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Minúsculos por natureza

Maiores que microrganismos, mas invisíveis ao olho nu. Conheça a meiofauna, por meio dos Gastrotricha.

 

A diversidade de vida no planeta se expressa em suas mais distintas formas e tamanhos. É de tamanho que vamos falar. De uma forma grosseira dividimos os seres vivos entres aqueles que conseguimos enxergar a olho nu e os que não. Interessa-nos este segundo grupo, dos seres “invisíveis”. Neste conjunto, os mais populares são os microrganismos, os vírus, bactérias, fungos, protozoários. Os microrganismos são relativamente bem conhecidos, especialmente em decorrência da sua importância ecológica, além das aplicações no setor industrial, agrícola e na área da saúde dentre outras. Entretanto, no intervalo entre estes seres microscópicos e os seres que enxergamos, existe o surpreendente e abundante mundo da meiofauna (ou meiobento), representado por dezena de milhares de seres predominantes aquáticos que habitam sedimentos de água marinha ou doce. Eles abrangem o conjunto de organismos que ficam retidos quando peneirados em malhas de 0,5 mm e 0,045 mm. Os gigantes do grupo atingem a espessura de uma folha de papel.

Foto de microscopia confocal de Acanthodasys sp., vista dorsal (detalhe da estrutra muscular interna). Foto: André Garraffoni.
Foto de microscopia confocal de Acanthodasys sp., vista dorsal (detalhe da estrutra muscular interna). Foto: André Garraffoni.

Esses organismos desempenham um importante papel no ciclo de nutrientes e no fluxo de energia dos níveis tróficos inferiores para os superiores, especialmente nos ecossistemas marinhos, estuarinos, dos lagos e do solo de ecossistemas terrestres.

Dos 34 filos de animais reconhecidos atualmente, pelo menos 15 filos possuem representantes meiofaunais e outros seis são exclusivamente desta categoria. “Apesar do grande número de espécimes em distintos ambientes, este grupo não é muito conhecido, possivelmente pelo seu diminuto tamanho e fragilidade de seus corpos, o que torna seu estudo difícil”, afirma Dr. André Garraffoni.

Foto de microscopia eletrônica de varredura da região anterior de Acanthodasys sp. vista ventral (detalhe da ciliação ventral). Foto: André Garrafoni.
Foto de microscopia eletrônica de varredura da região anterior de Acanthodasys sp. vista ventral (detalhe da ciliação ventral). Foto: André Garrafoni.

Para adentrar neste universo da meiofauna, o Prof. Dr. André Rinaldo Senna Garraffoni, do Laboratório de Evolução de Organismos Meiofaunais do Departamento de Zoologia do Instituto de Biologia da Unicamp, escolheu o filo Gastrotricha. A pesquisa intitulada “Reconstrução filogenética de Gastrotricha baseada em dados moleculares e morfológicos” está sendo financiada na modalidade Jovem Pesquisador da Fapesp e teve seu início em 2015 e final previsto para 2019.

Gastrotricha, significa pelo no estômago. Estes seres possuem uma ciliação na região ventral de seus corpos. São extremamente fáceis de se encontrar em regiões de água doce, estuarina e marinha. Por muito tempo foram colocados no grupo artificial dos nematelmintos, entretanto, os Gastrotricha são acelomados e não pseudocelomados como os nematoides.

“A taxonomia desse táxon foi iniciada no final do século XIX, atualmente as relações filogenéticas de Gastrotricha e dos seus subgrupos ainda estão longe de serem consideradas satisfatórias” explica Garraffoni. O filo possui duas grandes ordens: Chaetonotida, com formato de pino de boliche, lúmen da faringe muscular formando um “Y” evidente e bomba sugadora. Alimenta-se de matéria orgânica. A grande maioria é partenogenética. A outra ordem Macrodasyida é predominantemente marinha, com um aspecto vermiforme, lúmen da faringe formando um “Y” invertido, cerca de 350 espécies. Em São Carlos (SP) foi encontrado e descrito o primeiro espécime de água doce desta ordem.

A ideia central do Laboratório de Evolução de Organismo Meiofaunais é alavancar um de grupo de estudos de referência em meiofauna na América Latina. O primeiro passo será contribuir como novos conhecimentos acerca da sistemática, evolução e ecologia de gastrótricos, além da formação de sistematas de grupos pouco conhecidos. A pesquisa lançará mão de técnicas modernas de microscopia eletrônica de varredura (MEV), microscopia eletrônica de transmissão (MET) e microscopia laser confocal para análisar as estruturas morfológicas externas das várias espécies deste grupo e rever as espécies já conhecidas e descrever novas espécies. Para compreender sua história evolutiva dos gastróticos será feita a combinação de dados morfológicos e moleculares (DNA nuclear e mitocondrial). Os pesquisadores já iniciaram o trabalho com DNA e estão encontrando resultados impressionantes.

Outro resultado que se espera é a consolidação da coleção de meiofauna do Museu de Zoologia do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (ZUEC/Unicamp) de modo que, futuramente, estes dados possibilitem a formação de bancos de dados que possa vir a ser utilizado para análises macroecológicas e zoológicas, como modelagem e mapas temporais e espaciais.

Foto de microscopia óptica da região anterior de Aspidiophorus sp., vista dorsal. Foto: André Garraffoni.
Foto de microscopia óptica da região anterior de Aspidiophorus sp., vista dorsal. Foto: André Garraffoni.

A facilidade de coleta é sem dúvida um aspecto positivo do estudo deste grupo. Basta um potinho e coletar o sedimento propriamente dito, uns 5 a 10cm de profundidade. “Esta facilidade de coleta possibilita expandir a rede de coleta por meio de colaboração com outros pesquisadores de outras áreas. Com estas parcerias, conseguimos coletar em Rondônia, em Mato Grosso, e até Fernando de Noronha graças à colaboração com outros projetos”.

Já dificuldade em estudar os Gastrotricha reside no próprio tamanho destes seres. “Após separar o indivíduo do sedimento ou para iniciar a extração do DNA, às vezes é difícil ter certeza que o Gastrotricha coletado está no tubete eppendorf para dar sequência aos procedimentos laboratoriais. A reduzida concentração de material genético também é outra questão que temos que contornar”. A reprodução in vitro destes animais ainda não foi bem sucedida o que torna o estudo genético deste grupo desafiadora.

São colaboradores do projeto Dra. Maria Balsamo (Universidade de Urbino, Itália); Anete Pedro Lourenco (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil), Rick Hochberg  (Universidade de Massachusetts, Estados Unidos), Thiago Quintão Araújo  (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil) e Maikon Di Domenico (Universidade Federal do Paraná, Brasil). Até o momento o projeto conta com 4 bolsas de iniciação científica, uma de treinamento técnico e 3 mestrados.

Foto de microscopia óptica de Lepidodermella sp., vista dorsal (detalhe das escamas). Foto: André Garrafoni.
Foto de microscopia óptica de Lepidodermella sp., vista dorsal (detalhe das escamas). Foto: André Garrafoni.

A procura dos alunos de graduação pela pesquisa foi uma surpresa positiva para a equipe do projeto. “Não imaginávamos que um tema normalmente negligenciado fosse interessar tanto os alunos de graduação. Quando eu mostro na lupa que, em uma pequena porção de sedimento em uma placa de vidro, é possível observar pelo menos uns 7 filos diferentes, como formas corporais bem distintas, os alunos ficam impressionados com a biodiversidade oculta entre os grãos de areia. Acredito que é surpresa está cativando os alunos a olharem com mais carinho para os animais microscópicos.” declara Garraffoni.

A equipe do Laboratório de Evolução de Organismo Meiofaunais pretende em um futuro próximo organizar um workshop internacional para reunir os especialistas em Gastrotricha do Brasil e do mundo para atualizar e trocar informações destes pequenos e pouco conhecidos gastrócitos e fortalecer parcerias científicas.

 

Por Paula Drummond de Castro