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Vamos falar sobre geodiversidade?

Há mais de 20 anos o Programa Biota/Fapesp tem procurado tornar familiar o conceito de biodiversidade em sua amplitude: diversidade de espécies de uma região, diversidade genética dos organismos, diversidade de ecossistemas. Compreender os processos mantenedores e de recuperação da biodiversidade passa, também, pela compreensão das interações não apenas entre os seres vivos que habitam o planeta mas destes com os diferentes componentes que formam nossos sistemas: atmosfera, hidrosfera, litosfera e o interior da Terra. Componentes que são interconectados e formam um sistema complexo. A geodiversidade é um desses componentes e tem ganhado cada vez mais evidência no debate sobre conservação ambiental e serviços ecossistêmicos.

Cama de Anchieta, Itanhaém. Monumento cultural e ponto turístico. Exemplo de função cultural dos serviços ecossistêmicos da geodiversidade. Foto: Maria da Glória Motta Garcia

O termo geodiversidade emergiu nos anos 1990 e diz respeito não apenas à diversidade de materiais, tais como rochas, minerais, fósseis, formas de relevo, sedimentos, solos e águas, mas também aos processos naturais que os formam e os modificam. A relação entre geo e biodiversidade é de interdependência: os solos e as águas, por exemplo, formam a parte abiótica dos ecossistemas, que abrigam os seres vivos. Ou seja, geodiversidade é a variedade natural de materiais, paisagens e processos geológicos existentes e que constituem a base para a geração, evolução e distribuição das plantas, dos animais e dos seres humanos no nosso planeta. Juntas, geo e biodiversidade compõem o conceito de diversidade natural. As ações dos seres vivos têm impactos diretos nos processos de formação e alteração destas paisagens, bem como na modificação da diversidade natural.

A inserção dessa discussão no Programa tem se dado por meio do projeto “Serviços ecossistêmicos prestados pela geodiversidade e construção de processos socioeducativos em áreas protegidas: elaboração de proposta metodológica no Núcleo Caraguatatuba do Parque Estadual da Serra do Mar” iniciado em 2020 e parte do convênio entre a Fapesp e a Fundação Florestal do Estado de São Paulo. Para a pesquisadora Maria da Glória Garcia, do Instituto de Geociências/USP, e coordenadora do projeto, “o reconhecimento da geodiversidade como parte integrante dos ecossistemas é fundamental para que os elementos abióticos, ou seja, aqueles que não dizem respeito apenas aos seres vivos, sejam incluídos em políticas públicas de conservação da natureza”.

Rio Itapanhaú, Bertioga. Regulação do clima, ciclo da água. Exemplo de função de regulação dos serviços ecossistêmicos da geodiversidade. Foto: Maria da Glória Motta Garcia

Avaliação participativa dos serviços ecossistêmicos

Para a análise de serviços ecossistêmicos da geodiversidade são consideradas cinco funções: as de regulação, de suporte, de provisão e as culturais (que são as mais comumente utilizadas) e também as de conhecimento. As funções de regulação englobam, por exemplo, a regulação do clima global e o armazenamento de carbono por sedimentos marinhos ou do clima local pela Serra do Mar. As funções de suporte compreendem a própria existência dos diferentes habitats e do ciclo da água, por exemplo. As de provisão podem ser desde a possibilidade da pesca no mar e rios como o crescimento de plantas relacionadas a um solo específico. Já as funções culturais referem-se à recreação e aos valores espirituais, assim como o bem estar promovido pela beleza cênica das paisagens e pela possibilidade de estar em contato com a natureza. As funções relacionadas à produção de conhecimento dizem respeito à possibilidade de realizar pesquisas, estudos e trabalhos educativos, assim como o fato da geodiversidade abrigar o registro climático do passado, o que possibilita compreender as mudanças atuais.

“Não existe um método de avaliação para essa abordagem”, ressalta Maria da Glória Garcia, “mas é algo que já pesquisamos há algum tempo e temos alguns caminhos traçados. Neste sentido, o projeto de pesquisa tem como foco desenvolver um protocolo de identificação e avaliação destes serviços ecossistêmicos da geodiversidade, de forma a pensar soluções para a sua manutenção nas unidades de conservação.

Afloramento do Granito Santos, em São Vicente. Rocha datada em 500 milhões de anos. Um dos mais jovens granitos paulistas. Exemplo de função de produção de conhecimentos dos serviços ecossistêmicos da geodiversidade. Foto: Maria da Glória Motta Garcia

A ideia é que este protocolo possa ser replicado em outras Unidades de Conservação. Para isso, os pesquisadores do projeto incluíram os cidadãos nesse processo. “A construção do protocolo está sendo realizada de forma participativa e multidisciplinar, assim como a elaboração de materiais de divulgação que possibilitarão ampliar os conhecimentos do público interessado e daquele que visita as Unidades de Conservação. A promoção de práticas socioeducativas de caráter colaborativo voltadas à geoconservação e à aprendizagem social é uma das características do projeto, que envolveu professores da rede púbica municipal em cursos de formação continuada”, destaca Maria da Glória Garcia.

Referências:

Garcia, M.M. Ecosystem Services Provided by Geodiversity: Preliminary Assessment and Perspectives for the Sustainable Use of Natural Resources in the Coastal Region of the State of São Paulo, Southeastern Brazil. Geoheritage 11, 1257–1266 (2019). https://doi.org/10.1007/s12371-019-00383-0

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