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Descobrindo os mixozoários de peixes amazônicos

Enigmáticos, controversos, complexos, e diversos. Essas são algumas palavras que definem o curioso grupo dos mixozoários (Myxozoa).

 

Os mixozoários são endoparasitos obrigatórios, cujo o ciclo de vida envolve vertebrados, principalmente peixes, como hospedeiros intermediários e invertebrados, anelídeos e briozoários como hospedeiros definitivos, e englobam grande diversidade, com mais de 2400 espécies conhecidas.

Esporos de Myxobolus sp. das branquias de Corydoras melini do rio negro. (c) Edson Adriano.
Esporos de Myxobolus sp. das branquias de Corydoras melini do rio negro. (c) Edson Adriano.
Pasmódio de Myxidium amazonense (filamentos) no interior da vesicula biliar de Corydoras melini. (c) Edson Adriano.

 

 

 

 

 

 

 

A sistemática deste grupo tem sido, nas duas últimas décadas, objeto de muitos estudos, com grandes alterações e longas discussões filogenéticas. Neste período, a classificação destes parasitos transitou entre os Reinos Protozoa e Animalia, e até aqui compunham um Filo exclusivo, o Myxozoa. Recentemente, evidências morfológicas e moleculares revelaram que os mixozoários tiveram origem a partir de cnidários, permitindo assim, o reposicionamento deste grupo no Filo Cnidaria. Portanto, a designação de Filo Myxozoa deve, em curto prazo, cair em desuso.

No âmbito do Programa Biota, um dos projetos que se debruça sobre este interessante grupo de organismos é liderado pelo Dr. Edson Aparecido Adriano, do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF), da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/Diadema). “Nosso grupo de pesquisa vem desde 2000 trabalhando com os olhos voltados para os mixozoários, com foco para várias bacias hidrográficas (Paraná/Paraguai, Araguaia/Tocantins, São Francisco, e Amazônica)”, explica Dr. Edson. O projeto, intitulado Sistemática e interação parasito-hospedeiro de parasitos do filo Myxozoa em peixes de importância econômica da Bacia Amazônica que foi recentemente finalizado, teve como objetivo estudar a diversidade e interação entre os mixozoários e seus hospedeiros peixes da Região Amazônica.

O Brasil é um dos países com maior diversidade de peixes do mundo, sendo que muitas das espécies aqui encontradas são de grande importância econômica, tanto para a produção de alimento quanto para o mercado de ornamentais. As parasitoses, principalmente em sistemas de criação, têm consequências importantes, mas que muitas vezes não são tão evidentes, como a diminuição da eficiência de assimilação de alimento, influenciando na taxa de crescimento e em outros casos, levando a diminuição do valor do produto final para a comercialização. “O estudo de mixozoários parasitos de peixes é uma área pouco explorada em nosso meio científico, com pouco conhecimento sobre a diversidade encontrada infectando os peixes da nossa fauna, mesmo aquelas espécies de peixes de grande apelo comercial”, completa Adriano.

Pasmódio de Myxidium amazonense (filamentos) com esporos no interior. (c) Edson Adriano.

No caso do mercado de peixes de aquário, cerca de 400 milhões de espécimes são comercializados anualmente no mundo. Quando tratamos de espécies ornamentais de água doce, o maior número de espécies é capturado diretamente em seus ambientes naturais e a Bacia Amazônica é a principal área de coleta. Estima-se que o Brasil exportou 100 milhões de animais entre 2002 e 2005, a grande maioria  oriunda do Estado do Amazonas, que responde por 93% do mercado de peixes ornamentais no país. Na pesquisa do grupo da UNIFESP, os peixes ornamentais estudados foram o cardinal (Paracheirodon axelroldi), néon (Paracheirodon innesi), borboleta (Carnegiella strigata), coridora (Corydoras spp), acara disco (Symphysodon discus). Já os peixes para o consumo humano estão incluídos tambaqui (Colossoma macropomum), pirapitinga (Piaractus brachypomum), curmatã (Prochilodus nigricans), dourada (Brachyplatystoma rousseauxii), piraíba (Brachyplatystoma filamentousum), surubim, caparari (Pseudoplatystoma spp.), pirarara (Phractocephalus hemilipterus) e jundiá da Amazônia (Leiarius marmoratus).

Doutorando Julio Aguiar, da Unicamp, com um exemplar de Piraiba coletado no Rio Solimoes. (c) Edson Adriano.
Doutorando Julio Aguiar, da Unicamp, com um exemplar de Piraiba coletado no Rio Solimoes. (c) Edson Adriano.

Na pesquisa, os peixes foram coletados em seus ambientes naturais por pescadores da região, e, no caso, das espécies que já são criadas em sistemas fechados, foram coletadas diretamente em pisciculturas. Os estudos de sistemática envolveram análises morfológicas e moleculares e o estudo da interação parasito-hospedeiro foi abordada por duas perspectivas: análises ultra estruturais e histopatológicas. Os peixes ornamentais foram capturados na região de Manaus (AM) e os peixes importantes para o mercado de alimento foram obtidos nas regiões de Manaus (AM) e Santarém (PA).

O envolvimento das comunidades ribeirinhas foi um elemento chave para o desenvolvimento do trabalho, conforme relata Adriano “o sucesso do trabalho dependia, necessariamente, do engajamento de pessoas da comunidade, visto que as coletas seriam feitas pelos pescadores da região. Isso não foi muito fácil nos primeiros contatos, mas depois de contornados os problemas iniciais, a interação foi bastante produtiva”.

Os mixozoários são organismos que apresentam grande especificidade de hospedeiro, o que, em um ambiente de grande diversidade de peixes, como o bioma Amazônico, nos leva a crer na existência de grande diversidade destes parasitos ainda não conhecida pela ciência. Os resultados obtidos corroboram esta ideia, revelando várias novas espécies, algumas já descritas em publicações recentes, e outras ainda em fase final de preparação para publicação. Alguns resultados apontam inclusive, para importantes alterações no entendimento das relações filogenéticas de determinados grupos de mixozoários, sendo que alguns foram pela primeira vez registrados infectando peixes de água doce.

Foto Tabalho no laboratorio de campo em Satantarém. (c) Edson Adriano.
Foto Tabalho no laboratorio de campo em Satantarém. (c) Edson Adriano.

A equipe que conduziu este estudo incluiu, além dos pesquisadores da Unifesp, integrantes colaboradores do Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas-ICTA/Universidade Federal do Oeste do Pará/UFOPA (Santarém, PA), da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos/USP (Pirassununga), da Oregon State University (EUA) e do Natural History Museum British (Reino Unido). O projeto também formou mestrandos, doutorandos e pós-doutores na UNIFESP/Diadema UNICAMP, USP/Pirassununga e UFOPA.

 

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