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Transitando conceitos: da ecologia de estradas ao impacto do comércio marítimo nos grandes animais

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Compreender as rotas de comércio marítimo como “estradas do mar” pode auxiliar na construção de mecanismos para minimizar seus impactos.

O comércio transoceânico aumentou significativamente nas últimas décadas. Segundo a Conferência da ONU de comércio e desenvolvimento (UNCTAD), o volume de mercadorias que transita globalmente pelos mares chegou a 10,7 bilhões de toneladas em 2017 e é previsto o crescimento de cerca de 4% ao ano até 2023. O aumento do comércio significa um aumento na quantidade de navios e de rotas de circulação e,  também, no possível impacto na biodiversidade marinha.

Para Pirotta e colaboradores, autores de um estudo publicado neste mês (fevereiro/2019) na revista Frontiers in Ecology and the Environment, compreender as rotas de comércio marítimo como “estradas do mar” pode auxiliar na construção de mecanismos para minimizar seus impactos. O artigo foca, especialmente, nas repercussões do grande trânsito de navios para os gigantes marinhos: as grandes baleias, o tubarão-frade e os tubarões-baleia.

Foto de Cameron Venti (disponível em Unsplash)

A Ecologia de Estradas é uma área já bastante definida, que analisa os impactos, tanto diretos como indiretos, das estradas nos ecossistemas terrestres. Para os autores, os impactos mais conhecidos das estradas podem ser visualizados também nas rotas marítimas, com as devidas adaptações.  “As rotas marítimas são essencialmente “estradas do mar”, análogas aos sistemas de estradas terrestres pois são caminhos que facilitam o transporte, conectam as localidades e concentram os movimentos das embarcações”, afirmam os autores  (Pirotta et. all., 2018, p. 39).

Tendo como base a ecologia de estradas, os autores identificaram quatro principais impactos que podem ser analisados no contexto marinho e suas relações com os grandes animais oceânicos: distúrbios físicos, indução de modificações no comportamento dos animais, poluição química e fragmentação do ambiente.

Entre os distúrbios físicos, são destacadas as colisões entre navios e os grandes animais, como o caso de algumas populações de baleias franca do Atlântico Norte, para as quais “a colisão com navios foi responsável por mais da metade da mortalidade nas décadas recentes e um fator bastante limitante para a sobrevivência da espécie” autores  (Pirotta et. all., 2018, p. 41).

Já com relação à indução de modificações no comportamento dos animais, o barulho produzido pelas embarcações afeta especialmente a comunicação de baixa frequência utilizada por algumas espécies de baleias e pode produzir desde a alteração na forma como essas baleias se comunicam até a mudança de padrões de movimentos e de alimentação dessas espécies.

A poluição química, por sua vez, diz respeito tanto à poluição direta (vazamento de óleo, por exemplo) quanto à emissão de gases de efeito estufa.  Ainda que, segundo o relatório da UNCTAD, em abril de 2018 tenha sido adotada uma estratégia para diminuição das emissões de gases de efeito estufa prevendo uma redução de até 50% das emissões até 2050 (comparada a 2008), a acidificação dos oceanos e o aumento das temperaturas de superfície da água já são realidade. Isso altera a distribuição e abundância das presas e plâncton e, com isso, altera os comportamentos e dieta de grandes animais marinhos.

Já a fragmentação do ambiente pode ser verificada nas novas rotas marítimas, criadas como resultado direto das mudanças climáticas ao longo de regiões que atualmente já não contém tanto gelo no Ártico. Populações endêmicas de baleias passam a ser ameaçadas por essas rotas que podem, inclusive, favorecer a conexão entre populações antes separadas pelo gelo, diluindo adaptações locais e fragilizando as espécies. Embora, desde 2017, tenha sido assinada uma convenção na UNCTAD que prevê o tratamento da água de lastro para evitar a introdução e proliferação de espécies não nativas e a disseminação de doenças, esse acordo só deve ser colocado em prática por todos os navios até 2024. Enquanto isso, o risco de bioinvasões pela água de lastro chega ao Ártico com essas novas rotas, além do possível aumento da poluição marítima e atmosférica.

Para mitigar tais impactos, os autores sugerem a criação de zonas de transição em torno das rotas marítimas, que teriam o objetivo de amortecer as alterações (como no caso dos ruídos e da poluição) e garantir a possibilidade de manejo das mesmas.  Essas zonas de transição exigiriam, por exemplo, o aumento das áreas de exclusão de transporte, especialmente em áreas nas quais a movimentação de navios impede a recuperação das espécies. Além disso, os autores sugerem que a criação de novas rotas marítimas sejam evitadas, especialmente em áreas críticas, estabelecendo áreas que podem ser compreendidas como equivalentes às reservas marinhas que não permitem a pesca mas, no caso, não permitindo o trânsito de embarcações. Maior atenção aos acordos internacionais de regulação de emissão de gases e óleo, de redução de barulho e de controle de qualidade e cuidado com a água de lastro são os outros pontos indicados também como essenciais pelos autores.

O artigo tem acesso aberto e pode ser conferido na íntegra no link https://esajournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/fee.1987

Referências:

Pirotta, Grech, Jonsen, Laurance & Harcourt. Consequences do global shipping traffic for marine giants. Front Ecol Environ 2019; 17(1): 39–47, doi:10.1002/fee.1987 (visitado em 26/02/2018).

UNCTAD. Review of Maritime Transport – 2018. Disponível em https://unctad.org/en/PublicationsLibrary/rmt2018_en.pdf  (visitado em 26/02/2018).