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Animação alerta para as consequências de confinar a biodiversidade em locais de baixa aptidão agrícola

Imagine que o planeta Terra fosse uma enorme e confortável casa onde vivesse uma família. E que esta família representasse todos os animais, plantas, toda a biodiversidade do mundo. Esta casa então é invadida por um bando de formigas vorazes que se espalham e vão dominando todos os cômodos. A família não vê outra saída a não ser se refugiar no pequeno e desconfortável banheiro.

É a partir desta alegoria que o vídeo Todo mundo morando no banheiro! levanta questões acerca do confinamento da biodiversidade terrestre nas áreas de menor aptidão agrícola. Na metáfora do vídeo, as pessoas “aprisionadas” no banheiro seriam a biodiversidade e as formigas representam a ocupação humana desregrada no planeta.  O vídeo é uma iniciativa do projeto GoFor (Governança da Transição Florestal na Mata Atlântica), da parceria entre o Programa Biota e a agência holandesa NWO.

“Estamos colocando toda a biodiversidade para viver no banheiro”, ilustra Alexandre Martensen, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que divide a coordenação do projeto com René Boot, da Universidade de Utrecht, na Holanda. O banheiro seria as áreas de baixa aptidão agrícola, ou seja, íngremes, pedregosas, de baixa fertilidade. “Será que com a biodiversidade toda confinada ‘no banheiro’ conseguimos preservá-la? E além disso, garantir o funcionamento dos ecossistemas e a provisão dos serviços ecossistêmicos, como a polinização, contenção da erosão do solo, provisão hídrica, que tanto necessitamos?”, provoca Martensen. Essas são algumas perguntas que o projeto se debruça.

O vídeo integra um conjunto de iniciativas de divulgação científica do Projeto, que está atrelado ao Núcleo de Estudos em Ecologia Espacial e Desenvolvimento Sustentável (NEEDS) da UFSCar. O grupo conta com um canal do Youtube, perfis no facebook e no Instagram, além de sempre estar disponível para participar de palestras e entrevistas em veículos de imprensa locais. “É importantíssimo mostrarmos o que fazemos e a importância do que fazemos para sociedade, e uma das formas é por meio da divulgação científica. Acreditamos que isso pode ajudar a reduzir as ameaças que as universidades públicas, o meio ambiente e até a própria ciência vêm sofrendo, como vimos se intensificar  em anos recentes”, justifica o coordenador.

Perdas e ganhos florestais

O projeto GoFor fez análises espaço-temporais da cobertura florestal na bacia do Alto Paranapanema, que cobre uma enorme área no interior do estado de São Paulo. O grupo constatou que as perdas de vegetação nativa são compensadas por um ganho similar de área de floresta em regeneração. Entretanto, os ganhos de cobertura vegetal não ocorrem em locais equivalentes, eles estão se deslocando ao longo do tempo para áreas de menor aptidão agrícola, ou seja para o “banheiro”.

Um exemplo é no alto Paranapanema onde na década de 80 tínhamos  25% de vegetação nativa, e atualmente temos 24%. “A perda aparente é de 1%, porém dos anos 80 pra cá perdemos 15% de vegetação nativa por década, e temos ganhos similares, que compensam em grande parte essa perda. Porém, não é a mesma vegetação, trocamos por uma vegetação mais nova e em outros locais! Esta recuperação ocorreu em áreas de baixa aptidão agrícola, ou seja, são florestas que estão custando a se regenerar, e mesmo quando se recuperam, será que estão conseguindo sustentar a biodiversidade? Será que conseguem sustentar os serviços ecossistêmicos?”, explica Martensen.

Este quadro se repete em todo estado de São Paulo e em boa parte da região Tropical do planeta.“Perdemos floresta nas áreas onde o solo é de melhor qualidade e agricultável e ganhamos nas áreas mais declivosas, alagadas, ou pedregosas. Porém, nem todas as espécies são adaptadas para crescerem em áreas alagadas ou pedregosa” complementa Martensen. Os efeitos disso para a provisão de serviços ecossistêmicos ainda são desconhecidos.

Os pesquisadores do projeto entendem que, para avançar com a conservação da biodiversidade, e garantir a multifuncionalidade de paisagens rurais, é preciso criar alternativas para que o proprietário rural tenha vantagem econômica. “Seja por um incentivo fiscal, ou através do pagamento por serviços ecossistêmicos, ou por uma certificação verde, pelo uso de produtos não madeireiros da floresta, é preciso que a multifuncionalidade da propriedade seja vantajosa financeiramente para o produtor rural. Isso facilitará muito o planejamento e o manejo de paisagens”, explica Martensen.

“Ficar só no banheiro não é viável em longo prazo. Precisamos de um pedacinho do quarto para dormir, da sala para conviver, da cozinha para cozinhar. Assim, vamos criando uma paisagem multifuncional mais eficiente para a manutenção dos serviços ecossistêmicos e mais resilientes às mudanças climáticas. Isso por si já é de importância muito grande”, finaliza Martensen.