
As raias estão entre os grupos de vertebrados mais ameaçados de extinção no planeta (36% das espécies), sendo alvos prioritários para ações de pesquisa e conservação. Um projeto de pesquisa vinculado ao Programa Biota/Fapesp busca mapear as ocorrências de raias a partir das observações realizadas por mergulhadores recreativos em três regiões do litoral de São Paulo: o Parque Estadual Marinho da Laje de Santos, o Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago de Alcatrazes e a Ilha da Queimada Grande, que pertence a APA Marinha do Litoral Centro. Um guia ilustrado das espécies de raias da região serve como base para a identificação correta de cada uma delas.


O guia é composto por fotografias de 17 espécies, além do nome científico e do nome comum de cada uma delas. Alguns desenhos com detalhes da cauda de espécies parecidas entre si auxiliam na diferenciação entre elas. “O guia tem uma função fundamental durante as entrevistas, especialmente para estimar a abundância e a diversidade de espécies: os mergulhadores sabem nomes comuns das espécies e nós precisávamos padronizar isso” explica Fábio Motta, pesquisador do Instituto do Mar da UNIFESP e coordenador do projeto.
Para garantir essa padronização, os pesquisadores fizeram um projeto piloto com instrutores de mergulho e com a tripulação dos barcos para compreender os nomes comuns usados para identificar as diferentes espécies de raia. “Essas informações nós utilizamos para compor as bases para a construção de um projeto de ciência cidadã. Foi muito importante porque, a partir daí, pudemos combinar com esses mergulhadores quais eram as características importantes para identificar cada raia e quais seriam os nomes comuns que iríamos utilizar para cada uma delas”, conta Motta.
O projeto já acompanhou mais de 504 operações de mergulho desde seu início, sendo a maior parte na Laje de Santos que, entre as três localidades escolhidas, é o destino de mergulho mais movimentado. Foram registradas 2.900 avistamentos de raias e 11 espécies diferentes. Para Motta, essas informações são essenciais para aumentar o conhecimento ecológico sobre esses animais: “antes deste projeto nós trabalhávamos quase que exclusivamente com dados de pesca e hoje, por meio da ciência cidadã, temos a possibilidade de obter dados muito valiosos para conhecer quais são as espécies que existem nessas áreas e em que épocas do ano elas estão mais presentes, por exemplo”.
Câmeras submersas e Pagamento por Serviços Ambientais
“Esse projeto nasce como um projeto de ciência cidadã em 2023, em parceria com o Instituto Linha D’Água, voltado para investigar a ocorrência de raias a partir de entrevistas com mergulhadores. Com o financiamento dentro do Programa Biota/Fapesp a partir de 2024, o projeto não apenas deu continuidade às entrevistas, mas ganhou outras dimensões”, explica Motta.


A primeira dimensão adicionada é a comparação dos dados adquiridos por meio das entrevistas com aqueles coletados por meio de filmagens subaquáticas realizadas nas mesmas regiões estudadas. Os equipamentos de filmagens chamados de BRUVs (do inglês Baited Remote Underwater Video) possuem câmeras calibradas num sistema tridimensional que permite não apenas contar as espécies de raias que se aproximam, mas também medi-las. Esse trabalho teve início em 2024 e deve incluir ainda mais uma localidade, a Ilha Montão do Trigo, no litoral norte de São Paulo.
A segunda dimensão diz respeito ao planejamento de um sistema de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) destinado a pescadores artesanais que auxiliam na conservação das espécies de raias. “A nossa proposta é construir, de forma participativa, um PSA voltado ao incentivo às boas práticas de pesca, em especial, na soltura de espécies de raias ameaçadas de extinção que eventualmente tenham sido capturadas durante a atividade pesqueira”, detalha Motta. O primeiro passo para isso é compreender a disposição de mergulhadores recreativos para colaborar financeiramente com essa proposta. Ao longo dos próximos anos os pesquisadores pretendem entender se esse público está de fato disposto a colaborar e com quais valores, além de avaliar o que motiva as pessoas a participar de um processo como esse e identificar os mecanismos e caminhos para planejar, e construir junto com os pescadores, a implementação desse sistema de PSA.
O projeto faz parte da Chamada BIOTA Transformação.