Apesar dos evidentes avanços alcançados ao longo dos anos, vários de nossos colegas brasileiros têm enfrentado entraves burocráticos que prejudicam cada vez mais as atividades de colaboração científica internacional.
Uma delas é a flagrante falta de reciprocidade na realização de expedições científicas na área de biodiversidade. Quando um cientista brasileiro, ou seus alunos, participam de expedições científicas no exterior, a simples existência de um pesquisador residente autorizado para tais expedições permite que as atividades de campo do visitante brasileiro sejam feitas sem complicações. Ou seja, para a realização de projetos de pesquisa em colaboração com estrangeiros no exterior, o brasileiro pode ir para campo, realizar suas pesquisas no país estrangeiro e utilizar o material de modo ágil e desburocratizado. Não há qualquer impedimento para sua presença se ele contar com um visto de entrada adequado, geralmente concedido após uma simples carta do pesquisador que o convida. Apesar da reciprocidade ser um dos princípios centrais nas políticas de relações internacionais do Brasil, não oferecemos as mesmas condições aos pesquisadores estrangeiros que participam de projetos de pesquisa em colaboração com pesquisadores brasileiros.
No Brasil, além das autorizações que o pesquisador responsável é obrigado a obter (e.g., licença de coleta, autorização para ingressar em unidades de conservação), o pesquisador visitante necessita preencher uma série de formulários que, acompanhados de um projeto formal de pesquisa, deve ser enviado pelo responsável brasileiro ao CNPq. Somente após a análise de um ou mais pareceristas decidir-se-á sobre o mérito do projeto. No caso de aprovação, a decisão segue para aprovação ministerial e publicação no Diário Oficial da União. É só a partir desta altura que o pesquisador visitante recebe uma carta formal para solicitar e obter seu visto, um processo que pode levar seis meses, geralmente mais. Como se não bastassem estas dificuldades, o responsável brasileiro tem a obrigação de enviar um relatório final de atividades dos estrangeiros ou, no caso de renovação, um relatório anual de atividades, caso o projeto tenha duração prolongada. Caso algum novo docente ou novo aluno estrangeiro venha a participar do projeto, a papelada tem que ser refeita e é então reiniciado todo este moroso processo. Conforme ocorreu recentemente com alguns docentes do Departamento de Zoologia da Universidade de São Paulo, não é permitida a presença de pesquisador estrangeiro no campo com a equipe brasileira, ainda que o projeto tenha sido recentemente encerrado, mesmo que somente para discussões teóricas sobre o projeto, sob pena de infringirmos a legislação e estarmos sujeitos à prisão, como já tem ocorrido e sido diversas vezes relatado pela imprensa.
Considerando o arcabouço burocrático a cumprir, não é difícil compreender que a maioria dos pesquisadores brasileiros e estrangeiros opte por desistir da realização de projetos colaborativos que permitiriam troca de experiências entre eles e seus respectivos alunos, tão benéficas à formação de recursos humanos no país.
Nesta fase de crescimento da ciência brasileira, na qual aumentar a internacionalização de nossos cursos de pós-graduação e a colaboração internacional têm se tornado diretrizes mestras de ação das instituições de pesquisa e ensino e das agencias de fomento, impedimentos tais como os acima mencionados militam severamente contra os avanços que tanto almejamos. Inúmeros projetos colaborativos são deixados de lado por ambas as partes para fugir à longa e excessiva tramitação burocrática envolvida.
Acreditando que o processo que rege atualmente colaborações internacionais deste tipo é anacrônico e têm impedido avanços importantes na pesquisa sobre a biodiversidade brasileira, sugerimos fortemente sua revisão conjunta pela direção do CNPq e pelos órgãos do MMA (ICMBIO e IBAMA), de modo a respeitar a reciprocidade. Acreditamos que a responsabilidade de um pesquisador brasileiro ligado a Instituição de Ensino e Pesquisa do país, por si só seria suficiente para conferir a agilidade que o crescimento da ciência nacional tanto precisa.
Outro entrave particularmente nocivo ao progresso nas áreas relacionadas ao estudo da biodiversidade é a dificuldade que pesquisadores nacionais enfrentam para receber material biológico do exterior, ainda que se trate de material fixado e preservado no álcool (ou seja, sem riscos para a saúde pública ou para a biodiversidade nacional). Pesquisadores brasileiros estão constantemente tentando receber e enviar material coletado no Brasil e/ou no exterior imprescindível para projetos de pesquisa colaborativos, muitas vezes sem sucesso devido ao sistema autoritário e burocrático que aqui se implantou décadas atrás e que continua nos prejudicando.
Miguel Trefaut Rodrigues (Pesquisador responsável do projeto Biota “Filogeografia comparada, filogenia, modelagem paleoclimática e taxonomia e répteis e anfíbios neotropicais”, Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo – SP)
Marcelo Rodrigues de Carvalho (Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo – SP)
Taran Grant (Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo – SP)
Silvio Nihei (Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo – SP)