Pesquisa descreve os padrões de estrutura de comunidades para áreas alteradas e preservadas, o que possibilitou a descrição de padrões previsíveis de alteração das comunidades como resposta à perturbação.
Como compreender a evolução de um conjunto de populações de diversas espécies que habitam uma mesma região num determinado período, ou seja, de uma comunidade? Como estas comunidades variam em diferentes ambientes? E diante de uma perturbação? Alguns grupos são mais prejudicados do que outros ou todos são igualmente afetados?
Combinar a ecologia de comunidades de lepidópteros e a sua conservação foi o mote do auxílio pesquisa regular “História natural, filogenia e conservação de lepidópteros neotropicais”, no âmbito do Edital Biota/Fapesp para projetos na área de taxonomia, sistemática e filogeografia. A pesquisa foi desenvolvida entre 2011 e 2014, e foi coordenada por André Victor Lucci Freitas, do LABBOR – Laboratório de Ecologia e Sistemática de Borboletas (Instituto de Biologia/Unicamp) juntamente com os pesquisadores Marcelo Duarte (Museu de Zoologia da USP) e Karina Brandão (CENA-USP).
O projeto foi estruturado com a articulação de três linhas de pesquisa usando borboletas e mariposas como modelos. São essas: 1) Sistemática, taxonomia e filogeografia; 2) Evolução das interações multitróficas entre borboletas e formigas; e 3) Estrutura filogenética de comunidades e conservação. A ideia foi compreender melhor a evolução das borboletas e mariposas pela perspectiva dos estudos de comunidade e de conservação. Um dos objetivos, por exemplo, foi investigar se diferentes florestas com diferentes níveis de conservação suportam diferentes comunidades de lepidópteros, e quais espécies são perdidas quando há degradação do habitat destes animais. Para isso, os pesquisadores do projeto estudaram diversas localidades do Brasil, na Amazônia, em partes do Cerrado, e na Mata Atlântica em toda sua extensão, desde a Paraíba até Rio Grande do Sul, incluindo neste estudo todos os tipos de formações vegetais (degradadas ou não).
Dentre os resultados obtidos, além de trabalhos de filogenia e filogeografia de diversos grupos, o projeto conseguiu descrever os padrões de estrutura de comunidades para áreas alteradas e preservadas, o que possibilitou a descrição de padrões previsíveis de alteração das comunidades como resposta à perturbação (isto é, quais grupos vão aumentar e quais vão diminuir). “Já sabemos que, em uma condição de alteração do sub-bosque, as borboletas e mariposas do dossel, ou seja, aquelas que aguentam melhor o calor, sol e vento, aumentam e invadem o sub-bosque. As espécies do sub-bosque preferem mais sombra, temperaturas mais amenas e maior umidade. Assim, quando o sub-bosque é alterado, suas condições se aproximam àquelas do dossel. Logo, as espécies do dossel ocupam as áreas mais baixas, tornando o ambiente, que anteriormente era mais estratificado e rico, mais homogêneo”, explica André Freitas.
Com estas informações é possível traçar um plano de monitoramento, diagnóstico e, inclusive, restauração, todos com base em conhecimento de lepidópteros. Sim, as pesquisas mostraram que a restauração das florestas favorece a reestruturação das comunidades de borboletas e mariposas que foram reduzidas em decorrência da perturbação.
Estes dados reforçam o potencial uso as borboletas e mariposas como indicadores ambientais mais precisos e valiosos do que se imaginava.
O Programa Biota, as borboletas e as mariposas
Desde o primeiro conjunto de projetos aprovados pelo Programa Biota/Fapesp sempre houve pelo menos um projeto que tratasse dos lepidópteros. Temas como história natural, diversidade, sistemática, biogeografia, filogenia, distribuição de recursos, monitoramento ambiental e conservação, entre outros, relacionados com lepidópteros, já foram pesquisados no âmbito do Programa.
“Os projetos sempre foram complementares e engrenados, o que dificulta delimitar as fronteiras de cada projeto, e logo os impactos específicos de cada um deles” explica o coordenador. Assim, Freitas fica mais à vontade falando dos impactos da linha de pesquisa sobre lepidóptera no Programa.
O grupo de pesquisadores de lepidópteras já contribuiu na construção da lista de espécies ameaçadas e atuou na consolidação do plano de ação para conservação dos lepidópteros ameaçados de extinção, em conjunto com ICMBio, o qual prevê metas e dentro de uma matriz de planejamento com agenda nacional de conservação de lepidópteros. Foram quatro anos de trabalho para a preparação deste plano.
O grupo também colaborou na organização do “Guia de Identificação de Tribos de Borboletas Frugívoras”[1] uma publicação do ICMBio em parceria com o GIZ. Este trabalhou possibilitou o treinamento de parataxonomistas em diversas UCs do Brasil, para uso de borboletas como indicadores na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica.
Além disso, Freitas contabiliza o treinamento de pelo menos 50 pesquisadores e alunos em diferentes níveis de formação, tanto do Brasil quanto do exterior, que visitaram seu laboratório para aprender diversas técnicas, desde identificação de borboletas, até técnicas de uso armadilhas, realização de inventários padronizados, além de técnicas de curadoria de coleções. “Os próprios alunos formados nos projetos ajudaram na instrução dos novos pesquisadores e alunos visitantes”.
Em relação à formação de pesquisadores, é difícil estimar com precisão ao longo destes 14 anos de atuação dentro do Programa. Somente diretamente ligados ao auxílio pesquisa que Freitas coordenou foram 4 alunos de iniciação científica, 4 de treinamento técnico, 4 mestrados, 5 doutorados e 4 pós-doutorados.
O projeto ajudou a consolidar a RedeLep (Rede Nacional de Pesquisa e Conservação de. Lepidópteros) no âmbito do SISBIOTA-Brasil/CNPq, e consseguiu trazer 4 pesquisadores visitantes do exterior para participarem em disciplinas, ministrarem palestras e participarem diretamente em projetos do grupo de pesquisa da Unicamp.
O principal responsável pela criação e consolidação desta linha de pesquisa sobre lepidópteros no Programa Biota foi o Prof. Dr. Keith Brown (Departamento de Zoologia da UNICAMP), hoje com 77 anos. “Além da pesquisa de alta qualidade, o principal legado do Prof. Brown foi, sem dúvidas, a formação de pesquisadores. Eu me considero produto desta linha de pesquisa e procuro dar continuidade ao que aprendi”, reconhece Freitas.
André Freitas atualmente é um dos coordenadores do Programa Biota. “Eu acredito no Programa Biota. É um espaço que oferece uma grande oportunidade para a comunidade científica se expressar por meio dos Simpósios, Reuniões de Avaliação, workshops específicos os quais possibilitam além da integração e de bons contatos, oportunidades de se discutir as lacunas do conhecimento e de se propor novos estudos. Os pesquisadores devem se aproveitar destas oportunidades e participar mais destes espaços.” Outra vantagem que vislumbra no Programa é o Biota Educação – centrado palestras educativas voltadas para professores e alunos do ensino médio – que geralmente é muito rico e aproxima a universidade e a escola, mostrando que existe muito a ser trocado entre estas duas comunidades.
[1] Realizado pelo Projeto “Monitoramento da Biodiversidade com Relevância para o Clima em nível de UC, considerando medidas de adaptação e mitigação”. É um projeto do governo brasileiro, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), no contexto da Cooperação Brasil-Alemanha, no âmbito da Iniciativa Internacional de Proteção ao Clima (IKI), do Ministério Federal do Meio Ambiente, da Proteção da Natureza e da Segurança Nuclear da Alemanha (BMU). Prevê apoio técnico através da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH.