explica Hingst-Zaher. Por fim, complementa a pesquisadora, “entendemos que é fundamental combinar as atividades de pesquisa com a divulgação, trazendo para mais perto a sociedade. Percebemos que há um enorme interesse por parte de nossos visitantes sobre a pesquisa que é feita na instituição, e esta é uma das formas de devolver ao público o conhecimento produzido, de uma forma fácil e positiva”.

As atividades do “Um Hectare” são compartilhadas com o projeto “Dimensions US-BIOTA São Paulo: scales of biodiversity: integrated studies of snake venom evolution and function across multiple levels of diversity”, contemplado pelo edital NSF – Dimensions of Biodiversity e BIOTA, coordenado pelos Dr. Inácio de Loiola Meirelles Junqueira de Azevedo (Instituto Butantan) e Christopher Parkinson (University of Central Florida, Estados Unidos).

Sabiá-una (Turdus flavipes) uma das espécies flagradas nos limites do projeto “Um Hectare”. Foto: Erika Hingst-Zaher.

O Horto

O Horto Oswaldo Cruz é uma floresta secundária com presença de uma quantidade expressiva de plantas exóticas. O local foi criado em 1916 por Arthur Neiva, diretor do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, com o objetivo de cultivar plantas de importância medicinal, fornecer recursos à medicina, orientar o público na cura de moléstias e “combater o charlatanismo”. Seu primeiro diretor foi o renomado botânico Dr. Frederico Carlos Hoehne, responsável pela implantação do Horto e por suas aleias abertas à visitação.

Ao longo do seu centenário, o Horto teve diferentes vocações (produção de ervas medicinais, educação ambiental). Atualmente, é um espaço com visitação restrita dentro do Instituto Butantan, e abriga as diversas atividades de pesquisa e educação ambiental do Museu Biológico, inclusive aquelas conduzidas pelo Observatório de Aves do Instituto Butantan.

 

Por Paula Drummond de Castro