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Políticas de mitigação e adaptação sobre biodiversidade e mudanças climáticas devem caminhar juntas

As mudanças climáticas e a perda de biodiversidade são duas das questões mais urgentes do Antropoceno. Ignorar a natureza inseparável da crise climática, da crise de biodiversidade e a qualidade de vida da humanidade é trilhar um caminho que com certeza levará ao insucesso, colocando a própria sobrevivência do homem em risco. Ambas as crises têm impactos predominantemente negativos sobre o bem-estar humano e a qualidade de vida. Assim, limitar o aquecimento global para garantir um clima habitável e, simultaneamente, proteger a biodiversidade seria uma típica situação ‘ganha-ganha”.

Amanhecer na raia olímpica da USP, em São Paulo. Árvores à frente do quadro com prédios ao fundo cobertos com névoa.
Foto: Alex Ricardo Avelino – Concurso Biota 20 anos.

O aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera leva a um aumento da temperatura média do planeta, altera regimes de precipitação, aumenta a frequência de eventos climáticos extremos e leva à acidificação de ambientes aquáticos, todos impactos que afetam negativamente a biodiversidade. Reciprocamente, as mudanças em biodiversidade afetam o sistema climático, especialmente através de seus impactos sobre os ciclos de nitrogênio, carbono e água. Estas interações podem gerar feedbacks complexos entre o clima, a biodiversidade e os seres humanos, e podem produzir resultados imprevisíveis se a base científica não for utilizada como subsidio para a tomada de decisão.

Nos últimos 150 anos a transformação sem precedentes do uso da terra, da água doce e das paisagens marinhas, a consequente destruição de habitats, a superexploração de recursos naturais, as espécies exóticas, a poluição, as mudanças climáticas e o aumento do consumo de energia praticamente aniquilam os avanços tecnológicos que melhoraram significativamente a qualidade de vida do homem. Uma sociedade sustentável requer tanto um clima estabilizado como a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos preservados.

No entanto, 77% da superfície terrestre (excluindo a Antártica) e 87% das áreas oceânicas já foram substancialmente alteradas pelos efeitos das atividades humanas. Estas mudanças estão associadas com a perda de 83% da biomassa de mamíferos, e metade da das plantas. Os animais relacionados à pecuária e os seres humanos representam atualmente quase 96% de toda a biomassa de mamíferos na Terra, e temos mais espécies ameaçadas de extinção do que nunca antes na história da humanidade. A mudança climática interage cada vez mais com estes processos e, a partir de 2050, será a principal causa da perda de biodiversidade e serviços ecossistêmicos. A combustão de combustíveis fósseis e a liberação de gases de efeito estufa pela indústria, pela agropecuária e especialmente a pecuária, já elevou a temperatura média da terra em mais de 1 oC nos últimos 150 anos. As emissões continuam subindo de forma alarmante como comprovou o novo relatório do Grupo 1 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, publicado no início de agosto de 2021.

Embora haja um reconhecimento nos círculos científicos que as duas crises estão interligadas, na prática da definição de políticas de mitigação e adaptação elas são abordadas isoladamente. A comunidade de pesquisa dedicada a investigar o sistema climático é um pouco, mas não completamente, distinta da que estuda a biodiversidade. Cada uma tem a sua própria Convenção (a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática e a Convenção sobre a Diversidade Biológica), cada uma tem um órgão intergovernamental que avalia o conhecimento disponível [o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) e a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES)].

Esta separação funcional cria o risco de que a tomada de uma decisão vista como a solução de uma das crises possa, inadvertidamente, impactar negativamente nas soluções da outra crise. A comunidade científica vem trabalhando há algum tempo em sinergias e trocas entre o clima e a biodiversidade. Exemplos de uma sinergia incluem ações tomadas para proteger biodiversidade que contribuem simultaneamente para a mitigação da mudança climática ou uma ação que aumente a capacidade de espécies ou ecossistemas para se adaptar às mudanças climáticas que não podem ser evitadas. Em contraste, podemos ter trocas negativas, por exemplo, se uma ação tomada para mitigar a mudança climática, usando a terra ou o oceano para absorver gases de efeito estufa, resultar na perda da biodiversidade.

O recente lançamento do novo relatório do Grupo de Trabalho 1 do IPCC, que em conjunto com os relatórios dos demais Grupos de Trabalho vai constituir o 6º Relatório do IPCC a ser lançado em 2022, trouxe novamente esta discussão para a ordem do dia. E o momento para esta discussão não poderia ser mais oportuno, pois em outubro teremos a 15ª Conferência das Partes da Biodiversidade e em novembro a 26ª Conferência das Partes das Mudanças Climáticas, quem sabe os tomadores de decisão nestes eventos não nos surpreendem com boas decisões conjuntas, elegendo como prioridade as situações “ganha-ganha”, como por exemplo a restauração florestal que retira CO2 da atmosfera, mitigando as mudanças climáticas e restabelecem a vegetação nativa, mitigando a perda de biodiversidade.