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Por que proprietários rurais conservam (ou não) áreas de preservação? Pesquisa analisa motivações

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A legislação brasileira prevê que todas as propriedades rurais tenham áreas destinadas à preservação de florestas. São as Áreas de Proteção Permanente (APP), como o entorno de nascentes, margens de rios e topos de morro, por exemplo, nas quais a vegetação nativa deve ser mantida ou restaurada e protegida de qualquer ação humana. Já as Reservas Legais correspondem a um percentual da área da propriedade nas quais a vegetação nativa ou restaurada pode ser explorada desde que aconteça de forma sustentável. Somadas, essas áreas correspondem a 54% da vegetação nativa remanescente do país, o que mostra a importância da participação de proprietários rurais nas políticas de conservação ambiental. Um estudo publicado por pesquisadores da Esalq/USP avaliou os fatores que influenciam as decisões de proprietários rurais do estado de São Paulo a respeito dessas áreas em suas propriedades.

“Compreender os fatores que motivam as decisões e percepções dos agricultores sobre os benefícios promovidos pela floresta pode ajudar a identificar os fatores que possibilitam a conservação e a restauração florestal, além de utilizar essas informações para otimizar o cumprimento da lei e os benefícios sociais desse processo no Brasil” explica Amanda Fernandes, que desenvolveu a pesquisa em seu mestrado junto ao Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal da ESALQ/USP e à Universidade de Wageningen, na Holanda.

As entrevistas foram realizadas com 90 proprietários rurais de 13 municípios do estado de São Paulo e consideraram diferentes critérios. O primeiro deles foi o tamanho das propriedades, que foram divididas em 3 grupos, segundo as categorias indicadas no INCRA: pequenas, médias e grandes. “Além de entender com fatores de decisão e as motivações dos produtores rurais, a pesquisa também buscou avaliar se havia diferenças entre os proprietários de áreas rurais de diferentes tamanhos e fazer uma análise comparativa”, explica Amanda Fernandes.

A pesquisa avaliou três pontos principais na relação entre proprietários e as áreas de cobertura florestal obrigatórias e suas propriedades: as motivações para diminuição, manutenção ou ampliação dessas áreas; os benefícios da sua manutenção ou ampliação e a disposição para a restauração florestal em suas terras.

Proprietários de grandes áreas desmataram mais no período estudado (1985-2015) citando como razões para isso incentivos governamentais (realizados entre as décadas de 1970 e 1980, mas que ainda seguem mencionados), aumento da área agrícola, de renda e a ganância humana. Entre os que mantiveram as áreas de floresta, a conservação da água e o cumprimento da lei foram motivações mais comuns em grandes propriedades, enquanto a adequação à legislação e o legado familiar foram prioritários para pequenos proprietários. Já entre os que ampliaram a cobertura florestal, as razões incluíram o cumprimento da lei, a conservação da água, terras inadequadas para agricultura e a expansão da APP.

Sobre os benefícios, a conservação da água foi o mais citado. “Em 78% dos entrevistados identificamos uma percepção de alteração da disponibilidade de água de 1985 até hoje. Desses, 89% notaram redução na disponibilidade de água, atribuída a fatores naturais (como o El Niño), desmatamento, uso irracional da água, monocultura de eucalipto, assoreamento de rios e altas temperaturas”, explica Amanda Fernandes. Os 11% restantes relataram aumento na disponibilidade, associado à proteção de nascentes e à restauração de áreas degradadas.

A maioria dos proprietários se disse disposta a restaurar áreas florestais com apoio e retorno financeiro. Contudo, as contribuições mencionadas limitavam-se à preservação das florestas existentes (60%) e à manutenção de áreas restauradas (38%). Apenas 2% citaram investir tempo ou comprar mudas para restauração ativa.

Seleção dos entrevistados

Um dos critérios utilizados para selecionar os entrevistados levou em conta municípios onde houve aumento, diminuição ou manutenção da área de vegetação nativa entre 1985 e 2015, uma análise que faz parte do projeto “Compreendendo florestas restauradas para o benefício das pessoas e da natureza (NewFor)”, vinculado ao Programa Biota/Fapesp, no qual a pesquisa se insere. “Desvendar as motivações para restaurar florestas, bem como elucidar como a geração de benefícios pela restauração são influenciadas pelos métodos e condições ambientais em que esta atividade é realizada, são fundamentais para aumentar o engajamento dos produtores rurais e formular políticas públicas mais eficientes”, comenta Pedro H. S. Brancalion (ESALQ/USP), coordenador do NewFor.

No que diz respeito ao perfil dos entrevistados, 57% relataram obter sua renda principal da produção agrícola e da pecuária, 31% apenas da agricultura e 12% apenas da pecuária. Culturas como milho, soja, cana-de-açúcar, feijão, laranja, além de gado de corte e leiteiro predominam em fazendas de médio e grande porte, enquanto mandioca, quiabo, alface, ovos, banana e limão são produzidos principalmente em pequenas propriedades. Dos entrevistados, 78% dos produtores relataram participar de cooperativas agrícolas e/ou associações de agricultores e 53% indicaram receber assistência técnica para a administração das propriedades.

Implicações práticas

Os resultados mostram que os proprietários rurais paulistas estão bem informados: têm educação formal, assistência técnica, participam de cooperativas, conhecem suas terras e a legislação. “Ainda assim, esses proprietários não estão totalmente dispostos a contribuir ativamente para a restauração de áreas em suas propriedades, mesmo que essa seja indicada por lei”, reflete Amanda Fernandes, “e surpreendentemente, não consideravam o sequestro de carbono como algo relevante para esse processo, o que nos leva a refletir a importância de avançarmos com comunicação e capacitação sobre projetos de restauração e carbono na Mata Atlântica, com destaque para os proprietários rurais e organizações que atuam com restauração no bioma”.

Apenas 9% de todos os produtores entrevistados perceberam o sequestro de carbono como um benefício. “A maioria não se interessa pelo tema, e os que se interessam precisam de informações sobre o mercado de carbono e como aumentar sua renda com a conservação e restauração florestal dentro de sua propriedade”, frisa a pesquisadora, que destaca a importância das áreas de APP e Reserva Legal para a restauração da Mata Atlântica: “a restauração da deste Bioma acontece dentro das áreas rurais privadas e os proprietários precisam saber dos benefícios econômicos e sociais relacionados à captura de carbono”.

“Outro ponto evidente é que o fator econômico é central nas decisões dos proprietários”, explica Cristina Adams (EACH/USP), uma das autoras do artigo, “no entanto, soluções como as do Mercado de Carbono e dos Pagamentos por Serviços Ambientais não vão resolver sozinhas essa questão. É preciso começar uma discussão sobre mudanças mais profundas, uma transição. Assim como estamos discutindo a transição energética para formas mais sustentáveis de produção de energia é preciso discutir a transição do modelo agrícola para uma agricultura ecológica que inclua a restauração de florestas”.

Acesse o artigo completo

Fernandes, A.A., Adams, C., Peña-Claros, M., Salk, C., Bongers, F., Brancalion, P.H.S. and Rodrigues, R.R. (2025), Determinants of farm-level land use decisions and perceptions of associated ecosystem services in the Brazilian Atlantic Forest. Restor Ecol e70089. https://doi.org/10.1111/rec.70089