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Impactos da Lei de Proteção da Vegetação Nativa em São Paulo

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A Lei de Proteção da Vegetação Nativa de 2012 (Lei 12.651/2012) alterou, entre outros aspectos, as regras que incidem sobre as Reservas Legais em propriedades agrícolas. O artigo Revelando reduções adicionais de Reserva Legal da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, Brasil, publicado na revista Biota Neotropica, traz um modelo que estima os efeitos da nova legislação nas Reservas Legais do estado de São Paulo.

Muito se discutiu nos anos que antecederam a promulgação dessa Lei. A comunidade científica e entidades ambientais foram contrárias a muitas das alterações, alertando para os possíveis riscos de perda de serviços ecossistêmicos, ou seja, dos benefícios da natureza como a contenção de erosão do solo, proteção de corpos hídricos e manutenção do clima. Entretanto, os produtores rurais alegavam que, em certas situações, as áreas produtivas ficavam muito reduzidas se fossem atender a legislação em sua totalidade.

Dentre todas as alterações que vieram com a nova legislação as que mais preocuparam os cientistas eram relacionadas ao Artigo 68, que desobriga os proprietários da recomposição ou restauração da vegetação nativa nos casos em que a retirada da vegetação tenha ocorrido anteriormente a 22 de julho de 2008 (data do Decreto 6.514 que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais), porém ainda em consonância com as leis vigentes na época da retirada. Esse aspecto altera o déficit de Reserva Legal, isto é, quantos hectares precisam ser recuperados para alcançar o percentual correto de Reserva Legal de cada propriedade e é esta alteração que é estimada no modelo apresentado na Biota Neotropica. Esse artigo foi objeto de muita discussão e controvérsia passando, inclusive, pelo julgamento do Supremo Tribunal Federal que o considerou constitucional apenas em fevereiro de 2018.

A Lei 12.651 também prevê, entre outros aspectos, a exclusão das pequenas propriedades (menores que quatro módulos fiscais) da necessidade de recomposição ou restauração das áreas, a inclusão de Áreas de Proteção Permanente no cômputo das áreas de Reservas Legais e a compensação por meio da aquisição e doação ao estado de áreas com necessidade de regularização fundiária dentro de Unidades de Conservação.

Para os autores da publicação, Paulo André Tavares e Alice Brites (Esalq/USP), a implementação da nova legislação ambiental poderia se tornar inviável no estado de São Paulo se os serviços públicos de fiscalização precisarem conferir os dados declarados com relação às áreas de vegetação nativa no Cadastro Ambiental Rural  dos mais de 340 mil imóveis diretamente nas propriedades. Por isso a relevância da criação de um modelo baseado em informações georreferenciadas que possibilita a criação de cenários de aplicação da legislação atual e a análise das consequências para as áreas de Reservas Legais nesses cenários.

Além disso, segundo os autores, o estado de São Paulo representa uma situação extrema, dada sua longa história de agricultura consolidada e desflorestamento. Nesse contexto, o desenvolvimento desse modelo possibilita o dimensionamento do efeito máximo que pode ocorrer em uma região com a implementação do Artigo 68.

Com dito anteriormente, o Artigo 68 indica a necessidade de saber se no momento da supressão da vegetação nativa a propriedade estava de acordo com a legislação vigente da época. Com isso em mente, os pesquisadores criaram dois cenários para comparação. O primeiro seguindo a legislação do Código Florestal de 1965 que indica a Reserva Legal no estado de São Paulo como correspondente a 20% de vegetação nativa da propriedade fora das Áreas de Preservação Permanente. O segundo cenário, além de considerar a legislação de 1965, acrescenta as orientações da Lei Federal de proteção do Cerrado de 1989.

Primeiramente, os autores determinaram o percentual de mata nativa existente nas propriedades rurais do estado em 2008 e relacionaram com o percentual de Reserva Legal requerido por lei naquele momento – 20%. Se o valor de não foi atingido, passa-se ao segundo passo. Nesse passo verifica-se se houve diminuição da cobertura de mata nativa entre algum marco regulatório anterior (1965 ou 1965+1989, como citados anteriormente) e 2008.  Uma vez cumprido estes requisitos, a propriedade elegível para anteder as novas regras de flexibilização da Reserva Legal. Do contrário, no caso de diminuição da área de Reserva Legal anterior à 2008, o proprietário deve que recompor a vegetação até alcançar o total de 20% da área.

A análise dos pesquisadores mostrou um déficit de 865 mil hectares das áreas de Reserva Legal em 2008, ou seja, ao verificar o percentual de mata nativa existente nas propriedades rurais em 2008 frente à regra de 20% de área como Reserva Legal, seria necessária a recuperação de 865 mil hectares.

Ao aplicar o Artigo 68 em relação ao marco regulatório de 1965, o déficit de áreas preservadas cai em cerca de 50%. Isto é, perto de metade das áreas que deveriam ser recuperadas são anistiadas como benefício pelo Artigo 68.

Com relação ao cenário que inclui a legislação de 1965 e a 1989 o déficit cai ainda mais, para apenas 84 mil hectares e afeta especialmente as áreas de Cerrado. “Essas reduções se somam a outras da Lei 12.651 e trazem grandes preocupações com relação ao papel das Reservas Legais na proteção da vegetação nativas em áreas privadas”, avaliam os autores.

A partir do modelo, Tavares e Brites analisam outros aspectos relativos à implementação da Lei 12.651 como, por exemplo, as estratégias para a regularização ambiental em São Paulo. A fiscalização direta e estratégias de “comando e controle”, por exemplo, são praticamente impossíveis de aplicação em todas as propriedades rurais. “O que avaliamos com o modelo é que, embora um maior número de pequenas propriedades apresente irregularidades ambientais, 92% do déficit de vegetação nativa se concentram em propriedades maiores que representam apenas 13% de todos os imóveis do estado” explicam Tavares e Brites, “ao consideramos somente passivos em Reserva Legal e a aplicação do artigo 68, este número diminui para 10.417 imóveis. Ao nos depararmos com esses dados, consideramos que a quantidade de imóveis é relativamente pequena para a agropecuária paulista, tornando mais efetivo a estratégia de comando e controle para essa situação” completam os autores.

Para os autores, os pequenos imóveis isentos de recompor a área de Reserva Legal são “valiosos por outros aspectos, como a restauração das Áreas de Proteção Permanente. Tais imóveis dependerão muito mais programas de incentivos que resultem da articulação dos diversos setores sociais, como a Sociedade Civil e governo para que haja um acordo sólido para restauração dessas áreas”. Sendo assim, outros incentivos podem ser considerados mais estratégicos para essas propriedades como o Pagamento por Serviços Ambientais, incentivos fiscais e créditos, compensações ambientais e os fundos financeiros de meio ambiente.