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Várias histórias em uma: a evolução da Amazônia em uma perspectiva integrada

Estudo pretende investigar a estruturação e evolução da Amazônia integrando diferentes áreas do conhecimento

 

Por que a Amazônia se tornou o que é hoje? O que ocorreu ao longo de sua história geológica e biológica que possibilitou encontrarmos em um só bioma a enorme riqueza biótica que presenciamos hoje? Como diferentes processos biológicos e geológicos participaram deste roteiro? Essas são algumas das questões que o projeto “Estruturação e evolução da biota amazônica e seu ambiente: uma abordagem integrativa”, liderado pelos Profs. Lúcia Lohmann (USP) e Joel Cracraft (American Museum of Natural History), pretende responder. Estas questões aparentemente simples são profundamente complexas e intimamente interconectadas. Para compreender a evolução da Amazônia é preciso reunir diferentes olhares para recontar e complementar esta história.

Lundia_densiflora - Bignoniaceae
(c) Lucia Lohmann

O projeto é um convênio entre os Programas Biota/Fapesp e Dimensions of Biodiversity/NSF, no qual cada instituição financiará US$ 2 milhões ao longo de cinco anos. Lohmann relata que este projeto começou a ser desenhado em 2009, quando ela e o pesquisador americano Joel Cracraft se encontraram na África do Sul para a reunião anual do Conselho Científico do bioGENESIS/DIVERSITAS – programa internacional que visa facilitar e desenvolver pesquisas integradas na área de biodiversidade para estabelecer novas políticas públicas e estratégias de conservação – e iniciaram a elaboração desta proposta ousada, visando compreender padrões de biodiversidade que ocorrem na Amazônia. A proposta foi finalizada em 2010 e submetida ao edital do Dimensions of Biodiversity da NSF. “Não fomos selecionados naquele ano, nem no ano seguinte. São editais muito concorridos, com centenas de bons projetos dos quais apenas meia-dúzia são escolhidos. No entanto, recebemos ótimas revisões que permitiram o aprimoramento do projeto para a submissão em 2012 ao edital em parceria entre Biota e Dimensions of Biodiversity, no qual fomos selecionados”. O projeto foi aprovado em setembro de 2012, com duração até Agosto de 2017 para investigar detalhadamente o que ocorreu nos últimos 20 milhões de anos na Amazônia.

A elaboração desta nova síntese evolutiva sobre a biodiversidade amazônica parte do estudo de quatro grupos de organismos como base (borboletas, plantas, aves, e primatas). Como explica Lohmann “escolhemos grupos modelo, cuja taxonomia já estava relativamente bem estudada para que pudéssemos, em um curto período de tempo, estudar a fundo os padrões de distribuição das espécies e entender a história evolutiva destas linhagens”. Para isto, a equipe está usando dados de Sequenciamento de Próxima Geração (do inglês, NextGen Sequencing) para reconstruir árvores evolutivas que fornecem informações sobre o parentesco entre as espécies. Além disso, membros do projeto também estão compilando um grande banco de dados com localidades georreferenciadas para os quatro grupos focais na Amazônia que será será disponibilizada via o Sinbiota. Estes dados serão utilizados em análises espaciais e na modelagem da distribuição das espécies visando um melhor entendimento dos padrões de distribuição atuais e passados dos grupos de interesse. “A integração destes dados nos fornecerá informações essenciais para um melhor entendimento dos processos envolvidos na origem e manutenção das várias linhagens em diferentes escalas espaciais. Esperamos que estes dados nos ajudem a resolver várias incertezas sobre os padrões e processos de diversificação na Amazônia”, complementa Lohmann.

O projeto também prevê o estudo da história geológica e climática da região, de forma a aprimorar nosso conhecimento do ambiente Amazônico e inferir padrões de estabilidade ambiental ou mudanças desde o Neógeno Tardio (23 milhões de anos atrás). Estes dados serão combinados com as árvores evolutivas e dados de distribuição espacial para que possamos obter uma melhor compreensão dos padrões histórico-demográficos e filogeográficos na região. “Aspectos geológicos e novos dados estratigráficos irão contribuir de forma muito significativa para solucionar incertezas sobre a história paleogeográfica dos sistemas de drenagem da Amazônia, particularmente no Oeste desde o Neógeno Tardio, quando os efeitos do clima se tornaram mais fortes” explica Lohmann. Dados paleobiogeográficos, genético-demográficos e geológicos serão integrados através de metodologias da macroecologia, sensoriamento remoto, e modelagem climático-atmosférica. “Esperamos ao final do projeto reconstruir os ambientes passados da Amazônia em diferentes escalas espaciais e entender o papel destes ambientes para a diversificação biológica. Um melhor entendimento dos processos ecológico-evolutivos que atuaram na estruturação e evolução da Biota Amazônica no passado, contribuirão de forma significativa para a construção de cenários futuros que serão relevantes para o estabelecimento de melhores estratégias de conservação, políticas públicas e programas de gestão sustentável na região.” completa Lohmann.

Pyrotegia_venusta - Bignoniaceae
(c) Lucia Lohmann

Integração

Para a realização deste estudo foram mobilizados quase 40 pesquisadores de cinco países (Brasil, Argentina, Canadá, EUA e Reino Unido) e 19 instituições: USP (IB, IGc, Cena, ESALQ), UNICAMP, UFG, UFPA, INPA, Museu Paraense Emílio Goeldi, Instituto Superior de Entomologia de San Miguel de Tucumán, Canadian Institute for Advanced Research, University of Edinburgh, University of Salford, American Museum of Natural History, City University of New York, Field Museum, Natural History Museum of Los Angeles, Tennessee State University, The New York Botanical Garden, University of Colorado, University of Michigan, e University of Oregon.

Para coordenar um estudo desta dimensão, o projeto foi organizado em sete equipes centrais: plantas, primatas, aves, borboletas, ciclos biogeoquímicos, geologia e análises espaciais. Nestes primeiros anos do projeto o grupo está trabalhando no levantamento de dados dentro de cada uma destas áreas, visando a obtenção de dados inovadores e a construção de bases de dados sólidas que serão integradas em análises multi-disciplinares a partir do terceiro ano do projeto.

A manutenção da integração de um projeto com tantos pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e instituições demanda um cuidado específico. Uma estratégia de integração entre os pesquisadores do projeto foi a delimitação prévia das publicações multi-disciplinares, de forma a orientar a coleta de dados e o intercâmbio de informações entre os membros da equipe. Além disso, o projeto prepara anualmente um evento científico aberto ao público, seguido por uma semana de reunião de equipe com agenda própria. A primeira ocorreu entre 4 e 8 de Março de 2013, na Fapesp; o simpósio aberto, realizado no dia 04 contou com cerca de 450 participantes, incluindo professores, pesquisadores, pós-doutores, alunos de graduação e pós-graduação. A próxima reunião ocorrerá em Manaus, entre 11 e 16 de Maio deste ano, com um Workshop em métodos de biogeografia no dia 11, Simpósio aberto à comunidade científica no dia 12 e reuniões internas, entre os integrantes da equipe entre 13 e 16.

Outra interação positiva do projeto é com o grupo de pesquisadores que está se dedicando a investigar o Bioma Mata Atlântica, projeto também aprovado pelo convênio entre os Programas Biota/Fapesp e Dimensions of Biodiversity/NSF intitulado “Integrando disciplinas para a predição da biodiversidade da Floresta Atlântica no Brasil”, coordenado por Cristina Yumi Miyaki (USP) e Ana Carolina O. Queiroz Carnaval (City University of New York). Apesar de focarem em Biomas diferentes, ambos possuem objetivos similares e também compartilham alguns membros das equipes.

Por fim, Lohmann encerrra: “São poucas as chamadas que permitem propostas de projetos tão ousados, abrangendo tantas abordagens disciplinares. A combinação de pesquisadores com formação tão diversa enriquece demais o trabalho pois adiciona peças chave ao quebra-cabeça e nos permite pensar de uma maneira diferente da usual. Acho que este é o melhor caminho para a inovação”.

 

Por Paula Drummond de Castro