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Em busca do verde perdido: como conciliar conservação, restauração e desenvolvimento econômico

A fim de potencializar o provimento de serviços ecossistêmicos, a conservação e restauração da biodiversidade, projeto propõe investigar a restauração ecológica de florestas antropizadas nas dimensões cientifica, econômica e de políticas públicas.

Excetuando as unidades de conservação, que certamente representam os principais refúgios da biodiversidade no país, o que conhecemos de florestas encontra-se disperso em fragmentos de mata em paisagens altamente antropizadas das propriedades rurais particulares. Estes fragmentos tornaram-se importantes peças para a conservação da biodiversidade dado o seu valor testemunho, mas, sobretudo, para o provimento de serviços ecossistêmicos. Encontrar um equilíbrio entre preservação ambiental e o uso do solo agrícola nestas paisagens é um grande desafio. É neste contexto que o Projeto Temático iniciado em março deste ano “Restauração ecológica de florestas ciliares, de florestas nativas de produção econômica e de fragmentos florestais degradados (em APP e RL), com base na ecologia de restauração de ecossistemas”, coordenado pelos Drs. Ricardo Ribeiro Rodrigues (Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal do Departamento de Ciências Biológicas) e Pedro Henrique S. Brancalion (Laboratório de Silvicultura Tropical do Departamento de Ciências Florestais)  da ESALQ/USP, pretende atuar. Mais do que uma disputa entre produção agrícola e meio ambiente o projeto almeja comprovar que é possível criar condições para conciliar a questão ambiental (conservação e restauração) e a questão agrícola (produção e desenvolvimento econômico) em propriedade rurais brasileiras. “São necessários hoje subsídios para sustentar cientificamente as ações de restauração florestal dentro de propriedade rural, integrar essas ações com a área agrícola, em termos de impactos e serviços ecossistêmicos, viabilizar economicamente essas ações, formular políticas públicas para o setor e embasar a elaboração e revisão de instrumentos legais sobre o tema, ou seja, uma proposta clara de planejamento ambiental e agrícola do ambiente rural” complementa Rodrigues.

 

Separação da mudas de diferentes grupos funcionais
Separação da mudas de diferentes grupos funcionais para implantação de projetos de pesquisa em restauração, que testarão diferentes larguras de matas ciliares restauradas, com o propósito de sustentar futuras revisões dos instrumentos legais e explicitar os serviços ecossistêmicos advindos dessas ações. Foto: (c) LERF.

 

O projeto pode ser considerado um desdobramento de projetos anteriores já trabalhados pelo Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (LERF) da ESALQ/USP. Destacam-se aqui a expertise adquirida em dois projetos precursores. O projeto Parcelas Permanentes (“Diversidade, dinâmica e conservação de árvores em florestas do estado de São Paulo: estudos em parcelas permanentes”) desenvolvido no âmbito do Programa Biota de 2001 a 2007, que teve como objetivo acompanhar 40 ha de Floresta de Restinga, Floresta Atlântica de Encosta, Floresta Estacional Semidecidual e Cerradão em unidades de conservação, considerados como ecossistemas de referência para a sustentação teórica das metodologias de restauração (ecologia da restauração). Outro projeto de referência foi aprovado em 2010 pelo CNPq para tratar de restauração. Este projeto possibilitou estruturar e implantar experimentos de longo prazo, articular e amadurecer uma rede de pesquisadores e empresas agrícolas que está envolvida no atual projeto.

Para aprofundar neste tema, o primeiro passo foi elencar os desafios que se colocavam. O primeiro decorre da necessidade de se avançar mais com o conhecimento científico acerca do papel dos fragmentos florestais remanescentes na conservação da biodiversidade. Embora muitos destes fragmentos tenham erodido parte da sua funcionalidade, ainda persistem sendo importantes vetores de conservação da biodiversidade, desde que devidamente protegidos, manejados e enriquecidos com grupos funcionais comprometidos. O segundo desafio é de ampliar o número de experimentos de metodologias de restauração de longo prazo para avaliar a efetividade da restauração usualmente empregada em paisagens antropizadas, tanto em termos sustentabilidade ecológica, de viabilidade econômica, como de elemento integrador da paisagem rural e de possíveis serviços ecossistêmicos. “A escassez de experimentos de longo prazo em restauração ecológica, com todos seus desdobramentos (ecológico, social e econômico)  compromete a validação científica das recomendações atuais de restauração e consequentemente dos instrumentos legais”, afirma Rodrigues. O terceiro desafio é gerar mais conhecimento sobre restauração ecológica aliada à possibilidade de exploração econômica, conforme preconiza o novo Código Florestal e seu antecessor de 1965. “Nossos dados atuais, trabalhados em planos de negócio, demonstram que a restauração ecológica com fins econômicos, onde o objetivo final é a restauração, mas com exploração econômica sustentável de produtos madeireiros e não madeireiros ao longo do processo, é um excelente negócio principalmente para área de menor aptidão agrícola, com rendimento muitas vezes superior à pecuária de baixa produtividade, típica dessas situações, além de todos os benefícios e serviços ambientais” afirma Brancalion. Com isso, espera-se gerar dados e informações para subsidiar a viabilização de incentivos legais e econômicos para o proprietário rural que se comprometa com esta atividade. O quarto desafio consiste em prosseguir com a geração de mais conhecimento sobre a Ecologia da Restauração de modo a adequar melhores metodologias de restauração para cada situação de degradação e, portanto, para a tomada de decisão nos projetos de adequação ambiental. Por fim, o quinto desafio advém da necessidade de se desenvolver protocolos confiáveis para o monitoramento dessas áreas em processo de restauração ecológica, sustentados no conhecimento científico, contemplando desde a viabilidade técnico-científica e operacional dos indicadores e seus respectivos valores de referência, como o estabelecimento de metas intermediárias e de ações de manejo adaptativo ao longo do processo de restauração.

Dessa forma, o projeto foi organizado em cinco módulos para abranger todos os desafios enunciados. O módulo 1 visa testar práticas de restauração de fragmentos florestais remanescentes na propriedade rural, com ações de manejo e enriquecimento, a fim de potencializar seu papel de conservação da biodiversidade e gerar serviços ecossistêmicos na Floresta Atlântica, sendo que para a Floresta Amazônica, pela paisagem, está sendo testada a possibilidade desses fragmentos gerarem ainda produtos florestais . O módulo 2 tem como objetivo testar metodologias de restauração de florestas ciliares, considerando as diferentes larguras da faixa ciliar para cumprimento de suas funções ecológicas, buscando atender a demanda atual de sustentação científica das alterações do Código Florestal e ainda testar metodologias de restauração de baixo custo com efetividade ecológica, já que todos os proprietários serão obrigados a restaurar suas matas ciliares e sua Reserva Legal. O módulo 3 engloba metodologias de restauração de Reserva Legal e de áreas agrícolas de baixa aptidão das propriedades rurais, com fins econômicos, usando essas florestas restauradas para produção madeireira e não madeireira, mas garantindo antes a sustentabilidade econômica, ecológica, além do provimento dos serviços ecossistêmicos. Conforme explica Rodrigues “a restauração pode ser uma alternativa para ocupação de solos agrícolas em áreas de baixa aptidão, como por exemplo, substituir pastagem em áreas declivosas por restauração com espécies nativas, com fins de exploração sustentável de madeira, de frutíferas, de medicinais, de ornamentais, melífero etc. Entretanto, é necessário que se faça estudos paralelos de viabilidade econômica, bem como planos de negócio”. O quarto módulo foca-se em avaliações repetidas  da vegetação em parcelas permanentes alocadas em ecossistemas de referência para os domínios da Mata Atlântica, Cerrado e Amazônia, tanto de fragmentos bem conservados, como de fragmentos alterados, visando acumular o conhecimento necessário sobre a dinâmica florestal, para sustentar cientificamente as ações de conservação e restauração da diversidade vegetal. Finalmente o quinto módulo 5 tem o propósito de testar metodologias de avaliação e monitoramento de áreas em processo de restauração ecológica, visando definir indicadores efetivos de sustentabilidade ecológica (flora e fauna) e econômica, definir valores de referência, além de produzir protocolos viáveis de monitoramento para a restauração ecológica no bioma Mata Atlântica.

Área em preparo para implantação de um projeto de restauração ecológica
Área em preparo para implantação de um projeto de restauração ecológica, com fins econômicos, adotada pelo proprietário como Reserva Legal numa porcentagem da sua área, como alternativa de diversificação da produção. Foto: (c) LERF

Com estes dados em mãos espera-se que se consiga ampliar e prover a discussão sobre políticas públicas de conservação e restauração da biodiversidade remanescente (inclusive o Novo Código Florestal) com informações de qualidade. Neste sentido, são alguns dos resultados esperados do projeto: recomendações de técnicas eficientes para manejo e restauração de fragmentos remanescentes na propriedade rural, potencializando o papel desses fragmentos na conservação da biodiversidade remanescente e no provimento de serviços ecossistêmicos e, para a Amazônia, enriquecer os fragmentos remanescentes degradados para produção sustentável de madeira e de frutíferas, ou seja, transformar a reserva legal já exploradas das propriedades amazônicas, num ambiente de produção sustentável de espécies nativas; sustentação científica da recomendação de métodos de restauração ecológica  para situações de degradação predominantes em paisagens antropizadas; definição da largura da Área de Preservação Permanente (faixa ciliar) mais adequada para a restauração dos processos ecológicos, criação de nichos adequados para a regeneração de espécies nativas  e minimização de invasões biológicas e do efeito de borda; estabelecimento modelos econômicos de restauração, para a exploração sustentável de espécies nativas em florestas restauradas em paisagens degradadas, com suporte em planos de negócios, entre outros.

 

 A organização do projeto

Para dar conta destes ambiciosos objetivos, foi necessária a mobilização de uma grande e diversificada equipe de pesquisadores de 11 universidades e instituições de pesquisa do Brasil e do exterior, além do envolvimento de 17 empresas, muitas delas ligadas aos setores sucroenergético e de silvicultura. A saber: Instituto Florestal (SMA), Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (SAA), UFSCAR/Araras, UNESP/Rio Claro, UFPE, UFRRJ, UFMS, UNAM (México), University of Connecticut (EUA), Centre D’Ecologie Fonctionelle and Evolutive(França), Centre for Social and Economic Research on the Global Environment,  Bioflora, Usina Batatais, Usina Moema, Usina Cerradinho, Usina Lins, Usina COSAN, Usina Ester, Usina São Manoel, Usina São João, Usina Vale do Rosário, Fazenda Guariroba, Radar, Fibria, SOS Mata Atlântica, FIBRIA, Fundação Odebrecht, Suzano, Reserva Vale do Rio Doce entre outras.

(C) LERF
Área de restauração ecológica com fins de exploração econômica, com idade de 20 meses pós plantio. Foto: (C) LERF

Articular todas estas pessoas e dados também é um ponto importante para o desenvolvimento de um projeto deste porte. Cada um dos cinco módulos conta com um coordenador e subcoordenadores. Os temas transversais, tais como estatística, genética, taxonomia são tratados pelos coordenadores temáticos, que circulam por todos os módulos. Além disso, anualmente será realizado um simpósio interno, no qual participam cinco pesquisadores visitantes estrangeiros já inicialmente vinculados ao projeto como avaliadores permanentes, já que são as maiores referências científicas do tema, como Dra Robin Chazdon, Karen Holl, Eliana Ceccon, James Aronson, além de alguns brasileiros, como Felipe Melo, Marcelo Tabarelli, Bernardo Strassburg e outros,  para aconselhar, avaliar e sugerir diretrizes gerais para o projeto como um todos e para seus respectivos suprojetos. A organização e integração dos dados advém de experiências de projetos anteriores sendo prevista aprimoramentos pontuais, como por exemplo, alimentação remota do banco de dados e outros.

 

Por Paula Drummond de Castro