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Espécies Exóticas Invasoras e o Papel do Cidadão

A responsabilidade pela escolha de espécies para animais de companhia, plantas de jardim e espécies produtivas é afeita a cada indivíduo e precisa ser exercida de forma consciente.

 

Espécies exóticas invasoras são plantas, animais e outros seres vivos que estão fora de sua área de distribuição natural, expressando altas taxas de crescimento populacional e de expansão da distribuição para além dos locais onde foram introduzidos. Boa parte dessas espécies gera impactos ambientais, sociais, econômicos e/ou à saúde humana e de animais silvestres. Muitas plantas e animais exóticos são conhecidos apenas pelo caráter ornamental, assim como pelo valor como animais de companhia. No entanto, quando invasores em ambientes naturais, podem trazer sérios prejuízos à diversidade biológica e a serviços ambientais.

Impatiens walleriana, beijinho ou maria-sem-vergonha, planta ornamental comumente invasora de subosque de florestas nativas. Foto: Insituto Hórus.
Impatiens walleriana, beijinho ou maria-sem-vergonha, planta ornamental comumente invasora de subosque de florestas nativas. Foto: Insituto Hórus.

No ano de 1992, quando foi elaborada a Convenção Internacional sobre Diversidade Biológica no Rio de Janeiro, as invasões biológicas já figuravam como tema de preocupação mundial. Os governos signatários devem “Impedir que se introduzam, controlar ou erradicar espécies exóticas que ameacem os ecossistemas, hábitats ou espécies”. O texto da convenção, ratificada por quase 200 países atualmente, foi promulgado no Brasil como Decreto Legislativo no 2/1992. Muitas decisões foram tomadas em reuniões posteriores realizadas no âmbito da Convenção, provendo direcionamento aos países quanto a ações efetivas a serem tomadas.

A primeira reunião sobre o tema foi realizada no Brasil em 2001 por iniciativa do Programa Global de Espécies Invasoras, reunindo países de toda a América Latina. Entre 2004 e 2005, o Ministério do Meio Ambiente financiou o primeiro levantamento nacional de espécies exóticas invasoras com recursos do GEF (Global Environmental Facility, Fundo Mundial para o Ambiente), concluído com a realização de um simpósio nacional. Também em 2005 foi lançada a Base de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras, gerida pelo Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental (www.institutohorus.org.br), atualmente com 441 espécies.

Invasão por pínus em restinga. Foto: Insituto Hórus.

Em 2009 a CONABIO (Comissão Nacional da Biodiversidade) publicou a Resolução no 5, estabelecendo para o Brasil uma estratégia nacional para espécies exóticas invasoras, porém a execução das ações previstas não vem sendo realizada. Dada a complexidade e a amplitude do tema, é fundamental que todos os níveis de governo e também a população brasileira adotem práticas sustentáveis que envolvem o uso de espécies não invasoras para diversas finalidades.

Praticamente 70% das 192 plantas registradas como invasoras na Base de Dados Nacional foram introduzidas ao país para fins ornamentais. Ou seja, não têm uso econômico significativo, dado que o setor dispõe de milhares de espécies de plantas. A escolha de espécies para jardins, arborização urbana e paisagismo traz uma carga cultural de dar preferência ao que não é nativo, contribuindo para a desvalorização da biodiversidade local. Isso acarreta problemas diversos, especialmente porque se criam fontes de propágulos que são dispersados para áreas naturais remanescentes em áreas urbanas ou para fora das cidades, no meio rural. Por outro lado, o uso de espécies nativas locais poderia servir a função inversa, ou seja, disseminar propágulos de espécies que foram altamente exploradas no passado ou que possam ajudar a recompor áreas naturais na cidade ou fora dela, assim como ajudar a manter em funcionamento serviços ecossistêmicos. Espécies nativas são mais adaptadas às condições ambientais locais, demandando menos custos com manutenção e irrigação, sendo mais sustentáveis também nesse aspecto. Considerando os atuais problemas de escassez de água e tendências de agravamento, essa é uma razão importante para evitar o uso de plantas que requerem irrigação frequente.

A substituição de árvores exóticas invasoras na arborização, em parques e praças urbanos é uma medida básica para reduzir a propagação de invasões biológicas, assim como para educar o público em geral sobre espécies nativas. Campanhas para a valorização de espécies nativas vêm sendo criadas em diversos países, assim como códigos de conduta voluntários, para que o uso de plantas ornamentais favoreça espécies nativas e a conservação da diversidade biológica. A publicação de listas oficiais de espécies exóticas invasoras é relevante para orientar o público sobre espécies que devem ser evitadas, especialmente no âmbito de projetos de restauração ambiental e plantios para captura de carbono. Interesses comerciais vêm dificultando a publicação dessas listas em estados brasileiros, sendo exceção o Paraná, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, que têm listas oficiais promulgadas e alguma legislação específica sobre uso de espécies e manejo em unidades de conservação. Em nível nacional não existe referência oficial, o que dificulta a divulgação do problema e até mesmo a aplicação da legislação vigente em casos de invasão biológica, como a Lei 9985/1998 – Lei de Crimes Ambientais.

Em termos mundiais, estima-se que haja 1,5 bilhões de animais de estimação, sendo que a maioria são peixes de aquário, cães, gatos e aves (Euromonitor International, 2013). No Brasil, estima-se que haja 132 milhões de animais de estimação, sendo 52 milhões de cães, 22 milhões de gatos, 38 milhões de aves, 18 milhões de peixes e 2 milhões de outros animais, especialmente répteis e pequenos mamíferos (IBGE, 2013). O Brasil é o segundo país do mundo em número de cães, gatos e aves canoras e ornamentais, e o quarto país do mundo em população total de animais de estimação (ABINPET, 2016).

Peixe-leão (Pterois spp.).Espécie nativa do Oceano Indo-Pacífico, é invasor no mar do Caribe. Vendido no Brasil para aquariofilia, jamais deve ser despejado no mar, pois implica alto risco para a conservação dos ambientes de recifes de coral. É voraz predador de organismos marinhos. Foto: Instituto Hórus.
Peixe-leão (Pterois spp.).Espécie nativa do Oceano Indo-Pacífico, é invasor no mar do Caribe. Vendido no Brasil para aquariofilia, jamais deve ser despejado no mar, pois implica alto risco para a conservação dos ambientes de recifes de coral. É voraz predador de organismos marinhos. Foto: Instituto Hórus.

Das 244 espécies de animais exóticos invasores registrados para o Brasil, 49 são animais de estimação, sendo 28 deles peixes de aquário. Dado o contexto urbano em que vive mais de 80% da população brasileira, é compreensível que as pessoas tenham mais contato com animais de companhia do que com a fauna nativa. As sociedades protetoras de animais têm recebido cada vez mais apoio, porém tendem a se ocupar de fauna doméstica e urbana, muitas vezes defendendo a proteção de animais exóticos em ambientes naturais. Nesse contexto, o controle de espécies exóticas invasoras é fundamental para impedir que impactem populações de espécies nativas, muitas das quais fragilizadas pela fragmentação de ambientes naturais, pela caça ilegal, pelo tráfico de animais silvestres e pela liberdade concedida especialmente a cães e gatos com comportamento feral e predador.

O país megabiodiverso tem um papel importante na conservação de espécies e depende de seus cidadãos para poder cumpri-lo. Nenhum governo tem capacidade ou estrutura suficiente para fiscalizar cada ação individual de pessoas. Apenas com o exercício do papel de cidadão o país terá sucesso em conservar espécies, ambientes e recursos genéticos para as gerações futuras. A responsabilidade pela escolha de espécies para animais de companhia, plantas de jardim e espécies produtivas é afeita a cada indivíduo e precisa ser exercida de forma embasada. Sem dúvida a divulgação do problema no país ainda é falha e requer melhorias em todos os níveis, a começar pela capacitação de docentes. De forma análoga, a pesquisa é necessária tanto na busca de soluções para problemas de invasão biológica estabelecidos e para avaliar seus impactos ecológicos e econômicos como para definir modelos de prevenção à chegada de novas espécies, de detecção precoce, de gestão e políticas públicas.

 

Referências

Euromonitor International, 2013. http://www.euromonitor.com/pet-care.

IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 2015. Pesquisa nacional de saúde 2013 –acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências. Rio de Janeiro: IBGE. 100p.

Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, 2016. Base de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras. http://i3n.institutohorus.org.br/www

ABINPET, – Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação, 2016. www.abinpet.org.br – Produtos e serviços – Dados de mercado.

 

Por Sílvia R. Ziller[1] e Michele de Sá Dechoum[2]

[1] Eng. Florestal, M.Sc., Dr. Conservação da Natureza. Fundadora e Dir. Executiva Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental. contato@institutohorus.org.br, www.institutohorus.org.br

[2] Bióloga, M.Sc., Dr. em Ecologia. Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental.

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