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A Invasão da Floresta

Espécies herbáceas do Cerrado podem estar em séria ameaça de extinção devido à expansão da floresta na ausência de fogo.

 

Proteger as florestas do fogo parece uma obviedade quando se trata de conservação da biodiversidade. Entretanto, essa resposta não é a mesma quando se trata de ambientes mais abertos, como os campos e as savanas de cerrado. Já é sabido que o fogo é um agente natural que desempenha funções estruturais importantes nesta formação, tais como promover a germinação de sementes, provocar o rebrotamento de algumas espécies e o florescimento de outras. Portanto, se o fogo é um agente natural nestes ambientes, quais seriam as consequências na estrutura do Cerrado na ausência deste regulador por períodos prolongados?

O Cerrado é composto por savanas, campos e florestas que ocorrem em uma ampla que ocorre em uma ampla distribuição geográfica ao longo do território brasileiro. Seus tipos fisionômicos variam na densidade de espécies herbáceas e arbóreas. No campo limpo e sujo há predomínio do estrato herbáceo. O cerrado sensu stricto é constituído por um estrato herbáceo dominante, rico em ervas e gramíneas e uma série de outras formas de crescimento, e espécies lenhosas distribuídas esparsamente. Em sua formação mais florestal, o cerradão, há predominância de espécies arbustivas e arbóreas, que constituem um ambiente sombreado e rico em serrapilheira.

 

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Aspecto da vegetação rasteira em cerrado não adensado – Foto Guilherme Christiani
Aspecto da vegetação lenhosa em cerrado adensado. Foto Davi Rossatto.
Aspecto da vegetação lenhosa em cerrado adensado. Foto Davi Rossatto.

O que vem se observando é que os poucos remanescentes de Cerrado em unidades de conservação têm sido preventivamente protegidos do fogo dentre tantas outras ameaças. Entretanto, esse isolamento provocou o adensamento das espécies arbóreas em detrimento das herbáceas, via de regra, intolerantes ao sombreamento. Como explica Dr. Davi Rossatto, “temos observado o desaparecimento crescente de espécies de herbáceas em regiões de cerrado típico que vem passando por processos de sucessão, especialmente nas regiões periféricas de distribuição do Bioma, onde o grau de adensamento das espécies arbóreas tem aumentado drasticamente nos últimos 40 anos”.

Foi impulsionado por estas inquietações que o pesquisador Davi Rodrigo Rossatto, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Jaboticabal), submeteu o projeto Jovem Pesquisador “Diversidade de estratégias ecofisiológicas em comunidades herbáceas de Cerrado sensu stricto: um estudo de caso envolvendo distintas condições ambientais”. O estudo tem como objetivo entender como comunidades de espécies herbáceas de cerrado típico diferem em sua estruturação e diversidade de espécies considerando variantes regionais e locais. Em outras palavras, seria analisar as respostas fisiológicas foliares de plantas herbáceas frente a variações de luminosidade causadas pelo adensamento das espécies lenhosas. A área de estudo da pesquisa é a Estação Ecológica de Assis (Assis, SP), que abriga remanescentes de Cerrado protegidos do fogo há mais de 50 anos que antes eram áreas abertas e hoje está quase completamente coberta por cerradão.

“Há muitos estudos descritivos das herbáceas do Cerrado e muito poucos que buscaram entender a fisiologia e estratégias de sobrevivência destas plantas” explica Rossatto. Os primeiros resultados da pesquisa já apontam para uma estrutura foliar diferente do padrão foliar descrito amplamente na literatura para plantas lenhosas. “Estas espécies não tem o padrão escleromórfico, ou seja, as folhas mais grossas, comumente relatadas para plantas lenhosas do Cerrado. Elas apresentam outros mecanismos pois sua forma de vida implica uma diferenciada exploração de recursos no ambiente ”.

Ao que tange a distribuição das espécies, os resultados da pesquisa sugerem que as espécies herbáceas do Cerrado podem estar em séria ameaça de extinção devido às mudanças ecológicas provocadas pela expansão generalizada da floresta nas savanas na ausência de fogo.

A ausência do fogo possibilita que os indivíduos arbóreos provenientes de áreas florestais se estabeleçam e aumentem sua cobertura, levando a mudanças nas condições abióticas do ambiente savânico. O adensamento de indivíduos lenhosos provoca maior sombreamento, expansão do dossel, serrapilheira mais espessa (solo úmido e rico em matéria orgânica e fósforo) em comparação com o cerrado típico. Esta novas condições dificultam o estabelecimento e a sobrevivência das espécies herbáceas que são lentamente substituídas por espécies herbáceas com características para sobreviver em ambientes tipicamente florestais. Da mesma maneira a riqueza e diversidade de espécies são afetadas. O cerrado sob adensamento apresenta um número menor de espécies em relação ao cerrado típico.

Espera-se que os resultados deste estudo possam fornecer uma contribuição ao conhecimento das adaptações funcionais e estruturação de comunidades herbáceas de savanas em resposta a variações ambientais e com isso, contribuir para a discussão das ações de manejo em áreas naturais de Cerrado protegidas. “Entendemos que o uso do fogo como forma de manejo, nem sempre é viável uma vez que demanda um controle muito severo (equipe treinada, infraestrutura, equipamento, condições ambientais e climáticas). Uma alternativa a ser discutida seria o corte seletivo de espécies para permitir a entrada de luz no interior destas áreas adensadas de modo a criar um ambiente favorável para o estabelecimento/crescimento destas plantas herbáceas”, sugere Rossatto.

O projeto, que teve início em fevereiro de 2014, e fim previsto para janeiro de 2017, conta ainda com as colaborações da Dra. Rosana Marta Kolb (UNESP de Assis), Dr. Augusto César Franco (UnB – Brasília), Dr. William Arthur Hoffmann (North Carolina State University) e Dra. Giselda Durigan (EEA-IF Assis). Além das biólogas Thais Franco Montenegro e Natália Aparecida Carlos, Ms. Luiz Felipe Souza Pinheiro e dos alunos de graduação em Ciências Biológicas da UNESP Jaboticabal Bianca Helena Porfírio da Silva e Paola Eduarda Araújo.

 

Por Paula Drummond de Castro

 

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