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A biodiversidade invisível (e tóxica) nos alimentos

O Brasil possui uma biodiversidade pouco explorada na área de espécies toxigênicas de fungos incluindo as espécies de Aspergillus que estão entre os mais importantes fungos produtores de micotoxinas.

 

Quando pensamos na diversidade de espécies, normalmente nos vem à cabeça imagens de vertebrados terrestres e aquáticos, plantas, insetos, algas. Contudo, quando mergulhamos no universo invisível da microbiota, um novo mundo, povoado de bactérias, protozoários, microalgas, fungos, se desvela. Cada vez mais são descobertas novidades sobre estes surpreendentes seres que lutam para sobreviver em seus pequeninos ecossistemas.

Aspergillus bertholletius. Foto: Marta Hiromi Taniwaki
Aspergillus bertholletius. Foto: Marta Hiromi Taniwaki

O estudo mais aprofundado destes microrganismos é relevante não só por se tratarem de diferentes formas de vida no planeta, mas também porque são de interesse para a espécie humana ou porque nos fazem “mal”, ou porque nos fazem “bem”. E assim, na área de saúde, indústria de alimentos, agrícola e novos usos por meio da biotecnologia.

O Brasil possui uma biodiversidade pouco explorada na área de espécies toxigênicas de fungos incluindo as espécies de Aspergillus que estão entre os mais importantes fungos produtores de micotoxinas. O projeto “Biodiversidade das espécies toxigênicas de Aspergillus no Brasil: ocorrência, taxonomia polifásica e distribuição”, coordenado pela Dra. Marta Hiromi Taniwaki (Laboratório de Microbiologia do Centro de Ciência e Qualidade de Alimentos do Instituto de Tecnologia de Alimentos – ITAL) com colaboração de outros pesquisadores do ITAL, Universidade Estadual de Londrina – UEL, CSIRO Animal, Food and Health Sciences (Austrália) e Technical University of Denmark (Dinamarca) foi desenvolvido entre os anos 2011 e 2014, atendendo ao edital de taxonomia, sistemática e filogeografia do Programa. “A identificação correta em nível de espécie é muito importante na micologia de alimentos, porque existem várias características associadas a cada espécie. Além disso, o conhecimento da distribuição das espécies toxigênicas nos alimentos pode fornecer parâmetros para o controle e prevenção da produção de toxinas pelos fungos.” explica Dra. Taniwaki.

A pesquisa examinou em um primeiro momento a micobiota de alguns alimentos derivados de espécies de interesse econômico para o país: café, cacau, amendoim, castanha do Brasil e frutas secas importadas. E em um segundo momento, aprofundou-se no estudo do fungo Aspergillus visando estudar sua diversidade e ocorrência em diferentes regiões do país. O Aspergillus é um fungo de especial interesse para a indústria de alimentos. Trata-se de um microrganismo de ampla dispersão, afetando diversos tipos de culturas agrícolas. Dentre as micotoxinas mais comuns que as espécies deste gênero  produzem  encontram-se as aflatoxinas, que tem a capacidade de se ligar ao DNA das células provocando uma alteração na replicação do DNA.  Esta substância quando ingerida em alta concentração pode produzir graves danos ao fígado e debilitar a capacidade de absorção e processamento de nutrientes, levando à morte. Já exposição crônica em níveis subcríticos de aflatoxina o efeito não é agudo, mas aumenta a probabilidade de desenvolvimento de câncer hepático. Por conta do efeito tóxico desta substância, o Brasil, por exemplo, já deixou de exportar castanha do Brasil para a Europa por conta do nível de aflatoxinas presentes nesta iguaria, pois o limite de tolerância determinado pelos países europeus é muito baixo.

A pesquisa do grupo do ITAL analisou 206 amostras de amendoim, frutas secas castanha do Brasil, café e cacau, coletadas entre 2012 e 2013 em fazendas e mercados em todo Brazil.

Os fungos Aspergillus corresponderam a mais de 50% dos microorganismos encontrados nestas amostras, além de Eurotium, Penicillium, Mucor, Fusarium, Cladosporium entre outros  XXXForam isolados 2075 espécies de Aspergillus, predominando os do grupo Aspergillus section Flavii (1270 spp) – considerado o mais potencialmente toxigênico – cuja ocorrência predominou nas amostras de amendoim, castanha do Brasil e cacau; seguidos pelos Aspergillus section Nigri (784 spp), presentes sobretudo nas amostras de café, amendoim, castanha do Brasil e frutas secas; e Aspergillus section Circundati (21 spp), mais comum em café. Alguns deste  fungos isolados  estão depositados na Coleção de Cultura Tropical da Fundação André Tosello.

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Aspergillus bertholletius. Foto: Marta Hiromi Taniwaki

Durante o estudo da micobiota da castanha do Brasil (Bertholletia excelsa), uma nova espécie de Aspergillus foi identificada e que veio a inaugurar um novo clado filogenético do fungo. A espécie foi batizada de Aspergillus bertholletius em referência ao nome científico da castanheira. O estudo está publicado na Plos One (agosto de 2012). A nova espécie descrita não produz aflatoxinas, e sim um composto precursor desta substância (O-metilesterigmatocistina).

Estudos como estes auxiliam no embasamento de normatizações de limite máximo para a presença de micotoxinas nos alimentos comercializados no Brasil, tais como a Resolução RDC 07/2011, publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A norma da Agência estabelece esses limites em 14 categorias de alimentos, como: leite e produtos lácteos, sucos de maçã e uva, café torrado, amêndoas de cacau, chocolate milho, trigo, arroz, feijão, entre outros.

Além disso, o projeto montou uma base de dados com mais de 10 mil registros de Aspergillus chamada Sistema Biota do ITAL, que reúne informações sobre as espécies coletadas, amostras, informações morfológicas, moleculares, metabólitos, onde foi coletado, data, referência bibliográfica. O banco de dados por ora é de acesso restrito e local, pois ainda está sendo construído, porém não está descartada a possibilidade de ampliar o acesso aos dados.

Esta foi a primeira vez que a Dra. Taniwaki participou do Programa Biota. Sobre a experiência ela relata “Gostei de participar de um Programa, de interagir com outros grupos de pesquisa que trabalham com temas similares. Depois da Reunião de Avaliação (dez/2014) conheci o Dr. Luis Henrique Souza Guimarães (USP/Ribeirão Preto) e estamos preparando uma proposta de um novo projeto temático sobre fungos, no qual nossas abordagens se complementam, além de propor a experiência de ‘domesticar’ um fungo. Esperamos que seja aprovada.”

Por Paula Drummond de Castro