O El Niño é um fenômeno climático que se caracteriza por um aquecimento maior do que o usual nas águas do Oceano Pacífico, interferindo na circulação geral da atmosfera. O fenômeno acontece aproximadamente a cada 4 anos, porém em alguns anos tem uma intensidade ainda maior como nos anos de 1982, 1997 e 2015. O El Niño de 2015 desencadeou uma grande seca na região amazônica, seguida de incêndios florestais de grandes proporções que atingiram áreas de floresta anteriormente intacta. Esses incêndios causaram a morte de cerca de 2,5 bilhões de árvores e plantas e emitiram 495 milhões de toneladas de carbono na atmosfera, de uma área que representa apenas 1,2% de toda a floresta amazônica brasileira e 1% de todo o bioma. Esse é o resultado de oito anos de acompanhamento de um trecho de floresta publicado hoje (19 de julho de 2021) na revista Proceedings of the National Academy of Sciences dos Estados Unidos da América.
Essa descoberta tem grande impacto nos esforços globais para controlar o balanço de carbono atmosférico. Em circunstâncias normais a floresta amazônica não queima, já que possui altos índices de umidade. No entanto, a seca extrema torna a floresta temporariamente inflamável e os incêndios iniciados por fazendeiros podem escapar de suas terras e atingir as florestas. O resultado dessa combinação fez com que a região liberasse para a atmosfera a mesma quantidade de carbono que alguns dos países mais poluentes do mundo. Após três anos, apenas cerca de um terço (37%) das emissões foram reabsorvidas pelo crescimento das plantas na floresta, o que mostra que a função vital da Amazônia como sumidouro de carbono pode ser prejudicada por anos após esses eventos de seca.
Os pesquisadores coletaram dados em 21 parcelas na região do Baixo Tapajós em uma mistura de floresta primária, floresta secundária de novo crescimento e florestas onde foi realizado o corte seletivo de árvores para madeira. Os resultados foram, então, extrapolados para a região. O impacto da seca nas florestas secundárias e nas com interferência humana foram muito maiores do que nas florestas primárias. Embora a seca tenha afetado muitas árvores na floresta primária, as árvores mais finas e com densidade de madeira menor, típicas de áreas com distúrbios ou em recuperação, foram ainda mais afetadas. A estimativa é que cerca de 447 milhões de árvores grandes (com mais de 10 cm de diâmetro na altura do peito) e 2,5 bilhões de árvores menores (menos de 10 cm de DAP) morreram apenas na região estudada.
Essas descobertas destacam como a interferência das pessoas pode tornar as florestas amazônicas mais vulneráveis e enfatizam a necessidade de reduzir a extração ilegal de madeira e outros distúrbios humanos em grande escala nas florestas amazônicas, bem como os investimentos em capacidades de combate a incêndios na Amazônia.
A pesquisa faz parte do Programa Biota Fapesp em parceria com Natural Environment Research Council do Reino Unido. O projeto Ecofor – Biodiversidade e funcionamento de ecossistemas em áreas degradadas e em recuperação da Amazônia e Mata Atlântica – acompanhou uma rede de locais de monitoramento de longo prazo em um gradiente que vai de florestas intactas às que foram severamente alteradas na Amazônia e na Mata Atlântica. “O monitoramento de áreas na Mata Atlântica começou em 2005 e já existia anteriormente na Amazônia”, explica Carlos Joly, do Instituto de Biologia da Unicamp e um dos autores do artigo, “em nosso projeto nós seguimos com esse monitoramento, estabelecendo alguns parâmetros para os estudos e esses dados nos deram a base para chegar a essas conclusões”. As parcelas permanentes continuam nos dois biomas e continuarão a ser monitoradas, mesmo com o final do projeto em 2018. “O tipo de resultado publicado nesse artigo reforça a importância do financiamento de longo prazo à ciência e da colaboração entre países e equipes de pesquisa”, ressalta Carlos Joly.
O artigo completo pode ser acessado em https://doi.org/10.1073/pnas.2019377118 .