As florestas tropicais são alguns dos ecossistemas com a maior biodiversidade do mundo, mas seu funcionamento está ameaçado por distúrbios e mudanças climáticas. Em artigo publicado hoje na revista Nature Ecology & Evolution, pesquisadores procuram compreender quais aspectos do funcionamento das florestas tropicais podem garantir maior ou menor resiliência desses ecossistemas às mudanças climáticas globais.
Em um ecossistema todos os organismos interagem entre si e com os fatores ambientais, como temperatura e disponibilidade de água, por exemplo. Essas interações que caracterizam o funcionamento dos ecossistemas e são influenciadas tanto pela diversidade de espécies como pela diversidade de grupos de espécies. Cada grupo tem funções específicas dentro de um mesmo ecossistema, que é chamada de diversidade funcional. Outro conceito importante é a redundância funcional, que é quando, num mesmo ecossistema, existem várias espécies que desempenham a mesma função. Nesse caso, se uma espécie desaparecer, sua função ecológica não estará perdida, já que outros organismos que podem desempenhar a mesma função.
Neste artigo, os pesquisadores procuram analisar as relações entre a diversidade funcional e a redundância funcional das florestas tropicais e sua capacidade de adaptação a mudanças. As florestas tropicais, abrigam mais de 50% da biodiversidade do mundo e armazenam cerca de 30% do carbono em sua biomassa. Mudanças na composição da comunidade de árvores dessas florestas podem impactar todas as interações que ocorrem nesse ecossistema, o seu funcionamento e, consequentemente, sua capacidade de armazenamento de carbono. Manter a capacidade de armazenamento de carbono das florestas tropicais tem sido considerado como um dos principais mecanismos para diminuir o impacto das mudanças climáticas globais.
A análise levou em consideração um conjunto de dados de 16 características morfológicas, químicas e fotossintéticas de plantas amostradas de 2.461 árvores individuais em 74 locais distribuídos em quatro continentes, juntamente com dados climáticos último meio século desses locais. Para a região da Mata Atlântica e Amazônia, os autores também utilizaram dados coletados em três projetos vinculados ao Programa Biota/Fapesp: ECOFOR: Biodiversidade e funcionamento de ecossistemas em áreas alteradas pelo homem nas Florestas Amazônica e Atlântica (financiado conjuntamente pelo Natural Environment Research Council do Reino Unido), Composição florística, estrutura e dinâmica do funcionamento da Floresta Ombrófila Densa Atlântica dos núcleos Caraguatatuba, Cunha, Picinguaba e Santa Virgínia, do Parque Estadual da Serra do Mar (PelD) (em parceria com o Programa Ecológico de Longa Duração do CNPq) e o projeto temático Gradiente Funcional da Mata Atlântica.
As descobertas sugerem que áreas com alta diversidade funcional e alta redundância tendem a manter melhor o funcionamento do ecossistema após eventos climáticos extremos, ou seja, são mais resilientes às mudanças climáticas. As florestas tropicais mais secas possuem menor diversidade funcional e menor redundância funcional em comparação com florestas mais úmidas, o que pode deixá-las em risco frente aos declínios de disponibilidade de água que tem sido identificados nas regiões tropicais.
Para o professor Carlos Joly (IB/Unicamp), um dos autores do artigo, os resultados ressaltam a importância da conservação das Florestas Deciduais e Semideciduais do interior do país: “essas florestas são parte da Mata Atlântica e ocupam o espaço entre a zona úmida costeira e interior mais árido, e tem como característica que algumas espécies perdem as folhas no período mais seco”. Carlos Joly ainda destaca o recém lançado Plano de Ação Climática 2050 do Estado de São Paulo que prevê a restauração das áreas de florestas semideciduais e a conexão entre os fragmentos dessas florestas para a aumentar a resiliência a mudanças climáticas, “os resultados encontrados nesse artigo reforçam ainda mais a importância dessa ação”.
Segundo os autores, as mudanças climáticas estão alterando as condições da terra, afetando o clima regional e, em um futuro próximo, o aquecimento global provavelmente causará o surgimento de condições climáticas sem precedentes nas regiões tropicais. Portanto, determinar a distribuição florestas tropicais mais resilientes ou menos resilientes a um clima em mudança e entender os mecanismos que causam tais mudanças na resiliência é fundamental para a conservação da biodiversidade e do funcionamento dos ecossistemas.
Artigo: Jesús Aguirre‐Gutiérrez, Erika Berenguer et al. Functional susceptibility of tropical forests to climate change. Nat Ecol Evol (2022). https://doi.org/10.1038/s41559-022-01747-6