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Pesquisadores propõem nova classificação dos modos de reprodução dos anfíbios

Fritziana goeldii com ovos nas costas.
Foto: Edélcio Muscat

Estudo realizado por pesquisadores do Programa Biota/Fapesp amplia o olhar sobre a diversidade das formas de reprodução dos sapos, rãs, pererecas, salamandras e cobras-cegas. Após analisar um quarto das espécies de anfíbios conhecidas, os cientistas propõem praticamente dobrar o número de categorias, partindo de 39 para 74 tipos de reprodução. Além de detalhar mais a história natural destes animais, as informações podem ajudar a definir estratégias de conservação tendo em vista a dependência e vulnerabilidade dos locais-chave para reprodução destes animais. O artigo foi publicado na revista Salamandra.

Os estudos dos modos de reprodução começaram a se desenvolver nos anos 1960 com pesquisadores que estudavam peixes. Mas foram os pesquisadores de anfíbios que consolidaram e aprimoram o conceito ao longo dos últimos 60 anos. O termo abrange a combinação de características que incluem o local onde a espécie desova, características do ovo e da ninhada, tempo de desenvolvimento dos filhotes, presença e tipo de cuidado dos pais com sua prole.

A classificação anterior de modos de reprodução contava com 39 tipos e focava apenas nos Anura, ou seja, sapos, rãs e pererecas. Entretanto, novas observações comportamentais (incluindo outros grupos da classe dos anfíbios como salamandras e cobras-cegas) e inconsistências do sistema anterior foram os gatilhos para os pesquisadores Carlos Henrique Nunes de Almeida, Felipe Toledo (Unicamp) e Célio Haddad (Unesp) revisarem a classificação dos modos de reprodução.

Para chegar a este novo esquema os autores analisaram a fase de vida inicial de 2.171 espécies de anfíbios (cerca de um quarto das espécies conhecidas) e chegaram a 74 possíveis combinações derivadas da observação de 11 características dos ovos, ninhos e ambientes onde são depositados. O grupo que apresentou maior diversidade de modos reprodutivos foi o dos anuros, que estão representados em 71 dos 74 modos reprodutivos, as salamandras tiveram 16 e as cobras-cegas apenas sete.

Segundo os autores, o novo sistema possibilita captar a riqueza de detalhes deste grupo e simultaneamente simplifica a forma de classificação. “Este novo esquema é mais lógico e mais prático, pois excluímos aspectos comportamentais e de desenvolvimento da fase larval que em geral são difíceis de identificar”, explica Célio Haddad que também é autor da classificação anterior.

Modo reprodutivo caracterizado pelo tipo de desova, representado pela espécie Boana prasina.
Foto: Daniel Loebmann

“Encontramos 74 modos de reprodução, mas acreditamos que existam muitos mais. Esperamos que este novo sistema simplificado possibilite a identificação de novos modos de reprodução para os anfíbios”, explica Felipe Toledo. Um exemplo são as cobras-cegas que têm poucos modos de reprodução registrados, mas que também são espécies pouco avistadas, pois são animais geralmente raros e que vivem enterrados.

Estas informações mais esmiuçadas sobre a etapa de vida reprodutiva das espécies pode aprimorar estratégias de conservação dos anfíbios. “Se uma espécie coloca ovo na lagoa e na bromélia, ela terá maior chance de sobreviver caso a lagoa seque em decorrência da crise climática, pois ela ainda pode usar as bromélias para depositar seus ovos. Ou o contrário, na falta da bromélia, a espécie desova na lagoa”, exemplifica Toledo. “Há uma perereca especializada em colocar seus girinos nos ocos das hastes de bambu. Se acabar o bambu, acabou a espécie”, alerta o autor. Estas informações ajudam a definir priorizações de ações de conservação, por exemplo.

Outra possibilidade é inferir, pelo número de modos de reprodução de anfíbios de uma área, a complexidade da rede de interações de um ecossistema. “Uma floresta densa e conservada abriga muitos modos de reprodução, já em áreas mais homogeneizadas por ação humana, como uma monocultura, haverá poucos modos de reprodução”, explica Haddad. Esta informação ajuda a entender como a substituição maciça de floresta por sistemas simplificados como as monoculturas pode levar várias espécies de anfíbios à extinção local, pois não encontrarão os recursos necessários para sua reprodução.

O fato de ter seu ciclo de vida dividido em uma fase aquática e outra terrestre torna os anfíbios espécies sensíveis às transformações do ambiente, tanto em termos de mudança do uso do solo, que muitas vezes implica em alterações na umidade do habitat, quanto em termos de poluição. Por isso os anfíbios são considerados bons indicadores ambientais.

Rhinella magnussoni em cápsula de fruta da castanha-do-pará Bertholletia excelsa, onde os ovos são postos.
Foto: Luis Fernando Storti

No mundo, são conhecidas cerca de 8,3 mil espécies de anfíbios, das quais cerca de 1,2 mil ocorrem no Brasil e o número de novas espécies não para de crescer. Segundo o relatório da Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos da ONU, os impactos causados por humanos ameaçam a existência de cerca de um milhão de espécies, incluindo 40% de todas as espécies de anfíbios conhecidas pela ciência, ou cerca de 3,2 mil espécies.

A expectativa dos autores é estender esta lógica de modos de reprodução a outros grupos de vertebrados como aves e mamíferos, “se esse sistema de classificação de anfíbios fosse estendido a outros grupos de tetrápodes, poderíamos avançar na compreensão da diversidade e evolução dos modos de reprodução em um sentido mais amplo (filogenético ou comparativo)”, explicam os autores no artigo. Todavia, fazem uma ressalva, “antes de estender este conceito a outros vertebrados, uma reavaliação detalhada do sistema atual deve ser realizada”.

A pesquisa foi concebida no âmbito do doutorado de Carlos Henrique Luz Nunes-de-Almeida, financiado pela CAPES. O estudo contou com o apoio dos projetos Biota/Fapesp “Diversidade e conservação dos anfíbios brasileiros” coordenado por Célio Haddad e “Transporte aéreo passivo de um patógeno letal para anfíbios em áreas de elevadas: aplicações práticas para conservação de UCs do estado de São Paulo” liderado por Felipe Toledo.

Saiba mais em: Carlos Henrique Luz Nunes-de-Almeida, Célio Fernando Batista Haddad e Luís Felipe Toledo (2021). A revised classification of the amphibian reproductive modes. Salamandra, 57(3): 413–427.