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Formar recursos humanos aptos a para trabalharem com Cenários e Modelagem em Biodiversidade e Serviços de Ecossistema

Por Carlos Alfredo Joly, Paula Drummond de Castro e Simone Vieira

Modelos preditivos tornaram-se ferramentas importantes para examinar a maneira como, provavelmente, os ecossistemas reagirão às mudanças ambientais e a tomada de decisões políticas, desde que indiquem claramente o grau de incertezas. Mesmo considerando os limites de sua previsibilidade (principalmente devido à disponibilidade de dados, e incapacidade de antecipar eventos imprevisíveis), as abordagens prospectivas se tornaram uma ferramenta muito útil para aumentar o conhecimento, envolver as partes interessadas e criar inteligência antecipatória. Portanto, elas estão sendo cada vez mais utilizadas para estudar os possíveis efeitos das ações humanas sobre a Terra, sua biodiversidade e serviços ecossistêmicos associados. Tais modelos são tipicamente baseados em um conjunto de hipóteses, os chamados cenários, que fornecem uma abordagem para explorar como futuros alternativos plausíveis podem se desdobrar e comparar as consequências potenciais de diferentes decisões em diferentes contextos futuros.

Cenários e modelos permitem a exploração e comunicação dos resultados de diferentes narrativas (“futuros”) para o desenvolvimento social, econômico e ambiental. Cenários são indispensáveis para apoiar a formulação e implementação de políticas baseadas na ciência (Pereira et al, 2010).

A fim de capturar as consequências das crescentes ameaças à biodiversidade e aos serviços ambientais, os cenários tornaram-se um componente chave na tomada de decisões (IPBES 2016a). Há várias vantagens em adotar esta abordagem, como por exemplo:

  1. a capacidade de prever futuras mudanças na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos como resultado de flutuações em vários fatores ecológicos e socioeconômicos, e
  2. a possibilidade de uso em múltiplas escalas espaciais – do nível local ao global – que permite compreender, por exemplo, os impactos da mudança climática nas florestas e áreas protegidas, ou no manejo de áreas de pesca. Existem, entretanto, certas limitações a esta abordagem, por exemplo, a limitada disponibilidade de dados. Isto lança luz sobre uma gama muito ampla de melhorias que podem ser feitas em cenários que melhorariam sua utilização na tomada de decisões.

A necessidade de uma mudança radical na capacidade de prever mudanças futuras críveis levou a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) a organizar um grupo de trabalho com mais de 80 especialistas de todas as regiões do mundo, para produzir um relatório. O relatório de Avaliação Metodológica sobre cenários e modelos em biodiversidade e serviços ecossistêmicos, publicado em 2016, tornou-se um marco histórico ao rever o estado da arte e destacar as lacunas existentes nos cenários e modelos de mudança da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. Uma das principais mensagens do relatório aponta que o planejamento, investimento e capacitação de recursos humanos adequados, entre outros esforços, poderiam superar os desafios significativos remanescentes no desenvolvimento e aplicação de cenários e modelos nesta grande área do conhecimento (IPBES 2016b).

Alinhando-se aos objetivos do IPBES, o Programa BIOTA/FAPESP, em parceria com a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e com o Inter-American Institute for Global Change Research/IAI organizou a Escola Paulista de Ciências Avançadas em Cenários e Modelagem em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos para o Apoio ao Bem-Estar Humano (São Paulo School of Advanced Science on Scenarios and Modelling on Biodiversity and Ecosystem Services to Support Human Well-Being Scenarios – SPSAS Scenarios). A SPSAS Scenarios abordou, particularmente, a relação de dependência, entre serviços ecossistêmicos sustentados pela biodiversidade, e o bem-estar humano. O bem-estar humano depende diretamente dos serviços dos ecossistemas (Pascual et al 2017), tais como a polinização associada à produção de alimentos, a proteção dos recursos hídricos associados à água para consumo e produção de energia, a mitigação dos impactos da mudança climática e serviços intangíveis fundamentais para o equilíbrio emocional e muitas vezes espiritual. Cenários e modelos capazes de capturar essa dependência podem se tornar ferramentas essenciais para a gestão e o desenvolvimento sustentável a longo prazo.

Os tomadores de decisão nos governos, setor privado e sociedade civil querem informações mais robustas sobre o futuro plausível da biodiversidade e dos serviços ambientais. Eles querem entender como os fatores que impactam a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, e quais podem ser as consequências desses impactos sobre a biodiversidade, os serviços ecossistêmicos e as contribuições da natureza para as pessoas. Eles também querem entender as implicações das diferentes escolhas políticas sobre biodiversidade e serviços ecossistêmicos, e como atingir as metas políticas estabelecidas, por exemplo, pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

A ideia era que, gerando orientações baseadas na ciência sobre modelos e cenários atualmente disponíveis, e explicando como utilizá-los e em que contexto, a SPSAS Scenarios tornariam possível melhorar o uso dessas ferramentas na governança da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, como proposto pelo IPBES.

A SPSAS Scenarios adotou a Framework Futuros para Natureza (Natures Future Framework Pereira et al. 2020) como base para desenvolver cenários de futuros positivos para a natureza, para ajudar a informar as avaliações de opções políticas em múltiplas escalas. A Framework Futuros para Natureza coloca as relações entre as pessoas e a natureza em seu cerne. “Como as pessoas se relacionam com a natureza de múltiplas formas, há uma grande variedade de futuros desejáveis para a natureza, com diferentes objetivos e visões que podem ser sinérgicos ou estar em conflito uns com os outros” (https://ipbes.net/scenarios-models).

Os nove trabalhos apresentados nesta edição especial da Biota Neotropica são o resultado do trabalho desenvolvido pelos 90 participantes da SPSAS Scenarios – 46 brasileiros, 23 de outros países da América Latina, 9 da Europa, 6 da América do Norte, 4 da África e 2 da Ásia/Oceania.

Cada grupo escolheu um tópico relacionado às mudanças ambientais associadas às respectivas realidades, e durante a escola trabalhou na incorporação de camadas de complexidade, que estavam sendo ensinadas por diversos especialistas, principalmente aqueles envolvidos na coordenação do relatório IPBES de Avaliação Metodológica sobre cenários e modelos em biodiversidade e serviços ecossistêmicos.

Portanto, esta Edição Especial é o resultado de um esforço coletivo na disseminação dos princípios, ferramentas e metodologias do IPBES para treinar profissionais a usar o melhor conhecimento disponível para preencher a lacuna entre ciência e polícia, gerando políticas muito melhores para a conservação, restauração e uso sustentável da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.

Referências

IPBES 2016a. The methodological assessment report on scenarios and models of biodiversity and ecosystem services of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services. S. Ferrier, K. N. Ninan, P. Leadley, R. Alkemade, L. A. Acosta, H. R. Akçakaya, L. Brotons, W. W. L. Cheung, V. Christensen, K. A. Harhash, J. Kabubo-Mariara, C. Lundquist, M. Obersteiner, H. M. Pereira, G. Peterson,R. Pichs-Madruga, N. Ravindranath, C. Rondinini and B. A. Wintle (eds.). Secretariat of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services, Bonn, Germany. 348 pages. Disponível em https://ipbes.net/policy-support/assessments/methodological-assessment-scenarios-models-biodiversity-ecosystem

IPBES 2016b. Summary for policymakers of the methodological assessment of scenarios and models of biodiversity and ecosystem services of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services. S. Ferrier, K. N. Ninan, P. Leadley, R. Alkemade, L. A. Acosta, H. R. Akçakaya, L. Brotons, W. W. L. Cheung, V. Christensen, K. A. Harhash, J. Kabubo-Mariara, C. Lundquist, M. Obersteiner, H. M. Pereira, G. Peterson,R. Pichs-Madruga, N. Ravindranath, C. Rondinini and B. A. Wintle (eds.). Secretariat of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services, Bonn, Germany. 32 pages. Disponível em https://ipbes.net/sites/default/files/downloads/pdf/spm_deliverable_3c_scenarios_20161124.pdf

Pascual U, Balvanera P, Díaz S, Pataki G, Roth E, Stenseke M, Watson RT, Başak Dessane E, Islar M, Kelemen E, et al. 2017. Valuing nature’s contributions to people: the IPBES approach. Current Opinion in Environmental Sustainability 26–27:7–16. https://doi.org/10.1016/j.cosust.2016.12.006

Pereira, H.M., Leadley, P.W., Proenca, V., Alkemade, R., Scharlemann, J.P.W., Fernandez-Manjarres, J.F., Araújo, M.B., Balvanera, P., Biggs, R., Cheung, W.W.L., Chini, L., Cooper, H.D., Gilman, E.L., Guénette, S., Hurtt, G.C., Huntington, H.P., Mace, G.M., Oberdorff, T., Revenga, C., Rodrigues, P., Scholes, R.J., Sumaila, U.R. and Walpole, M., 2010.Scenarios for Global Biodiversity in the 21st Century. Science, 330(6010): 1496-1501. https://doi.org/10.1126/science.1196624

Pereira, L., Davies, K. K., den Belder, E., Ferrier, S., Karlsson-Vinkhuyzen, S., Kim, H., Kuiper, J. J., Okayasu, S., Palomo, M. G., Pereira, H. M., Peterson, G., Sathyapalan, J., Schoolenberg, M., Alkemade, R., Carvalho Ribeiro, S., Greenaway, A., Hauck, J., King, N., Lazarova, T., Ravera, F., Chettri, N., Cheung, W. W. L.,Hendriks, R. J. J., Kolomytsev, G., Leadley, P., Metzger, J. P., Ninan, K. N., Pichs, R., Popp, A., Rondinini, C., Rosa, I., van Vuuren, D., & Lundquist, C. J. (in press) Developing multi-scale and integrative nature-people scenarios using the Nature Futures Framework. SocArXiv https://doi.org/10.31235/osf.io/ka69n