André Julião | Agência FAPESP – O Arquipélago de Alcatrazes, no litoral norte de São Paulo, foi por muitos anos fechado ao público. Em 2018, a área marinha foi aberta para visitas embarcadas e para mergulho, dois anos depois de ganhar o status de Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago de Alcatrazes. A abertura para os turistas foi acompanhada de uma grande expectativa, uma vez que o local potencialmente teria uma grande diversidade de vida marinha ainda inexplorada.
Um estudo mostrou que, apesar da grande biodiversidade, a experiência dos mergulhadores em Alcatrazes não foi tão satisfatória como em outras áreas menos protegidas e supostamente com menos vida marinha, como a Ilha da Queimada Grande, no litoral sul de São Paulo. Os resultados, publicados na revista Ocean and Coastal Management, trazem à tona relevantes questões para pesquisadores, operadores de turismo e gestores das unidades de conservação.
“O estudo nasce da tentativa de saber se existe diferença na experiência do visitante de áreas marinhas de acordo com os diferentes graus de proteção. Queremos ainda saber o que pode ser feito para melhorar a qualidade dessa visita”, diz à Agência FAPESP Fabio Motta, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp), em Santos, que coordenou o estudo.
A pesquisa integra o projeto “Ciência aplicada à gestão do uso público e fronteiras do conhecimento de Áreas Marinhas Protegidas”, financiado pela FAPESP no âmbito do Programa BIOTA O estudo contou ainda com a participação do bolsista de pós-doutorado Vinicius Giglio, também da Unifesp, um dos coautores do artigo.
O grupo de pesquisadores aplicou questionários a 456 mergulhadores em três áreas marinhas protegidas do litoral paulista com diferentes graus de proteção e contextos de gestão. Além do Refúgio de Alcatrazes, de uso público recente e mais restritivo, foram avaliadas as experiências de mergulho na Ilha da Queimada Grande (que integra a Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Centro) e no Parque Estadual Marinho da Laje de Santos. As duas últimas recebem usuários há vários anos e possuem menos restrições à visitação.
“Partimos do pressuposto de que quando uma área marinha protegida se propõe a receber visitantes, além de fatores ecológicos, como diversidade de espécies e biomassa de peixes, é importante que ela ofereça bem-estar humano. Esse é um efeito pouco compreendido em âmbito global, mas importante do ponto de vista da conservação”, explica o pesquisador, que coordena na Unifesp o Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (LABECMar).
O questionário abordava o perfil do mergulhador (gênero, faixa etária, escolaridade e renda), grau de experiência em mergulho, organismos marinhos preferidos, motivações e satisfação. A hipótese dos pesquisadores era que áreas mais restritivas gerassem maior satisfação, uma vez que cumpririam uma expectativa dos usuários por grande biodiversidade.
A média de satisfação foi alta para as três áreas protegidas. Um exame mais atento dos resultados, porém, mostrou algumas particularidades de cada localidade e das motivações dos mergulhadores.
Questão de expectativa
“No caso do Refúgio de Alcatrazes, o fato de a área ter a pesca proibida e ter ficado restrita por 30 anos a uso exclusivo da Marinha – que realizava exercícios de tiro no local – gerou uma grande expectativa de se encontrar grandes peixes, tubarões e raias. No entanto, estar aberta há tão pouco tempo faz com que ainda não se saiba quais os melhores pontos para mergulho e se tenha acesso a esses animais, por exemplo, o que afeta a experiência”, afirma Motta.
Na Ilha da Queimada Grande, contribui para a satisfação dos mergulhadores a maior motivação relatada por eles de “escapar da rotina, relaxar”. Portanto, sem a grande expectativa encontrada pelos usuários de Alcatrazes. No caso da Laje de Santos, contribui ainda o acesso facilitado para moradores da capital paulista, maior cidade da América do Sul, que podem ir e voltar ao parque no mesmo dia.
Para os pesquisadores, o levantamento mostra a importância de monitorar os usos das áreas protegidas, a fim de promover um aperfeiçoamento constante. Com a retomada das atividades turísticas nessas áreas, os questionários continuarão a ser aplicados, com o acréscimo de novas perguntas. O objetivo é obter novas informações que possam ser úteis na gestão das áreas e no aprimoramento das operadoras de turismo.
Como recomendações, o grupo sugere uma melhor comunicação das empresas de mergulho sobre o contexto de Alcatrazes, a fim de ajustar as expectativas dos visitantes. Além disso, relembram a necessidade de valorizar a beleza cênica das ilhas, independentemente da experiência de mergulho.
Para a Laje de Santos, o grupo recomenda a realização de um estudo para aferir a capacidade de carga social por ponto de mergulho, que é a percepção de aglomeração – algo que influencia sobremaneira a satisfação dos mergulhadores. Enquanto em Alcatrazes há um guia para cada seis usuários, na Laje de Santos um monitor pode guiar até 20 mergulhadores.
Por fim, para a Ilha da Queimada Grande, medidas de ordenamento visando harmonizar os diferentes usos (pesca e mergulho) poderiam atrair mais visitantes, inibir a pesca ilegal e diminuir o impacto humano causado no local.
“Em áreas protegidas, o mergulho tem de ser feito com segurança e com o mínimo impacto ambiental. É importante ainda que ele cumpra um papel de educação, de levar informação ambiental. Os usuários satisfeitos vão poder multiplicar a mensagem da conservação”, encerra Motta.
O artigo Does quality of scuba diving experience vary according to the context and management regime of marine protected areas?, de Marina Marconi, Vinicius J. Giglio, Guilherme H. Pereira Filho e Fabio S. Motta, pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0964569120301563.
A reportagem original publicada pela Agência Fapesp pode ser encontrada em: https://agencia.fapesp.br/grau-de-protecao-de-areas-marinhas-influencia-satisfacao-de-mergulhadores/35091/