A expressão “contribuições da natureza para as pessoas” representa um avanço no debate acerca dos valores da natureza e qualidade de vida.
Debater e tomar decisões acerca da sustentabilidade do meio ambiente pressupõe uma grande negociação e compartilhamento de valores da natureza. Conflitos emergem quando decisões sobre um determinado recurso tem valor distinto para os grupos envolvidos. Este tema, embora pouco debatido, é particularmente importante, delicado e fundamental quando se pretende construir um conjunto de decisões que sejam equitativas e efetivas.
Na prática, as formas como os valores são compreendidos, reconhecidos e abordados são complexas e têm impacto nas decisões que podem afetar os resultados das negociações sobre a conservação e uso sustentável da biodiversidade. Em pormenores, os valores da natureza representam o elo forte (e estratégico) que liga natureza e qualidade de vida das pessoas.
A expressão “valor” pode ter inúmeros sentidos, tais como monetário, visão de mundo, contexto cultural, preferências pessoais, importância, entre outros. Dialogar dentre tantos significados não é uma tarefa fácil especialmente quando se pretende equacionar questões relacionadas aos usos de recursos naturais perante inúmeros países, povos e culturas em escala global. Em um esforço inédito de congregar estas diferentes visões de mundo, a Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) – leia mais sobre IPBES aqui e aqui – lançou uma proposta de englobar todos estes sentidos dentro de um conceito único e que buscasse ser o mais inclusivo e plural possível: Contribuições da Natureza para as Pessoas (Nature’s Contribution to People).
A definição de Contribuição da Natureza para as Pessoas é definida como todas as contribuições positivas, ocasionalmente negativas, que as pessoas obtêm da natureza. A expressão é derivada da definição de serviços ecossistêmicos do Millenium Ecossystem Assessment.
Desta forma ampla, o conceito dá conta de englobar diferentes sistemas de conhecimento e visões de mundo sobre a relação homem-natureza. Cabem neste termo tanto as perspectivas utilitaristas, como a produção de alimentos, quanto as perspectivas sagradas, como aquelas que entendem a Terra como um ser vivo venerável. Inclui-se igualmente neste conceito possíveis aspectos negativos desencadeados pela natureza (por exemplo, doenças tropicais transmitidas por vetores).
Agricultores, por exemplo, podem valorar sua produção pelo mercado, que lhe proporciona benefícios financeiros, ou como expressão e reprodução da identidade cultural do seu grupo social por meio de suas práticas agrícolas.
Identificar estes valores da natureza de indivíduos e grupos sociais é frequentemente trabalhoso. Entretanto, não o fazer pode significar o fracasso para se acordar decisões efetivas ou ainda produzir resultados contrários à sustentabilidade. “Entender e reconhecer a diversidade de valores associados às Contribuições da Natureza para as Pessoas é um elemento crucial para a ciência da sustentabilidade” explicam Pascual e colaboradores em um artigo cabal sobre esta discussão.
Três grupos de Contribuições da Natureza para as Pessoas
Tendo como ponto de partida as diferentes representações do complexo fluxo que relaciona natureza à qualidade de vida, classificou-se as Contribuições da Natureza em três grupos: regulatório, material e não material. Estes grupos consideram desde conexões biológicas indispensáveis (por exemplo água e oxigênio) até componentes simbólicos que dão sentidos a diferentes grupos sociais e suas relações com a natureza.
- Contribuições regulatórias – Aspectos funcionais e estruturais de organismos e ecossistemas que modificam as condições ambientais da vida das pessoas e ou sustentam ou regulam a geração de benefícios materiais e não materiais. Por exemplo: purificação da água, regulação do clima, erosão do solo. Via de regra não são percebidas diretamente pelas pessoas.
- Contribuições Materiais – Substâncias, objetos, ou outros elementos da natureza que sustentam a existência física e de infraestrutura fundamentais para a sociedade humana. Cabem neste grupo alimentos de origem animal e vegetal, produção de energia, materiais para construção de habitações, ornamentação, entre outros.
- Contribuições não Materiais – Refere-se às contribuições da natureza para a qualidade de vida em uma dimensão subjetiva ou psicológica individual e/ou coletiva das pessoas. As entidades que fornecem essas contribuições intangíveis podem ser fisicamente consumidas no processo (por exemplo, animais em pesca recreativa, rituais ou caça) ou não (por exemplo, a sombra de uma árvore ou paisagens como fontes de inspiração).
Captar os diferentes valores que as pessoas atribuem à natureza e incluir este elemento no debate sobre a sustentabilidades dos recursos naturais é um avanço na busca de um diálogo mais equitativo, eficiente e pautado pela não dominância de uma visão de de mundo sobre as demais.
Leitura recomendada:
Pascual, U. et al. 2017. Valuing nature’s contributions to people: the IPBES approach. Current Opinion in Environmental Sustainability 2017, 26:7–16.
Por Paula Drummond de Castro