Scroll Top

Biodiversidade e saúde humana: como a fragmentação da paisagem afeta a distribuição da malária?

Fig2_NIH_JP_2014A modelagem da emergência da malária em paisagens antropizadas na Amazônia brasileira é o foco da pesquisa Jovem Pesquisador.

A fragmentação da paisagem traz inúmeros impactos ao meio. Entre os mais conhecidos estão o favorecimento de espécies oportunistas, a degradação do solo, a interrupção de fluxos gênicos, perda da riqueza local de espécies e de serviços ecossistêmicos, só para citar alguns. A cada dia se conhece mais sobre os impactos dos efeitos diretos e indiretos da fragmentação da paisagem. Um aspecto que vem cada vez mais recebendo atenção da comunidade científica é a interface entre saúde e biodiversidade. Ou seja, entender em que medida, a alteração da biodiversidade pode afetar a saúde humana. Neste contexto, os locais que sofrem diretamente a perda de biodiversidade tornam-se um grande alvo para se estudar a dinâmica entre alteração do ambiente natural e a distribuição de doenças. E ao que tudo indica, o controle de doenças tropicais é mais um dos serviços ecossistêmicos desempenhados pela conservação da biodiversidade.

É seguindo este mote que o projeto Jovem Pesquisador “Dinâmica de transmissão de malária em diferentes limiares de fragmentação da paisagem”, coordenado pelo Dr. Gabriel Zorello Laporta (Faculdade de Medicina/USP), pretende avançar. O projeto, previsto para o quadriênio 2015-2019, visa estudar aspectos pouco explorados sobre a dinâmica de transmissão de malária no Brasil, em particular aqueles relacionados a recentes assentamentos humanos.

A malária é causada pelo parasita Plasmodium que é transmitido por meio das picadas de mosquitos infectados. No corpo humano, os parasitas multiplicam-se no fígado, e em seguida, infectam as células vermelhas do sangue. Os sintomas da malária incluem febre, dor de cabeça e vômitos, e geralmente aparecem entre 10 e 15 dias após a picada do mosquito. Se não for tratada, a malária pode rapidamente agravar-se por dificultar a drenagem de sangue nos órgãos vitais. Em muitas partes do mundo, os parasitas desenvolveram resistência a um número de medicamentos contra a malária. Dados da OMS apontam que em 2013, foram estimados 198 milhões de casos de malária e 584 mil mortes decorrentes da doença. Segundo o World Malaria Report 2014, produzido pela OMS, aproximadamente metade da população do mundo está em risco de malária. A maioria dos casos e mortes decorrentes da malária ocorre na África sub-saariana. No entanto, Ásia, América Latina e, em menor medida, o Oriente Médio e partes da Europa também são afetados. Em 2014, 97 países e territórios tiveram transmissão contínua da malária.

O Brasil possui a maior incidência regional. Existem mais de 2.700 assentamentos agrícolas na Amazônia Brasileira, sendo os quais responsáveis por 63.000 casos de malária no Brasil em 2012. A região amazônica tem sido identificada como uma área especialmente vulnerável às mudanças climáticas e às alterações da paisagem. Estas condições vão facilitar a expansão da distribuição dos vetores da malária como já demonstrado em estudos de cenários sobre os mosquitos Anopheles.

O Anopheles darlingi é o mais agressivo e efetivo vetor Neotropical de parasitos da malária, particularmente na Bacia Amazônica. “O impacto gerado por essa espécie é facilitado por sua característica de explorar novos ambientes oriundos de alterações ecossistêmicas via fatores associados com o desmatamento, isto é, o chamado efeito da malária de fronteira”, explica Laporta. A Hipótese de Malária de Fronteira postula que a incidência de malária tem seu máximo nos momentos iniciais da colonização e declina com a idade do assentamento. Por esta razão, estes assentamentos humanos na Amazônia são verdadeiros laboratórios vivos para estudar a emergência da doença em ambientes antropizados.

A pesquisa integra um projeto mais amplo, em parceria com o National Institutes of Health (NIH), dos EUA, coordenado porDr. Jan E. Conn (Wadsworth Centre, Albany, NY) e Dr. Anice M. Sallum (FSP/USP), cujo propósito é entender diferentes aspectos da relação entre malária, biodiversidade e paisagem envolvendo epidemiologia, genética de populações e experimentos de laboratório que visam entender os efeitos climáticos na espécie (câmaras climáticas) e comparar   espécimes da Mata Atlântica (não vetores) com aqueles da Amazônia (vetores) para entender mecanismos genéticos subjacentes.

Já o projeto liderado por Laporta têm seus objetivos voltados para a modelagem da emergência da doença na paisagem alterada, usando a malária como modelo. “O mais interessante é criar um modelo sintético geral. Organizar o conhecimento em peças que sejam claras e comunicadas a qualquer cientista e não-cientista. A abordagem da ecologia da paisagem possibilita isso”. A ideia do projeto é testar os limiares de fragmentação. Quais são os limiares que se têm os maiores riscos de emergência de malária? Qual a porcentagem de fragmentação que desestabiliza a paisagem? Essa desestabilização da paisagem cria uma zona de transição e pode alcançar um ponto em que não haverá resiliência para se reestabelecer.

Fig5_NIH_JP_2014

Com estes estudos, podemos, por exemplo, apontar mais precisamente em que medida a conservação de uma paisagem natural pode auxiliar no controle da emergência de uma doença tão onerosa para as pessoas e para o sistema de saúde pública como a malária. Trata-se de mais um dos serviços ecossistêmicos desempenhados pela conservação da biodiversidade.

O projeto consiste duas fases. A primeira é empírica. Ir para campo e coletar em 48 paisagens sabidamente com muita malária e em diferentes habitats (mata contínua, área degradada, periferia de cidade, etc.), incluindo-se assentamentos novos e antigos, em duas regiões (leste e oeste) da Amazônia do Brasil. Os resultados serão sobrepostos em uma base cartográfica, sendo esta orientada por sensoriamento remoto da época da coleta, e correlacionados com a capacidade do vetor de veicular plasmódios em relação ao grau de fragmentação da paisagem. A segunda fase do projeto será testar três modelos matemáticos que representam a dinâmica de transmissão de malária. Os modelos serão aplicados em diferentes limiares de fragmentação da paisagem. O primeiro modelo é o Ross-Macdonald, o segundo é o modelo orientado à biodiversidade e o terceiro é o modelo de redes de interações. Os limiares de fragmentação serão testados temporalmente com simulações do modelo matemático parametrizado com os dados de campo no intuito de estudar a emergência da malária por meio da emergência do vetor  Anopheles darlingi na paisagem.