Reunião discute o acesso a recursos genéticos e repartição justa dos benefícios resultantes da sua utilização
Aconteceu na semana de 24 a 28 de fevereiro em Pyeongchang , República da Coreia do Sul, a Terceira Reunião do Comitê Intergovernamental Interseccional do Protocolo de Nagoia (ICNP 3) sobre acesso a recursos genéticos e a repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da sua utilização, cujo jargão em inglês é ABS, Access and Benefit Sharing. A expectativa para este encontro foi de avançar nas questões que serão discutidas no primeiro Encontro das Partes (MOP) que ocorrerá na próxima Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), em outubro na mesma cidade. Representantes dos 92 países signatários da Conferência das Partes da CDB debateram as necessidades e as modalidades de mecanismos de repartição de benefícios multilaterais; modalidades de funcionamento do Clearing-House ABS (mecanismo para promover e facilitar a cooperação técnica e científica, além da troca de informações); desenvolvimento e criação de competências; procedimentos e mecanismos para o cumprimento das normas legais do Protocolo. O ICNP 3 também abordou a questão da elaboração relatórios de monitoramento da implantação do Protocolo de Nagoia nos países signatários com a finalidade inicial de promover o intercâmbio de experiências e boas práticas entre os países. Além disso, a Reunião tratou da programação do orçamento para o biênio após a entrada em vigor do Protocolo; definição de regras de procedimento para a COP/MOP; elaboração de uma agenda provisória para COP/MOP 1.
Para o Protocolo ser considerado efetivo, é preciso 50 ratificações depositadas na Organização das Nações Unidas (ONU) até junho deste ano. Depois disso, o Protocolo passará a ter força de lei internacional e entrará em vigor 90 dias após a data do quinquagésimo depósito. “Significa que os países signatários terão de cumpri-lo depois que ele passar a vigorar”, explica a diretora do Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Eliana Gouveia Fontes, pelo InforMMA.
O Brasil já declarou sua intenção de ratificar o documento, mas ainda depende da aprovação do texto pelo Congresso Nacional. Caso o governo brasileiro não o ratifique até junho, passará a ser apenas um espectador das decisões dos países signatários, a partir do momento que ele passar a vigorar, alerta Eliana Fontes.
Uma breve história do Protocolo de Nagoia
O Protocolo de Nagoia sobre acesso sobre Acesso a Recursos Genéticos e a Repartição Justa e Equitativa dos benefício é um acordo complementar à CDB. Foi adotado na conferência das partes (COP 10), em 29 de outubro de 2010, em Nagoia, Japão. O objetivo do protocolo é a divisão justa e equitativa dos benefícios advindos da utilização de recursos genéticos, considerando, inclusive, a transferência das tecnologias a eles pertinentes. O documento leva em conta todos os direitos sobre esses recursos e tecnologias, de forma a contribuir para a conservação da diversidade biológica e o uso sustentável de seus componentes. Com 29 ratificações até o presente momento, o Protocolo de Nagoia entra em vigor 90 dias após a 50ª. Ratificação.
Muitas questões e pouco tempo
O Protocolo se aplicaria aos recursos genéticos de coleções ex-situ? E nas áreas marinhas? Como trataríamos a Antártida? O protocolo será aplicado ao conhecimento tradicional que já está em domínio público? E casos de conhecimentos tradicionais e recursos genéticos transfronteriços? Que tipos de benefícios e para quem? Estas são questões ainda sem respostas na discussão do Protocolo.
Um exemplo prático são as decisões acerca do ABS Clearing House. O ABS-CH é uma plataforma para troca de informações sobre ABS e uma ferramenta-chave para facilitar a implementação do Protocolo de Nagoia, aumentando a transparência nos procedimentos de acesso e na utilização dos recursos genéticos, e desta forma aumentar as oportunidades para a partilha de benefícios. Este mecanismo deverá ser o nó central de informações internacionais para o Protocolo que permitirá que o s tomadores de decisão conheçam a legislação das outras Partes sobre ABS, consultem decisões finais sobre transações de ABS e compartilhem informações úteis para criação de competência local. Entretanto, ainda não há consenso de quais as informações serão obrigatórias e quais serão voluntárias. Esta incerteza é crítica, pois é o compartilhamento de informações é um dos pilares fundamentais para o comprometimento dos países com o Protocolo, além de fornecer as evidências da legalidade das transações ABS entre os diferentes países. Alguns países questionam se a inserção de dados no Clearing House não iria inserir novas camadas de burocracia em transações simples.
Outro aspecto não resolvido por ora, refere-se à participação dos povos tradicionais e indígenas nas instâncias de decisões. Os delegados não convergiram se futuramente o comitê que acompanhará a implantação do Protocolo deve levar em conta as leis locais, ou se deveria funcionar simplesmente com um “ombudsman” para auxiliar os países em desenvolvimento e povos tradicionais e indígenas em identificar casos de não-conformidade e fazer submissões aos comitê.
Muitos países observaram que pode não ser estratégico ratificar o Protocolo antes de criar suas próprias medidas nacionais para ABS para então poder se beneficiar das transações internacionais do Protocolo. A criação das medidas nacionais adequadas é uma tarefa que exige tempo, e deve envolver diferentes setores do governo, da indústria e povos indígenas e tradicionais.
Meio a tantas incertezas, a União Europeia avança nesta discussão e aprovou seu regulamento acerca de ABS, que têm previsão de entrar em vigor em maio de 2014. É possível que esta ratificação de peso gere um efeito cascata nas ratificações e até junho se atinja a quinquagésima normativa. Porém, neste momento, ainda é uma incógnita afirmar se o Protocolo entrará em vigor a tempo para COP/MOP 1, a ser realizada em outubro de 2014.
Por Paula Drummond de Castro