Scroll Top

Agricultura Urbana e Periurbana

Apesar das áreas urbanas cobrirem uma fração relativamente pequena do total da superfície do planeta Terra, elas são muito responsáveis pelas mudanças ambientais globais.

 

Agricultura periurbana na região do Vale do Paraíba. Foto: Camille Nolasco (c).
Agricultura periurbana na região de São José dos Campos. Foto: Camille Nolasco (c).

Hoje mais da metade da população mundial vive em cidades, e o desenvolvimento das áreas urbanas é chave para muitos dos desafios que enfrentamos em nossas interações com o meio ambiente. Apesar das áreas urbanas cobrirem uma fração relativamente pequena do total da superfície do planeta Terra, elas são muito responsáveis pelas mudanças ambientais globais. As áreas urbanas movimentam mais que 90% da economia global, são o lar de mais de 50% da população mundial, consomem mais que 65% da energia do mundo e emitem aproximadamente 70% dos gases de efeito estufa. A expansão urbana associada às mudanças de uso e cobertura da terra ameaçam a biodiversidade, através da perda de habitat de diversas espécies e de contaminação por poluentes, por exemplo, e promove também a perda do carbono existente na biomassa da vegetação. A urbanização extrai recursos muitas vezes a quilômetros de distância de suas fronteiras para manter seu funcionamento. As mudanças globais, sejam elas climáticas, ou de redução dos serviços ecossistêmicos, estão sendo agravadas pelas mudanças nos processos de urbanização e o impacto das cidades sobre o planeta.

Acompanhe a entrevista com a Dra. Camille Nolasco, pesquisadora do grupo “Sistemas Sociais e Ambientais: análise, síntese e modelagem” do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), sobre o livro  Routledge Handbook of Urbanization & Global Environmental Change (Ed. Routledge – Talylor & Francis) do qual é coautora do Capítulo “Urban and periurban agriculture: Cultivating urban climate resilience”.

 

Boletim – O que é agricultura urbana e periurbana? E resiliência climática urbana?

Camille Nolasco – Agricultura Urbana e Periurbana é toda atividade agrícola praticada no interior das cidades ou em áreas periféricas, de transição entre a mancha urbana e a zona rural dos municípios. Temos uma boa definição dada por Santadreu e Lovo em 2007:

Agricultura Urbana e Periurbana (AUP) é um conceito multidimensional que inclui a produção, o agroextrativismo e a coleta, a transformação e a prestação de serviços, de forma segura, para gerar produtos agrícolas (hortaliças, frutas, ervas medicinais, plantas ornamentais, etc.), pesca e pecuários (animais de pequeno, médio e grande porte) voltados ao auto – consumo, trocas e doações ou comercialização, (re) aproveitando-se, de forma eficiente e sustentável, os recursos e insumos locais (solo, água, resíduos sólidos, mão de obra, saberes etc.). Essas atividades podem ser praticadas nos espaços intraurbanos ou periurbanos, estando vinculadas às dinâmicas urbanas ou das regiões metropolitanas e articuladas com a gestão territorial e ambiental das cidades. Essas atividades devem pautar-se pelo respeito aos saberes e conhecimentos locais, pela promoção da equidade de gênero através do uso de tecnologias apropriadas e processos participativos promovendo a gestão urbana, social e ambiental das cidades, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população urbana e para a sustentabilidade das cidades”(*)

Como a Avaliação Ecossistêmica do Milênio sugere, é importante que sejam feitos esforços para identificar não somente as trocas, mas também as sinergias que existem entre os serviços ecossistêmicos em diferentes escalas. A pesquisa recente aponta os benefícios da criação de paisagens multifuncionais onde múltiplas funções ambientais, sociais e econômicas são providenciadas. Nas cidades, a agricultura urbana pode auxiliar no desenvolvimento de paisagens multifuncionais através da produção sustentável de alimentos, conservação de biodiversidade, polinização, proteção dos serviços ecossistêmicos, e redução de pobreza.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) define resiliência como “a capacidade de um sistema social ou ecológica de absorver perturbações, mantendo a mesma estrutura básica e os modos de funcionamento, a capacidade de auto-organização, e a capacidade de se adaptar ao estresse e mudança “. Uma das noções mais importantes enfatizadas na teoria de resiliência urbana é a necessidade de sistemas urbanos de aumentar a sua capacidade de absorver perturbações ambientais.

Resiliência Climática Urbana pode ser entendida como a capacidade do sistema sócio ecológico urbano de absorver as tensões e manter suas funções em face às tensões externas que lhe são impostas pelas alterações climáticas.

A resiliência engloba a adaptação, reorganização e evolução para configurações que promovam a sustentabilidade desse sistema, deixando-o melhor preparados para os possíveis impactos das mudanças climáticas.

Cacapava_peri_01
Agricultura periurbana na região de Caçapava. Foto: Camille Nolasco (c).

Boletim – Quais os pontos centrais do capítulo? Como esta prática pode auxiliar na mitigação e/ou adaptação às mudanças climáticas?

Camille Nolasco -O capítulo tem como pontos centrais: os impactos da urbanização sobre os sistemas alimentares urbanos; a pressão de uso da terra; o aumento na demanda por água; as conexões urbanas e peri-urbanas; os impactos das mudanças ambientais globais nos sistemas alimentares; as mudanças nos padrões de precipitação; as pressões relacionadas ao calor – doenças, pragas; os eventos climáticos extremos – secas / inundações; as oportunidades para a resiliência do clima; o melhoramento da segurança alimentar e subsistência; a adaptação serviços dos ecossistemas; potenciais de mitigação; limitações e desafios; riscos à saúde; política e desafios institucionais; o que é necessário para futuras pesquisas.

[quote align=”center” color=”#999999″]A agricultura urbana e peri-urbana pode ser pensada como uma ferramenta para auxiliar na promoção da resiliência urbana[/quote]

através da ampliação do acesso a alimentos frescos, fortalecendo a segurança alimentar, promovendo a manutenção ou incremento de biodiversidade, e fortalecendo as comunidades através do empoderamento de indivíduos que se encontram em maior vulnerabilidade através dos benefícios conseguidos com a agricultura como melhor alimentação, maior renda, maior interação com outros indivíduos da comunidade, e outros.

Boletim – Qual é a proposta geral do livro “Routledge Handbook of Urbanization & Global Environmental Change”?

capa do livro Urbanization and global environmental changeCamille Nolasco – O livro surgiu como proposta de ser um dos produtos síntese do projeto UGEC (Urbanization and Global Environmental Change), um projeto internacional com a finalidade de reunir cientistas de diversas áreas para investigar as relações entre a urbanização e os processos de mudanças ambientais em escalas locais, regionais e globais, críticas para a sustentabilidade. O projeto segue uma abordagem multidisciplinar com o intuito de desenvolver enquadramentos conceituais e metodológicos inovadores para o avanço da ciência de mudanças ambientais globais e uma compreensão mais abrangente das causas e consequências dos processos econômicos, sociopolíticos, culturais e físicos. Uma característica importante do projeto é a de fornecer uma plataforma para a aprendizagem e troca de conhecimento entre uma ampla gama de atores locais, nacionais e regionais que trabalham sobre questões urbanas e ambientais, e facilitar as redes regionais temáticas com o objetivo de criar laços entre os atores, incluindo os planejadores urbanos, os tomadores de decisão e os pesquisadores, buscando uma interação melhor entre ciência, política e prática.

O projeto UGEC foi desenvolvido pelo IHDP (International Human Dimensions Programme on Global Environmental Change) que investigava a dimensão humana nas mudanças globais e que foi integrado à iniciativa Future Earth, que é uma grande plataforma de pesquisa internacional que fornece conhecimento e apoio para acelerar nossas transformações para um mundo sustentável. E junto com outros parceiros da Future Earth Urban Platform (FEUP), está liderando a transição da agenda urbana no âmbito do Future Earth, através do estabelecimento de ações com foco no urbano que atuem como um modelo para a criação de uma plataforma no intuito de facilitar a coordenação da investigação interdisciplinar e o co-design entre stakeholders e outros agentes urbanos. Desde 2006, o escritório internacional do projeto UGEC está sediado no instituto Julie Ann Wrigley Global Institute of Sustainability (GIOS) na Arizona State University, nos Estados Unidos, que juntamente com a U.S. National Science Foundation, financia o escritório e suas atividades.

Acreditando que as cidades podem desempenhar um papel crítico para o desenvolvimento sustentável, surge então a construção deste livro, criado para ser um manual sobre urbanização e mudanças ambientais globais. Cobrindo uma ampla gama de temas que vão desde a dinâmica da urbanização rápida em países asiáticos, ao desafio da transição para um modo de vida de baixo carbono, os capítulos deste livro detalham as interações do processo de urbanização com as mudanças ambientais, e traz as descobertas científicas fundamentais para apontar os caminhos a serem seguidos pelos tomadores de decisão e estudiosos que buscam compreender melhor o processo de urbanização e o que deve ser feito com as cidades em uma agenda que busque a sustentabilidade.

O livro é dividido em quatro focos temáticos: O tema 1 aborda os caminhos através dos quais a urbanização impulsiona a mudança ambiental global.  O tema 2 se concentra nos caminhos através dos quais a mudança ambiental global afeta os sistemas urbanos. O tema 3 aborda as interações e respostas dentro do sistema urbano em resposta às mudanças ambientais globais. E o tema 4 enfoca a pesquisa integrativa emergente.

Boletim – Como encontrar o livro?

Camille Nolasco – O livro está disponível para compra no site da editora Routledge – Talylor & Francis Group e outras livrarias internacionais como a Amazon.

 

Por Paula Drummond de Castro

 

 


(*) ALAIN SANTANDREU; IVANA CRISTINA LOVO. Panorama da Agricultura Urbana e Periurbana no Brasil e Diretrizes Políticas para sua promoção: Identificação e Caracterização de Iniciativas de AUP em Regiões Metropolitanas Brasileiras. DOCUMENTO REFERENCIAL GERAL – Versão Final. Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional – SESAN, Departamento de Promoção de Sistemas Descentralizados – DPSD, Belo Horizonte: junho de 2007. Disponível em: < http://docplayer.com.br/28676-Panorama-da-agricultura-urbana-e-periurbana-no-brasil-e-diretrizes-politicas-para-sua-promocao.html>