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De olho nos tamanduás

Ecologia e saúde do tamanduá-bandeira em remanescentes de Cerrado paulista é tema de pesquisa.

 

A elevada especialização alimentar, a grande demanda de área, a baixa taxa reprodutiva, o grande tamanho e, sobretudo, a destruição de seus habitats têm sido, em conjunto, as principais causas do declínio das populações de tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla). A espécie aparece nas listas de animais ameaçados de extinção, na categoria vulnerável desde 1982. A estimativa de perda populacional é de pelo menos 30% ao longo dos últimos 10 anos – considerando extinções locais, a perda de habitat, e as mortes causadas por incêndios e atropelamentos[1].

Estes animais são do grupo Myrmecophagidae, uma família de mamíferos pertencentes à superordem dos xenartros, o grupo de animais desdentados, como as preguiças e os tatus. Vivem nas florestas e savanas das Américas Central e do Sul, desde o Belize até a Argentina. Sua dieta é focada na ingestão de formigas e principalmente de cupins. Utiliza sua longa língua para capturar estes insetos em seus cupinzeiros e formigueiros e utiliza suas garras fortes e encurvadas para destroçá-los. São comumente associados às áreas abertas (talvez porque sejam mais facilmente observados nestes ambientes). Entretanto, é possível que ambientes florestais exerçam importância fundamental em função dos comportamentos termorregulatórios de tamanduás, já que a espécie não mantém a temperatura constante como a maioria dos mamíferos e por isso busca lugares mais frescos em meses mais quentes e áreas mais ensolaradas em meses mais frios.

Quando se trata de cerrado, e especificamente no Estado de São Paulo, a ameaça é máxima. O cerrado brasileiro encontra-se muito fragmentado e degradado pelo avanço das cidades, da agricultura e da pecuária. Em São Paulo, ocupa apenas 1% da área do Estado, da qual já cobriu 14%. O problema é sério. Primeiro pelo fato de seus fragmentos serem relativamente pequenos, dispersos e imersos em uma matriz predominantemente agrícola. Em segundo, porque só 18% do que resta está protegido por 32 unidades de conservação e reserva legal, o que por si é insuficiente para preservar algumas espécies, em particular as que demandam grandes áreas para manter uma população mínima viável. Em decorrência destas limitações que se apresentam, entender de que maneira a fauna silvestre se relaciona com a matriz do entorno é uma questão altamente relevante para a preservação das espécies nativas deste bioma.

O tamanduá-bandeira é mais uma das espécies que sente diretamente os impactos da fragmentação de habitas. O projeto “Importância de remanescentes de cerrado para o tamanduá-bandeira

Tamanduá-bandeira flagrado na área de estudo. Foto Rita Biaqnchi (c).
Tamanduá-bandeira flagrado na área de estudo. Foto Rita Bianchi (c).

no Nordeste de São Paulo”, coordenado pela Dra. Rita de Cassia Bianchi, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Jaboticabal, tem como objetivo analisar a ecologia e o perfil de saúde do tamanduá-bandeira neste mosaico de paisagens naturais e antropizadas (áreas de plantios de Pinus e Eucaliptos). Os trabalhos desenvolvidos até então com o tamanduá-bandeira, notadamente aqueles envolvendo área de vida e uso de habitat, foram em sua grande maioria, desenvolvidos em áreas consideradas bem protegidas como grandes Unidades de Conservação ou no Pantanal. “Queremos entender como estes animais usam as áreas não nativas. Se as áreas de Pinus e Eucaliptus só servem para trânsito ou são usadas como recursos também”, explica Dra. Bianchi. O projeto foi iniciado em março de 2014 e a previsão de seu término é fevereiro de 2016.

A pesquisadora traz sua experiência em trabalhar com telemetria em carnívoros no Pantanal, a mesma metodologia que foi adotada na pesquisa com os tamanduás, que consiste na captura do animal e posteriormente aparelham-no com um colete que possui um dispositivo que envia sinais a um receptor que permite localizar o tamanduá e também rastrear os locais por onde andou. O armadilhamento fotográfico também é empregado. Desta forma o grupo de pesquisadores pretende responder como e em quais partes dessa paisagem tão heterogênea essa espécie ocorre e utiliza. O perfil de sanidade da espécie será traçado pelos diagnósticos sanitário e toxicológico com intuito de avaliar se o uso de agrotóxicos no entorno e se a presença de patógenos pode ser considerada mais uma ameaça à espécie.

Entretanto, a equipe de campo do projeto teve que enfrentar uma constatação inesperada: a caça. “Ainda há uma cultura de caça muito forte na região e ainda não há qualquer projeto de educação ambiental sendo desenvolvido visando reverter esta situação”, lamenta a pesquisadora. A Estação Ecológica de Santa Bárbara e seu entorno, em Águas de Santa Bárbara, é ainda muito utilizada por caçadores. “Um dos tamanduás monitorados, provavelmente foi caçado e apenas o seu equipamento de GPS foi encontrado, sem nenhum rastro do animal por perto, ou do seu colete onde o equipamento fica acoplado. Era comum ouvir tiros e latidos de cães durante algumas tentativas de capturas noturnas e, além disso, houve registros fotográficos de pessoas não autorizadas no interior da unidade, por meio das armadilhas fotográficas instaladas”, relata Dra. Bianchi. Estes fatos podem comprometer o desenvolvimento de toda a pesquisa, porque além da perda dos animais, do risco de danos aos equipamentos, existe a ameaça à integridade da equipe. Para salvaguardar tanto os animais quanto os membros da equipe, as propriedades particulares em que algum tamanduá utilizou foram contatadas para que os proprietários não estranhassem ver algum animal com o colete.

A equipe do projeto é formada por profissionais de diferentes formações e instituições. Basicamente há especialistas em monitoramento de animais, radiotelemetria, capturas dos animais, coleta de material biológico (sangue, ovos de verminoses, parasitas sanguíneos, carrapatos, fezes), coleta de cupim e formiga, ensaios toxicológicos e análise genética. O projeto conta com pesquisadores da FioCruz, da UFRJ, da Embrapa Pantanal, da University of Missouri.

Tamanduá-bandeira flagrado na área de estudo. Foto Rita Biaqnchi (c).
Tamanduá-bandeira flagrado na área de estudo. Foto Rita Biaqnchi (c).

Até o presente momento, o projeto já constatou que há cerca de 10 animais em uma área de 3000 ha, o que pode ser considerado pouco para a manutenção de população mínima viável. A existência de áreas naturais é decisiva para a que a população de tamanduás não fique tão isolada e incida a endogamia, o que pode ser causar efeitos deletérios neste grupo de animais. Observou-se também que os tamanduás usam áreas não nativas, sugerindo que estes animais tem uma plasticidade grande e parecem sobreviver em plantações. Todavia, ao longo da pesquisa foram encontrados animais mortos cujas autópsias indicaram que estes animais estavam com o fígado completamente deteriorado, sugerindo que estes animais possam ter sido contaminados por agrotóxicos, formicidas ou cupinicidas. “Se a pesquisa apontar que as lesões no fígado destes animais foram decorrentes destes produtos, talvez possamos conseguir que se alterem os produtos usados nas áreas de entorno das Unidades de Conservação”, completa Dra. Bianchi.

 


[1] Miranda, F., Bertassoni, A. & Abba, A.M. 2014. Myrmecophaga tridactyla. The IUCN Red List of Threatened Species 2014: e.T14224A47441961. https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2014-1.RLTS.T14224A47441961.en . Downloaded on 30 October 2015.