A alimentação desempenha um papel essencial na vida de todos os animais, afetando seu comportamento, seu período de atividade e o modo como utilizam o ambiente ao seu redor. Assim, desvendar o hábito alimentar de diferentes animais, como as serpentes, por exemplo, é uma maneira importante de entender melhor as relações entre as espécies e entre elas e os ecossistemas em que elas vivem. Apesar da importância do conhecimento da dieta para estudos ecológicos, as informações sobre os hábitos alimentares de serpentes na região Neotropical ainda são limitadas, com poucos dados sobre os tipos de presas consumidas por cada uma das espécies, o ambiente utilizado e o período de atividade. Em estudo publicado na revista Biota Neotropica pesquisadores buscam compreender os hábitos alimentares das cobras-papagaio, uma espécie não venenosa encontrada na região Amazônica.
“Embora relatos gerais afirmem que essa espécie se alimenta de ovos de aves, lagartixas, sapos hilídeos e pássaros jovens, alguns aspectos básicos de sua história natural, incluindo seus hábitos alimentares, ainda são pouco conhecidos”, explicam Nelson Albuquerque e Roullien Martins, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e autores do artigo, “o objetivo deste trabalho é relatar os hábitos alimentares da cobra-papagaio, abordando também a seguinte questão: existem diferenças no tamanho dos itens de presa ingeridos por machos e fêmeas dessa espécie?”.
Os autores analisaram o conteúdo estomacal de 50 indivíduos que já estavam armazenadas em oito coleções herpetológicas e foram coletadas no norte do Brasil, Peru, Equador e Colômbia e concluíram que a cobra-papagaio é especializada em se alimentar de anuros (sapos, rãs e pererecas), em especial, do gênero Scinax, um dos mais abundantes na Bacia Amazônica.
“Nossos resultados sugerem que as cobras-papagaio parecem manipular as presas capturadas antes de ingeri-las, pois 68% das presas foram consumidas com a cabeça para baixo”, explicam os autores, “além disso, o consumo de ovos de rã não apenas sugere visitas a vários ninhos, mas também pode refletir a ocorrência da espécie tanto em habitats no nível do solo quanto em arbóreos”.
Com relação ao tamanho das presas, os autores analisaram que as fêmeas consomem presas maiores que os machos. A utilização de presas de tamanhos diferentes por machos e fêmeas pode diminuir a competição por alimento, especialmente em espécies com grande diferença de tamanho corporal, no entanto, os pesquisadores não encontraram diferenças significativas entre o tamanho dos machos e das fêmeas da cobra-papagaio. “É desejável realizar mais estudos para entendermos melhor se a espécie estudada compartilha recursos alimentares com outra espécie do mesmo gênero que também é especializada em comer anuros e para verificar por que as fêmeas consomem presas maiores do que os machos”, concluem os autores.
Artigo completo
ALBUQUERQUE, N.R., MARTINS, R.H. Diet and feeding behavior of the parrot snake Leptophis nigromarginatus (Günther, 1866) (Serpentes, Colubridae). Biota Neotropica 24(3): e20241650. https://doi.org/10.1590/1676-0611-BN-2024-1650