Scroll Top

Florestas que se movem

De acordo com o Relatório da ONU sobre Degradação e Restauração da Terra, menos de um quarto da superfície terrestre da Terra permanece livre de impactos humanos substanciais. Estas atividades humanas são movidas por aspectos culturais, sociais, econômicos e naturais que, por fim, configuram vetores de transformação da paisagem ao longo dos anos. O resultado é um dinamismo dos elementos da paisagem que surgem, desaparecem, ressurgem, avançam e recuam ao longo do tempo. Mas em que medida essa movimentação garante a conservação da biodiversidade e o provimento e a distribuição justa dos serviços ecossistêmicos?

Foto: NEEDS – Núcleo de Estudos em Ecologia Espacial e Desenvolvimento Sustentável

O projeto GoForest (“Governança da transição florestal na Mata Atlântica: aumentando nosso conhecimento sobre a recuperação florestal e os serviços ecossistêmicos”), aprovado no edital NWO-Biota/Fapesp, vai avançar neste tema sob uma perspectiva socioeconômica, ecológica e política. A região de estudo  é o Alto Paranapanema, no sudoeste do estado de São Paulo. “A ideia é identificar barreiras e oportunidades para a recuperação da Mata Atlântica por meio de sistemas socioecológicos que impulsionam a expansão florestal e o provimento de diferentes serviços ecossistêmicos na paisagem”, como explica Alexandre Martensen, do Núcleo de Estudos em Ecologia Espacial e Desenvolvimento Sustentável (NEEDS), do campus Lagoa do Sino da UFSCar, e coordenador do projeto pelo lado brasileiro. Além disso, o projeto também vai explorar quais seriam os ambientes políticos e econômicos que facilitariam o desenvolvimento de potenciais incentivos para a restauração florestal.

Historicamente vimos as florestas serem substituídas por pasto, agricultura e áreas urbanas. A Mata Atlântica, que já representou 15% de todo território brasileiro, ocupa hoje menos de 12,4% da sua área original, distribuída em fragmentos de diferentes tamanhos e características. Mais recentemente observou-se um tímido aumento das áreas de matas nativas, que coincidem com áreas com menor aptidão agrícola, como encostas de morros e áreas alagáveis. Isto traz dificuldade na preservação da biodiversidade e na manutenção dos serviços ecossistêmicos.

Na bacia do Alto Paranapanema, por exemplo,  em 1980 havia aproximadamente 25% de florestas nativas. Hoje, a região conta com 24% de área florestada nativa.  “Em termos brutos, perdemos 1% da floresta. Ao olharmos no detalhe, veremos que ao longo deste período perdemos de 10 a 20% de floresta nativa por década e ganhamos mais ou menos a mesma proporção no mesmo período  através da regeneração natural. São áreas diferentes tanto em termos de composição de espécies quanto de localização. É um patchwork muito dinâmico”, explica Martensen.

A proposta do GoForest é trazer evidências que suportem a governança dos serviços ecossistêmicos em paisagens antrópicas para apoiar os esforços de restauração e da produção de múltiplos benefícios nestas paisagens. Para isso, é necessário uma melhor compreensão dessas paisagens dinâmicas, especialmente de como a biodiversidade está distribuída, como os ecossistemas estão funcionando e consequentemente como os serviços estão distribuídos no tempo e no espaço.

O projeto irá medir uma série de parâmetros para entender como esses ecossistemas estão funcionando. O componente socioeconômico do projeto buscará avaliar os impactos das regiões regeneradas, sobretudo as motivações dos proprietários para abandonarem a área ou reflorestarem a mesma visando modelar estes elementos, como explicou Anna Duden, pós-doutoranda do projeto pela Universidade de Utrecht (Holanda). “Entender como os envolvidos percebem o sistema no qual estão inseridos e quais os problemas relacionados é peça-chave para interpretar as suas escolhas”, completa a pós-doutoranda que pretende se debruçar sobre os valores, interesses, necessidades e expectativas por meio da Teoria dos Jogos. Esta perspectiva combina análise de estratégias nas quais os “jogadores” escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu retorno.

“As transições florestais, como as que ocorrem na Mata Atlântica no Brasil, são um tema complexo de pesquisa que envolve diversos atores. Por meio de pesquisas internacionais e interdisciplinares, podemos aumentar o entendimento acadêmico e otimizar ainda mais os modelos”, afirma René Verburg, da Universidade de Utrecht, e coordenador do projeto juntamente com Renier Boot, pelo lado holandês.

Os sons da floresta

Gravador autônomo utilizado para registrar aves, anfíbios, morcegos e primatas. Foto: NEEDS – Núcleo de Estudos em Ecologia Espacial e Desenvolvimento Sustentável

O grupo da UFSCar realiza diversas medições de biodiversidade e de serviços ecossistêmicos, como por exemplo, os relacionados à quantidade e a qualidade da água. Gravadores distribuídos por fragmentos de mata em diferentes estádios sucessionais captam sons dos animais ao longo do dia e da noite. Posteriormente, as espécies são identificadas por meio de inteligência artificial.

“As espécies que estão vocalizando nos locais têm a sua ‘assinatura’ e as identificamos por meio da inteligência artificial”, explica Alexandre Uezu do IPÊ e pesquisador do projeto. A metodologia de paisagens sonoras (sound scape) já é conhecida dos pesquisadores e consiste basicamente em gravar os sons da floresta e avaliar a diversidade desses sons, como indicador da diversidade biótica dos locais. A novidade é o volume de dados que será coletado e os algoritmos mais avançados de inteligência artificial que permitem a individualização das espécies. Antes essa coleta dependia do pesquisador ir ao campo com um gravador e encontrar especialistas para ajudar a identificar as vocalizações de aves, primatas, anfíbios e morcegos. Agora, os pesquisadores vão ensinando ao sistema qual é o som de cada espécie, criando um banco de dados robusto e capaz de identificar um volume cada vez maior de ocorrência de espécies, de maneira padronizada e concomitantemente entre diferentes locais.

Saiba mais sobre a revolução digital na coleta de dados de campo na reportagem da Revista Pesquisa Fapesp “As máquinas que fazem da biologia uma ciência de grandes números”, de Carlos Fioravante, que contou com a participação de membros do GoForest.

Sobre a parceria NWO – Biota

As pesquisas, realizadas em colaboração entre instituições de São Paulo e dos Países Baixos, foram aprovadas em uma chamada de propostas lançada em 2018 pela FAPESP e pelo NWO – como parte de um esforço conjunto das agências de fomento para auxiliar na identificação dos principais resultados de pesquisas nessa área, bem como na comunicação para outros públicos interessados, seja na área acadêmica ou em outros setores da sociedade.

Quatro projetos de pesquisa financiados pela FAPESP, no âmbito do Programa BIOTA, e pela Organização Neerlandesa para a Pesquisa Científica (NWO) vão avaliar os serviços ecossistêmicos fornecidos pela Mata Atlântica no Estado de São Paulo, entre eles a proteção da biodiversidade e dos recursos hídricos. Um dos objetivos é estudar o funcionamento das florestas surgidas nas últimas décadas, por conta de iniciativas de restauração ou mesmo da regeneração natural de áreas abandonadas. Com base no conhecimento gerado, busca-se contribuir para a restauração do bioma, atualmente com apenas 12% de sua área original.