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Campinas perderá importante patrimônio público: o caso do Herbário e Jardim Botânico IAC

Jacaranda cuspidifolia
Por José Ataliba, Eliana Ramos & Maíra Padgurschi 
 

O anúncio de que o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) perderá sua coleção de plantas provoca grande reação entre servidores e cientistas do Instituto e de outros centros de pesquisa. O herbário (onde as plantas ficam catalogadas) conta com mais de 56 mil amostras de 11 mil espécies e é referência na área de estudos agrícolas no Brasil.

O IAC, fundado ainda no Império de Dom Pedro II (1887), foi uma das primeiras Instituições de Pesquisa do Brasil que, ao longo de seus 128 anos, desenvolveu estudos nas áreas agronômica e ambiental, com mais de um século de investimento e recursos públicos que voltaram em benefícios a toda a população. Na área ambiental, ainda na década de 40, uma época que pouco se conhecia sobre princípios de ecologia e conservação ex situ de espécies vegetais, foi iniciado um trabalho pioneiro de conservação de espécies raras e ameaçadas de extinção de nossa flora. Por intermédio de coleta de sementes em áreas de mata nativa e intercâmbio de sementes com diversas instituições internacionais, o IAC produziu mudas dessas espécies e promoveu sua introdução em coleções de Jardins Botânicos, arborização urbana e plantas ornamentais. Na contramão desta vanguarda, a instituição vem enfrentando nos últimos tempos um processo de desmonte pelo governo do Estado, como a defasagem no quadro de pesquisadores e encerramento de linhas de pesquisa conforme afirma a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo.

A história do Herbário IAC se inicia em 1935, com a formação de coleções de plantas de interesse agronômico por parte de pesquisadores do instituto. No decorrer destes 80 anos, foi possível atribuir à coleção (por intermédio de coletas, permutas e doações) espécies vegetais do mundo todo de interesse não apenas agronômico, mas também ornamental e de conservação. Este trabalho foi feito por pesquisadores de renome, como o agrônomo Hermes Moreira de Souza (1918-2011) referência brasileira na conservação ex situ e na arborização de Campinas e região. Vale ressaltar que todo este trabalho envolveu pesquisadores e corpo técnico, bem como um número considerável de estudantes de nível técnico, graduação e pós-graduação, advindos de diversas instituições de ensino. Grande parte deles exerce atualmente profissões relacionadas à Botânica e ao Meio Ambiente, nas quais a formação e orientação adquiridos no herbário foram fundamentais. O herbário apresenta, ainda, números expressivos quanto às consultas on line: desde 2012 foram mais de 11 milhões de dados compartilhados do Herbário IAC por meio apenas de 2 redes nacionais, Species link e Herbário Virtual da Flora e dos Fungos.

O estabelecimento do Núcleo do Jardim Botânico no IAC (JBIAC), na Fazenda Santa Elisa (Campinas/SP) em 2002, veio resgatar a origem dos Jardins Botânicos e, ao mesmo tempo, une agricultura, preservação do material genético, pesquisa e educação em um mesmo local. A propriedade da Fazenda Santa Elisa é um Patrimônio Público, com recursos naturais e genéticos, biodiversidade, bancos de germoplasma, além de possuir um vasto potencial econômico e social. O JBIAC destaca-se também pela preservação in situ de trechos de Mata Atlântica e Cerrado, ambos considerados hotspots de biodiversidade e conservação (Myers et al. 2000).

Apesar da evidente importância, a atual Diretoria Geral encerrou as atividades de visitação e educação ambiental com a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e com as escolas de ensino médio e fundamental; pediu o descredenciamento do JBIAC da Rede Brasileira de Jardins Botânicos e pretende fechar suas portas, pois alega que este não se adequa às novas linhas de pesquisa da Instituição. Além da perda irreparável do Jardim, o IAC deve perder também nos próximos dias seu herbário, já que o material irá para o Instituto de Botânica, na capital paulista. Essa perda pode ser ainda maior se considerar o espaço disponível no Instituto de Botânica que, por ser reduzido, certamente precisará descartar boa parte do acervo.

Para a pesquisa científica em biodiversidade, os herbários são verdadeiras minas de ouro, pois são fonte insubstituível sobre as plantas de determinada região. As exsicatas são de fundamental importância não só para estudos taxonômicos como também para trabalhos nas áreas de ecologia, anatomia, morfologia, etnobotânica, paleobiologia, mudanças climáticas e biologia da conservação. Perder um herbário é como perder uma gigantesca biblioteca de informações essenciais para entendermos os processos que geram e mantêm a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, hoje globalmente reconhecidos como de capital importância para o bem-estar humano.

Se de fato essas mudanças se concretizarem, não só a cidade de Campinas terá uma perda irreparável, como toda a região e seus grupos de pesquisadores que utilizam o acervo para consultas, novas identificações e revisões da flora da região e do país. Representará o desperdício de capital investido, pois nos últimos 20 anos, sua equipe técnica pleiteou e obteve recursos para modernização e adequação de suas instalações técnicas, tais como através do programa INFRAESTRUTURA FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e através da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos). Representará também o fim de linhas de pesquisa que, especialmente nos últimos anos, contribuíram significativamente para estudos que geraram subsídios para o aperfeiçoamento das políticas públicas do Estado de São Paulo na área de conservação da biodiversidade.

 

Para saber mais:

Estado ignora apelo de pesquisadores por acervo do IAC

Pesquisadores condenam mudança de acervo do IAC

Jonas questiona a transferência do acervo do IAC

Myers, et al (2000) Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature 403:853-858.