Estudo mapeia a cadeia alimentar de lobo-guará em paisagens com alterações antrópicas analisando isótopos estáveis.
Como resultado, algumas espécies foram extintas, outras tornaram-se reféns das reduzidas áreas naturais remanescentes e outras espécies desenvolveram a habilidade de transitar neste complexo mosaico de paisagens. Este é o caso do lobo-guará.
Embora seja uma espécie bastante conhecida pelo público e muito carismática ainda faltam muitos estudos e dados a seu respeito. A maior parte dos conhecimentos sobre o lobo guará refere-se a indivíduos que vivem dentro de Unidades de Conservação e pouco se sabe a respeito daqueles que vivem fora destas áreas, em paisagens já modificadas pelo homem. Em alguns casos, o manejo adequado destas monoculturas possibilita que espécies silvestres coexistam com produções agrícolas sustentáveis. E, para isso, é importante conhecer como os animais habitam essas áreas: seu comportamento, hábitos alimentares, área de forrageamento e interação com outras espécies, por exemplo.
A pesquisa de doutorado de Thaís Rovere Diniz-Reis (CENA/USP) tem como foco principal investigar a cadeia alimentar do lobo-guará em paisagens agrícolas no estado de São Paulo. “Se o lobo se alimenta de presas herbívoras ele está em uma posição da cadeia alimentar, se é de presas carnívoras, é outro nível trófico, é esse o tipo de informação que queremos analisar nessas paisagens submetidas à pressão antrópica”, explica a pesquisadora, “também procuramos compreender como esses animais utilizam as áreas de monocultura de exóticas, se somente as atravessam entre os remanescentes de áreas nativas ou se também as utilizam como habitat”.
A pesquisa se iniciou no mestrado, dentro do projeto temático “Mudanças socioambientais no estado de São Paulo e perspectivas para a conservação” coordenado pelo Prof. Luciano Verdade (CENA/USP) e se estendeu para o doutorado, em fase final, com orientação do Prof. Plínio Camargo, também do CENA.
Durante o mestrado foram realizadas coletas e análises de amostras de fezes dos animais em uma área que era de pastagem e recentemente transformada em plantação de eucalipto. E, já no doutorado, a pesquisadora realizou a análise isotópica das presas encontradas nas fezes. “Um método não invasivo para estudo da ecologia trófica da espécie, uma grande fonte de dados sem a necessidade de interferir nos lobos e nos ambientes”, justifica Thaís Diniz-Reis. A estrutura da cadeia alimentar foi modelada em software específico, em parceria com pesquisadores canadenses durante um estágio no exterior, utilizando dados de taxonomia e de isótopos das presas e predador para identificar as espécies-chave de presas e o uso do espaço pelos lobos-guará.
As presas encontradas foram bem diversificadas, incluindo pequenos mamíferos, anfíbios, aves, frutos (especialmente a Lobeira, que é bem adaptada em áreas abertas) e insetos como grilos, besouros e larvas de vagalume. “Os isótopos estáveis nos auxiliam a compreender se essas presas vieram de ambientes de pasto ou áreas de cultivo de cana de açúcar ou se eram animais que viviam nas plantações de eucalipto, e esse mapeamento auxilia na compreensão de onde o lobo forrageia”, explica Thaís Diniz-Reis. Um dos resultados encontrados foi que as presas não são apenas diversas taxonomicamente, como também são diversas espacialmente, o que significa que os lobos circulam por um espaço grande e heterogêneo em busca de alimentos.
Para Plínio Camargo esse trabalho tem potencial para ser ampliado, por exemplo, em colaboração com grupos que trabalhem em áreas conservadas: “comparar o que nós encontramos, desses indivíduos que vivem em áreas alteradas, com indivíduos que vivem em Unidades de Conservação seria muito interessante para avaliar se há diferenças e quais são elas. Especialmente na cadeia trófica entre esses ambientes”.
Alem disso, um acompanhamento dos animais com colares e a coleta de amostras de tecido daria, por exemplo, para avaliar a adaptação desses lobos às alterações do ambiente. “Por enquanto sabemos que o lobo-guará mora e se alimenta nessas áreas agrícolas. Mas não sabemos quais são as maiores pressões que eles sofrem para sobreviver ali, qual a saúde destes indivíduos e se há manutenção da população por si só nestas áreas”, conclui Thaís Diniz-Reis, “os dados deste estudo e de outros projetos e estudos a longo prazo são cruciais para conservar este canídeo e todas as espécies que formam sua cadeia alimentar e complementam as ideias discutidas no projeto temático sob responsabilidade do Prof. Luciano Verdade: de que paisagens agrícolas bem manejadas podem ter uma função na manutenção populações de animais silvestres, contribuindo para a conservação da biodiversidade”.