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Vizinhos Vulneráveis

A proliferação de mosquitos e das doenças transmitidas por eles em áreas de fronteira de urbanização é uma ameaça à saúde pública.

 

A urbanização desordenada associada à aceleração do desmatamento é um problema ambiental antigo. Dentre os vários impactos ambientais já conhecidos, existe um, pouco estudado considerando as dimensões dos seus impactos potenciais na saúde pública. Trata-se da proliferação de mosquitos e das doenças transmitidas por eles em áreas de fronteira de urbanização.

Normalmente os ambientes alterados, vizinhos de matas, podem representar refúgios potenciais para mosquitos silvestres e mosquitos invasores, dentre os quais alguns vetores relevantes, a aceleração do desmatamento destas áreas pela urbanização e adaptação destas espécies nas regiões antropizadas pode vir, num futuro não muito distante, a ser problema sério de saúde pública.

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Corpo da fêmea de Aedes albopictus no Parque Ibirapuera. Foto: Paulo Urbinatti.
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Wyeomyia serratoria no Parque Anhanguera. Foto: Paulo Urbinatti.
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Corpo da fêmea adulta de Psorophora ferox, ingurgitada com sangue. Foto: Paulo Urbinatti.
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Olhos compostos de Culex quinquefasciatus no Parque Ibirapuera. Foto: Paulo Urbinatti.

Os ambientes alterados pelo homem tendem a reduzir a quantidade e qualidade de habitats disponíveis para o desenvolvimento de formas imaturas e abrigo para populações de muitas espécies de mosquitos. No entanto, algumas poucas espécies, notadamente aquelas mais associadas à veiculação de patógenos para humanos, tendem a se beneficiar de tais alterações por possuírem a capacidade de se desenvolverem em ambientes da mais diversa natureza, inclusive aqueles artificialmente implantados pelo homem. Soma-se a isto a redução ou inexistência de predadores e competidores naturais, além da disponibilidade constante de fontes de repasto sanguíneo (homem e seus animais domesticados), que permitem a estas espécies atingir em determinadas épocas do ano elevados índices de abundância. Desta forma, locais onde o ser humano convive com mosquitos abundantes e existe a circulação de um patógeno (a exemplo do Aedes aegypti e da dengue) há uma maior exposição a picadas de mosquitos aumentando a chance de que uma delas possa ser uma picada infectante. Cenários como este podem ser encontrados em centros urbanos ou mesmo em áreas recém-degradadas onde há a invasão e estabelecimento do homem.

Diante da escassez de informações sobre os mosquitos (Diptera: Culicidae) nas áreas verdes que circundam a cidade de São Paulo, o projeto “Biodiversidade de mosquitos (Diptera: Culicidae) no Parque Estadual da Cantareira e na área de proteção ambiental Capivari – Monos, estado de São Paulo”, desenvolveu um estudo dessas espécies nas áreas remanescentes de Mata Atlântica, da região metropolitana de São Paulo. O projeto é um Auxílio Pesquisa Regular, do programa BIOTA/FAPESP, coordenado por Mauro Toledo Marrelli, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP-SP).

A Região Metropolitana de São Paulo é uma das maiores e mais populosas do planeta e os poucos ambientes naturais que ainda restam foram convertidos, grande parte, em parques e unidades de conservação que servem à população como áreas de lazer e têm funções estratégicas fundamentais para a preservação de mananciais importantes e da biodiversidade remanescente. “Em 2010 iniciamos nossa primeira pesquisa financiada pelo programa Biota com o objetivo de inventariar e desenvolver uma série de estudos sobre as espécies de mosquitos que habitam os parques urbanos da cidade de São Paulo. Após três anos de estudos identificamos aproximadamente 90 espécies de mosquitos habitando estes locais.” Explica Marrelli. Embora a riqueza observada de mosquitos possa ser considerada relativamente alta no âmbito regional, cerca de 70% dos indivíduos coletados pertencem a cinco espécies: Aedes albopictus, A. scapularis, A. fluviatilis, Culex quinquefasciatus e C. nigripalpus, todas de interesse epidemiológico.

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Armadilha CDC de solo instalada no ponto antrópico da APA Capivarí-Monos, entre residências do Bairro Marsilac e a ferrovia Mairinque-Santos. Foto: Walter Ceretti Junior e Antônio Ralph Medeiros de Sousa.

Desta vez, a equipe de pesquisadores está focando seus esforços em áreas susceptíveis ao desmatamento. “Acreditamos que nossos estudos logo poderão fornecer informações importantes que nos ajudarão a predizer o risco de transmissão de patógenos em função de alterações da biodiversidade e a composição e abundância de mosquitos nestes locais” explica o coordenador do projeto. A Área de Preservação Ambiental (APA) Capivari-Monos e o Parque Estadual da Cantareira (PEC) foram os locais selecionados para o estudo devido o histórico de malária autóctone nestas áreas, com casos de malária humana na primeira e malária símia na segunda. Outro ponto que destaca a importância do estudo é que estes locais poderiam funcionar como porta de entrada para que arboviroses veiculadas por mosquitos que habitam o meio silvestre possam vir a circular entre humanos que habitam áreas periurbana.

Nas áreas de coleta são registrados os parâmetros físicos e químicos da água dos criadouros e os aspectos ecológicos relacionados à fauna de Culicídeos. Em seguida, os mosquitos são coletados em fases imaturas e adultas utilizando vários métodos e então, levados vivos para a Faculdade de Saúde Pública (USP/SP) e Superintendência de Controle de Endemias do Estado de São Paulo (SUCEN), onde são identificados e separados para as diversas análises como as de hábito alimentar e detecção de flavivírus e plasmódios. “Nós construímos um banco de dados central onde todas as informações estão disponíveis para os pesquisadores do projeto e a partir dele são trocadas as informações necessárias para as análises e integração dos dados. Estas informações associadas a modelos preditivos ajudarão a elaborar a avaliação de riscos e medidas de prevenção úteis para o controle e manejo de espécies de maior importância epidemiológica que habitam estes locais.” complementa Antônio Ralph Medeiros de Sousa, doutorando do projeto.

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Coleta de mosquitos adultos na armadilha de Shannon instalada na entrada da mata pertencente ao Sítio Água do Siloé, situado na APA Capivari-Monos, subdistrito de Parelheiros. Walter Ceretti Junior e Antônio Ralph Medeiros de Sousa.

A equipe do projeto é formada por pesquisadores, técnicos, aprimorandos, mestrandos e doutorandos da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, da Superintendência de Controle de Endemias do Estado de São Paulo (SUCEN), do Instituto Florestal (IF) do Estado de São Paulo e do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) da cidade de São Paulo.

A pesquisa é um desdobramento de um projeto anterior que buscou catalogar e comparar as espécies de áreas verdes municipais da capital paulistana. Estas informações podem auxiliar na compreensão e instalação de medidas de preservação ambiental e análise de riscos de transmissão de patógenos pelos vetores.

 

Por Paula Drummond de Castro, Mauro Marrelli e Antônio Ralph Medeiros de Sousa

 

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