O nitrogênio é um elemento muito importante para os seres vivos pois faz parte da composição de várias moléculas, como as proteínas, por exemplo. Esse elemento está presente em grande quantidade na atmosfera e sua disponibilidade para os seres vivos depende de processos que auxiliem a sua fixação biológica: o ciclo biogeoquímico do nitrogênio. O papel dos microorganismos nesse processo é bastante conhecido, agora um novo estudo na Mata Atlântica encontrou que grande vertebrados (como antas e queixadas), e as espécies frutíferas das quais eles se alimentam, controlam o ciclo do nitrogênio nesse ambiente.
O estudo publicado na revista Functional Ecology foi fruto de um experimento de longa duração, iniciado em 2010, e parte do Programa Biota/Fapesp. Os pesquisadores cercaram várias parcelas na Floresta Atlântica por 10 anos impedindo a entrada desses grandes animais e compararam com parcelas abertas contíguas. “Esse desenho experimental permitiu isolar o impacto dos grandes vertebrados sem interferir nas relações das espécies que vivem nas árvores, pequenos animais e invertebrados”, explica um dos autores, Nacho Villar da UNESP Rio Claro e do Netherlands Institute of Ecology. “Os resultados foram impressionantes: em parcelas abertas a quantidade de amônio no solo foi 95% maior do que na parcelas onde os grandes mamíferos não tem acesso”.
A quantidade de amônio no solo é resultante do processo de decomposição de matéria orgânica no solo, portanto, nas parcelas abertas há mais matéria orgânica em decomposição e, consequentemente, mais nitrogênio disponível para outra fase do ciclo do nitrogênio: a nitrificação. No processo de nitrificação os microorganismos convertem o amônio do solo em substâncias (especialmente o nitrato) que as plantas conseguem absorver, fazendo com que o nitrogênio entre na cadeia alimentar.
“Outro ponto importante foi a descoberta que a disponibilidade de nitrogênio aumenta com a abundância de palmeiras”, explica Villar, “as taxas de nitrificação, um processo microbiológico fundamental que aumenta a disponibilidade de nitrogênio para as plantas, aumentou com o número de palmeiras, mas somente onde os grandes mamíferos tinham acesso livre”.
As palmeiras são recursos chave em muitas florestas tropicais e esse estudo reforça a noção de que as palmeiras atuam como espécies fundadoras em florestas Neotropicais, estruturando os processos ecossistêmicos junto com os mamíferos que se alimentam de seus frutos.
Contrário à ideia de que o nitrogênio é homogeneamente abundante nas florestas tropicais, os resultados mostraram que a disponibilidade de nitrogênio varia em até duas ordens de magnitude entre diferentes locais. “Nós comprovamos que grandes frugívoros reduziram essa variação espacial já que eles transportam e redistribuem nitrogênio ao longo de grandes áreas, enriquecendo locais mais deficientes nesse nutriente e provavelmente incentivando a produtividade primária”, explica Villar, o que levou os pesquisadores a introduzir o conceito de “sítios de frutificação”, que seriam as regiões da floresta onde a ciclagem do nitrogênio é induzida pelos grandes frugívoros e onde existiria uma retroalimentação positiva na produção de frutos e liberação de nitrogênio no solo.
Os resultados sugerem que a extinção dos grandes frugívoros tropicais pode ter efeito na dinâmica global de ciclagem de carbono e nutrientes essenciais, e tem implicações importantes para o entendimento sobre as interações entre plantas e herbívoros e sobre como a biodiversidade é mantida em florestas tropicais.
O artigo completo pode ser acessado em: Villar, N., Paz, C., Zipparro, V., Nazareth, S., Bulascoschi, L., Bakker, E.S., Galetti, M. (2020). Frugivory underpins the nitrogen cycle. https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1365-2435.13707