Pesquisa analisa os padrões de movimento em áreas de reocupação no litoral sul da Bahia.
As baleias jubarte, em geral, são migratórias. Costumam se alimentar durante o verão nas águas mais geladas e se reproduzir nas águas quentes e mais rasas das baixas latitudes durante o inverno, sempre próximas à costa ou a bancos com recifes de corais. A observação em escala fina da forma e velocidade como essas baleias se movimentam foram o alvo do artigo “Movement patterns of humpback whales (Megaptera novaeangliae) reoccupying a Brazilian breeding ground” na revista Biota Neotropica.
Entre junho e novembro essas baleias costumam frequentar as águas quentes do nordeste brasileiro. A caça da espécie foi proibida no Brasil em 1987 e, desde então, a população vem se recuperando com boas taxas de crescimento por ano, aumentando o número de baleias avistadas em diversos locais ao longo da costa. Embora a espécie não esteja mais na lista de animais ameaçados de extinção, o tamanho atual da população (estimado em torno de 17 mil indivíduos) ainda inspira cuidados, especialmente frente às grandes alterações antrópicas nos oceanos.
A Vila de Serra Grande, localizada entre Itacaré e Ilhéus, mais a norte do mais conhecido ponto de concentração de baleias jubarte – Abrolhos, foi o local escolhido pelos pesquisadores por suas características singulares: menor tamanho da plataforma continental, pequena interferência humana na região e grande número de avistamentos a partir dos anos 2000. O estreitamento da plataforma leva as baleias a se movimentarem bem próximas à costa, facilitando a visualização e a observação do comportamento e movimentação dos indivíduos, foco do estudo.
Maria Isabel Gonçalves – pesquisadora do Laboratório de Ecologia Aplicada à Conservação da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) em Ilhéus e uma das autoras do artigo – realizou seu doutorado na região entre 2013 e 2017 e relembra que, inicialmente, esperava que as baleias estivessem em Serra Grande apenas de passagem. “Mas começamos a observar que aquele não era apenas um local de passagem, que os grupos com filhotes permaneciam em descanso naquele ponto. Foi a partir dessas observações de campo que comecei a me perguntar se elas estavam mesmo só de passagem ou se permaneciam ali e, então, surgiu a ideia desse artigo, de analisar os padrões de movimento”, explica a pesquisadora.
A forma e a velocidade que as baleias se movimentam varia de acordo com a fase de sua vida: se estão migrando costumam se movimentar de forma mais rápida e linear e se estão se alimentando ou reproduzindo, se movem mais vagarosamente e de forma mais errática. Gonçalves explica que “o objetivo de usar estudos em escala fina é conseguir compreender melhor como vários fatores, como os temporais, espaciais e sociais, influenciam o comportamento dessa espécie. Os dados de habitat, de ocupação humana, o aumento da população, tudo isso influencia e pode nos auxiliar nessa compreensão e, além da observação visual, utilizamos o monitoramento acústico passivo durante a coleta de dados”.
Ao longo do estudo publicado, o grupo de pesquisadores observou, conforme esperado, que houve uma aproximação dos animais da costa para o nascimento dos filhotes ao longo da temporada. Os grupos mais frequentes observados durante o estudo eram compostos por mãe e filhote, mas chamou a atenção dos pesquisadores o número bastante significativo de grupos de mãe com filhote e um ou mais adultos acompanhando. Os grupos de mãe e filhote gastam mais tempo descansando, enquanto os grupos com maior número de adultos passam mais tempo nadando em uma velocidade maior do que os grupos com apenas um adulto acompanhando.
Os pesquisadores, no entanto, foram surpreendidos pela observação de que a maior parte dos grupos avistados estava se movimentando em direção ao sul. “Nós tínhamos uma ideia de que elas chegariam em direção ao norte no início da temporada e, no final, se dirigiriam para o sul”, relembra Gonçalves, “mas nós vimos a maioria das baleias indo para o sul. E isso significa que ou elas se dirigiram para o norte todas em junho, antes da nossa temporada de observação – o que é improvável – ou fazem essa movimentação mais afastadas da costa e descem depois mais próximo da costa”. A hipótese dos pesquisadores é que os grupos aproveitem as correntes marítimas para aumentar a velocidade dos deslocamentos, diminuindo gastos energéticos. No início da estação a Subcorrente Norte do Brasil (em direção ao norte) é mais afastada da costa, dificultando a visualização e a Corrente do Brasil (em direção ao sul) a partir de agosto. Para a pesquisadora, a verificação de que a velocidade média de deslocamentos dos grupos nessa região é um pouco maior que em outras áreas corrobora com essa hipótese e anima o grupo na continuidade do trabalho.
“Outra técnica que gostaríamos de avançar é o uso de drones”, continua Gonçalves, essa seria uma possibilidade para acompanhar os desdobramentos de uma outra observação relevante a partir desse estudo, que diz respeito ao número de machos que acompanham as fêmeas com filhotes. Em grupos com um maior número de machos acompanhando, a velocidade do grupo e a distância da costa aumentam e o tempo de descanso diminui. E isso, segundo a pesquisadora, impacta o gasto energético, especialmente nos filhotes. “Uma ideia futura com relação a esse gasto energético”, continua Gonçalves, “é tentar verificar se a variação observada entre temporadas (número de indivíduos, número de filhotes) é afetada pela reserva de gordura que os animais apresentam. Podemos utilizar o drone para avaliar tamanho corporal e associar a outros fatores, já que fotos de alta resolução obtidas de um ângulo de 90 graus realizadas por o drone permitem medidas precisas das dimensões corporais, o que é impossível de conserguir a partir de pontos fixos e barcos. Um dos objetivos futuros é usar esse tipo de instrumento para avaliar demandas energéticas, o que pode influenciar quanto tempo a baleia fica no Brasil”.
Esta pesquisa foi desenvolvida em parceria com pesquisadores de várias instituições como a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, através da professora Renata Sousa-Lima, da Universidade Estadual Paulista pelo pesquisador Gustavo Henrique Carvalho, do Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul através do pesquisador Daniel Danilewicz, e por professores da UESC como o coordenador do projeto Júlio Baumgarten e Niel Teixeira. Além das atividades de pesquisa, o grupo de pesquisadores responsáveis pelo projeto Baleia na Serra também se desdobra em atividades de divulgação para a comunidade local e para o púbico em geral como, por exemplo, o vídeo Baleias na Serra e a página do Projeto no Facebook.