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Procuram-se espécies desaparecidas

Como técnicas de DNA Ambiental podem auxiliar na detecção de espécies de anfíbios consideradas desaparecidas.

 

Fritziana tonimi é uma perereca-marsupial. As fêmeas dessa espécie transportam os ovos no dorso, dentro de uma bolsa aberta. Dos ovos eclodem girinos que são deixados na água acumulada nas axilas de bromélias epífitas. Foto João L. Gasparini.
Fritziana tonimi é uma perereca-marsupial. As fêmeas dessa espécie transportam os ovos no dorso, dentro de uma bolsa aberta. Dos ovos eclodem girinos que são deixados na água acumulada nas axilas de bromélias epífitas. Foto João L. Gasparini.

O sucesso de estratégias de conservação depende, em parte, de informações de qualidade existentes sobre as espécies. Um tipo de informação básica e extremamente necessária é a presença e ausência de espécies. Quando se trata de anfíbios, soma-se a dificuldade em encontrar as espécies dependendo da época do ano e dos seus diferentes estágios de vida.

De acordo com a última lista de espécies ameaçadas, publicada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), existem 40 espécies e subespécies de anfíbios brasileiros considerados ameaçados de extinção e uma extinta. Isto representa um aumento na ordem de 150% espécies ameaçadas. Por outro lado, são descritas em média 20 novas espécies de anfíbios por ano no Brasil. Ou seja, neste ritmo acelerado de decréscimo de sapos, pererecas e salamandras muitas espécies podem se extinguir (ou já se terem se extinguido) sem jamais terem sido conhecidas.

Checar e atualizar as informações sobre a listagem de espécies ameaçadas é uma tarefa minuciosa e intensiva que deve ser executada periodicamente a fim de se monitorar os avanços e retrocessos de estratégias de conservação das espécies, de preservação do meio ambiente, bem como dos efeitos das mudanças climáticas.

Coleta de água de um riacho do Parque Nacional do Itatiaia, Itamonte, MG. Foto: Carla Lopes.

Novas metodologias e métodos que visem favorecer e facilitar a checagem da catalogação de espécies são sempre desejáveis e bem-vindas. O projeto temático “Diversidade e conservação dos anfíbios brasileiros”, coordenado pelo Prof. Dr. Célio Haddad do Laboratório de Herpetologia do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Rio Claro) pretende contribuir neste sentido, testando técnicas de DNA ambiental. O projeto também tem como propósito identificar novas espécies de anfíbios no Brasil, fazer revisões taxonômicas, estudar a filogeografia, investigar relações de filogenia e processos evolutivos, identificar os efeitos de mudanças climáticas nos anfíbios, além de identificar doenças mais recorrentes nestes animais. E para isso irá percorrer todos os biomas brasileiros.

O método de DNA ambiental consiste na detecção de fragmentos de material genômico nuclear ou mitocondrial presente diluído no ambiente (e.g. água de riachos, fezes animais, serapilheira, água de bromélias). Este DNA é comparado em seguida com uma base de referência (ex. biblioteca de barcodes, GenBank) para checar quais as espécies estão representadas por meio material genético encontrado no meio. “A análise de vestígios de DNA em amostras ambientais permite descrever a diversidade de espécies no ambiente em um único experimento, sendo uma metodologia não invasiva, fornecendo resultados efetivos em um curto período de tempo e permite superar algumas dificuldades relacionadas a metodologias clássicas de monitoramento de espécies”, explica a Dra. Carla Lopes, a pós-doutoranda que está liderando a aplicação desta técnica no âmbito do projeto temático.

Após a coleta, a amostra é encaminhada à França para amplificação e sequenciamento e onde também é feita uma aproximação grosseira com os dados do GenBank. Depois os resultados retornam para Rio Claro para as análises refinadas, por meio de comparação com o banco de sequências do Laboratório de Herpetologia.

Scinax pinima é uma perereca endêmica da Serra do Cipó, Minas Gerais. Muito rara, estava desaparecida há 35 anos. Durante as atividades de pesquisa do projeto, conseguimos reencontrar a espécie e demonstrar que não está extinta, apesar de ser muito rara. Foto Célio Haddad.
Scinax pinima é uma perereca endêmica da Serra do Cipó, Minas Gerais. Muito rara, estava desaparecida há 35 anos. Durante as atividades de pesquisa do projeto, conseguimos reencontrar a espécie e demonstrar que não está extinta, apesar de ser muito rara. Foto Célio Haddad.

A grande expectativa dos pesquisadores é conseguir detectar espécies que possam estar no ambiente, porém sem observações há anos, sendo consideradas desaparecidas, o que pode representar um sopro de esperança para a conservação da destes animais tão susceptíveis às transformações ambientais. “Coletamos recentemente em um riacho no Parque Nacional do Itatiaia, Itamonte (MG) que visitei há 40 anos e, no passado, observavamos três espécies de anuro abundantemente no local. Não vemos mais nenhum destes animais há anos. Não sabemos se nós que não as observamos ou se de fato elas desapareceram naquele ambiente. A técnica de DNA ambiental nos possibilitará checar este fato com maior precisão”, relata Dr. Haddad.

A técnica de DNA ambiental orientada a vertebrados é relativamente nova. Ela já tem sido extensivamente utilizada na área de microbiologia aplicada às ciências agronômicas, na detecção de bactérias presentes no solo. Entretanto, para o diagnóstico de comunidades ecológicas, a técnica tem sido adotada nomeadamente em áreas de zona temperada, onde a temperatura é mais baixa é o DNA fica mais preservado. Em regiões tropicais, as altas temperaturas podem danificar os fragmentos do DNA.

Para validar a eficiência do método de DNA ambiental em zona tropical os pesquisadores aplicaram a técnica em Picinguaba (litoral norte de São Paulo), local onde a base de conhecimentos sobre a diversidade de anfíbios está bem consolidada (fauna e biblioteca genética). Os resultados foram bastante convergentes, o que motivou os pesquisadores a seguirem em frente com aplicação do método de DNA em diferentes ambientes.

Phrynomedusa dryade é uma perereca-de-folhagem, descrita como resultado do Projeto Temático. É uma espécie rara e que deve conter na pele peptídeos com potencial para desenvolvimento de fármacos. Foto Célio Haddad.
Phrynomedusa dryade é uma perereca-de-folhagem, descrita como resultado do Projeto Temático. É uma espécie rara e que deve conter na pele peptídeos com potencial para desenvolvimento de fármacos. Foto Célio Haddad.

A principal desvantagem deste método ainda é seu custo. A maior parte do material para a coleta e conservação do material é importada. Além disso, o material ainda precisa ser enviado para o exterior para amplificação e sequenciamento do material genético da amostra análise. Outra fragilidade da técnica é a necessidade de uma base de referência genética robusta para a comparação da amostra. “Muitos dos animais desaparecidos estão representados em nossa coleção. Entretanto, é um material que está conservado no formol, que destrói a cadeia de DNA inviabilizando a comparação com as amostras recentes”, explica Dr. Haddad.

Embora a coleta seja de água filtrada, os pesquisadores explicam que é necessária a obtenção da licença ambiental do IBAMA, pois ocorre o acesso ao patrimônio genético.

Participam ainda do projeto temático Julián Faivovich (Museo Argentino de Ciências Naturales, Argentina), Sanae Kasahara (UNESP/Rio Claro), Kelly R. Zamudio (Cornell University, EUA), Cinthia Aguirre Brasileiro (USP/Diadema), Cynthia P. A. Prado (UNESP/Jaboticabal), Itamar Alves Martins (UNITAU), João M. de B. Alexandrino (UNIFESP/Diadema), Juliana Zina P. Ramos (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia), Laura Nicoli (Museo Argentino de Ciencias Naturales, Argentina), Marcio R. C. Martins (USP/São Paulo), Milton Cezar Ribeiro (UNESP/Rio Claro), Mirco Solé (Universidade Estadual de Santa Cruz), Paulo C. A. Garcia (UFMG), Victor G. D. Orrico (Universidade Estadual de Santa Cruz), além de alunos de treinamento técnico, mestrado, doutorado e pós-doutorado.

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