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Ecologia pelas lentes da Química

Pesquisa desvenda mecanismos químicos sofisticados na interação planta-inseto-parasitoides.

A interação entre as espécies pela perspectiva da química é o convite do projeto “Dimensões US-BIOTA São Paulo: diversidade de interações multi-tróficas quimicamente mediadas em gradientes nos trópicos”. A pesquisa investiga como o refinado sistema multitrófico inseto-planta-parasitoide é influenciado pelas interações químicas. Coordenado pelo Dr. Massuo Jorge Kato (Instituto de Química da Universidade de São Paulo – USP), o projeto teve início em 2015 com final previsto para 2020 e está sendo realizado no âmbito da chamada do Programa Biota/Fapesp em parceria com o “Dimensions of Biodiversitydo National Science Fundation (EUA).

Lagarta da mariposa Eois tegularia. Foto: LABBOR.

As plantas escolhidas para o estudo são do gênero Piper, da família Piperaceae que são plantas tropicais e subtropicais de importância econômica (pimenta-do-Reino, Piper nigrum), usada na medicina popular e também como ornamental. Em razão da diversidade de hábitos (ervas, arbustos, pequenas árvores e trepadeiras), diversidade de produtos naturais, bem como de artrópodes associados, este gênero se configura um excelente modelo para o estudo de interações multitróficas.

O principal grupo de herbívoros destas plantas são as mariposas do gênero Eois (Lepidoptera, Geometridae). Trata-se de um grupo ainda pouco conhecido pelos taxonomistas. “Conhecer e descrever as Eois certamente será mais uma importante contribuição do projeto e um passo importante para avançar na compreensão deste sistema multitrófico” explica André Victor Lucci Freitas (IB/Unicamp), Vice-coordenador do Projeto.

 

Os inimigos naturais destes lepidópteros são nomeadamente vespas e moscas, por meio de uma relação de parasitoidismo. Os parasitoides são organismos que parasitam outros organismos de forma letal, ao contrário do normalmente ocorre no parasitismo comum. No caso das mariposas Eois o parasitoidismo ocorre ainda na fase de lagarta e podem também atacar as pupas. Para a pesquisa, interessa averiguar as relações entre o parasitoidismo e a herbivoria do hospedeiro. O projeto objetiva avaliar se há especificidade entre o parasitoide e hospedeiro e, dependendo da espécie de Piper consumida pela lagarta, se há alguma alteração na preferência das moscas e vespas na postura dos ovos. Além destas variáveis, serão analisadas as variações de sazonalidade, de região (ao longo de gradientes latitudinais) e clima.

Eois veniliata adulta. Foto LABBOR.
Eois veniliata adulta. Foto LABBOR.

Entender pela perspectiva da química o porquê de um inseto escolher determinada planta para consumir, como esta planta responde a esta herbivoria com compostos secundários, como os herbívoros lidam com estes compostos e, finalmente, como um parasitoide encontra e escolhe seu hospedeiro envolve um conjunto de variáveis que é pouco conhecido . Esta grande teia de interações em sistemas multitróficos do tipo planta-inseto-parasitoides são frequentemente mediadas pela composição química e ainda não são conhecidas em sua plenitude. “As espécies de Eois se alimentam de espécies de Piper que possuem composição química bastante diversificada e muitas vezes tóxicas para insetos em geral. Portanto, a análise das reações químicas que ocorrem com os compostos das plantas durante a digestão revela a capacidade metabólica desses herbívoros. O estudo das relações de especificidade, das respostas à herbivoria e dos processos digestivos são facetas das interações multitróficas que podem contribuir para desvendar tais sistemas biológicos” completa Kato.

 

Pelas lentes da ecologia química a floresta é produto de uma infinidade de interações químicas que evoluem ao longo do tempo. A hipótese central da ecologia química é de que quanto maior a diversidade de interações químicas entre espécies, maior será a biodiversidade. A biodiversidade, portanto é resultante da diversidade química. “A aplicação de métodos quantitativos de amostragem ao longo desses gradientes [latitudinais], de métodos modernos de metabolômica e de ferramentas de genômica populacional possibilitará testar hipóteses emergentes sobre as relações entre química associada à especialização, clima e as diferentes dimensões da biodiversidade constituindo- se numa abordagem original baseada em teias alimentares”, explica Kato.

As relações entre metabolômica, genômica, taxonomia e diversidade de interações serão investigadas através da comparação de suas dimensões ao longo de gradientes de latitude, altitude e climas no Brasil (sobretudo, Mata Atlântica e Cerrado), América Andina e América Central.

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Diversidade de Eois adultos. Foto: LABBOR

Para dar conta de coletas em escalas continentais, o projeto está divido entre os grupos do Brasil e Estados Unidos. O time brasileiro está subdividido em duas frentes: química das interações liderado pelo Dr. Massuo Kato (LQPN), na USP/São Paulo-SP, e interações ecológicas, liderado pelo Dr. André Victor Lucci Freitas (Labbor), na Unicamp/Campinas-SP. O grupo conta também com a colaboração a Dra. Ivone Diniz, da UNB com as coletas no Cerrado. A equipe Norte-Americana é liderada pelo Dr. Lee Dyer (University of Nevada Reno) e é constituída por uma grande equipe envolvendo biólogos, bioquímicos e químicos que já vinham investigando as espécies de Eois e Piper, especialmente na Costa Rica e Equador, nos últimos 15 anos. A cooperação estimulada pela chamada FAPESP-NSF está sendo de grande importância para que o estudo atinja dimensões continentais.

A distância na execução da pesquisa entre os grupos é contornada com eficiência. Pelo menos uma vez ao ano a equipe completa se encontra para compartilhar metodologias, resultados e achados, além de promover cursos de nivelamento. A cada quatro meses o grupo brasileiro se reúne para compartilhar o andamento das pesquisas individuais. “Esses encontros são particularmente enriquecedores. O contato com outras perspectivas, como a química, realmente expandiu a compreensão dos resultados encontrados” revela Freitas.

Por Paula Drummond de Castro