
Com assinaturas de 137 cientistas de todo o mundo, documento apresenta cenário de degradação dos ecossistemas não-florestais e demanda compromissos urgentes dos tomadores de decisão.
Uma carta aberta, apresentada na 16ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP-16), na Colômbia, em novembro de 2024, foi publicada na revista científica Plants, People, Planet na última semana. Com o título “Há mais do que apenas árvores e florestas para serem conservadas e restauradas“, a carta traz a defesa de que os campos naturais e savanas são importantes para a proteção da biodiversidade e que o futuro do planeta Terra depende desses ecossistemas na mesma medida em que depende das florestas.
O documento se destina aos tomadores de decisões ligados à conservação e à restauração. Ela apresenta, como exemplo, o cenário de degradação do cerrado brasileiro e demanda compromissos urgentes para todos os ecossistemas tropicais e subtropicais abertos, como: a priorização da conservação e a gestão ambiental adequada de campos e savanas, o estabelecimento de mecanismos para reduzir e interromper de imediato a conversão de terras nesses ecossistemas e a promoção da conservação alinhada com atividades econômicas locais.
A carta enfatiza que os campos e savanas tropicais e subtropicais têm sido historicamente negligenciados em políticas de conservação globais e locais. Como resultado, quase metade de sua cobertura foi perdida. Segundo o MapBiomas, o cerrado brasileiro perdeu, só em 2023, mais de 1,1 milhão de hectares, aumentando a taxa de conversão de terras em 67,7%. “As perdas resultantes de biodiversidade e serviços ecossistêmicos, incluindo a capacidade de mitigar as mudanças climáticas, são profundas e irreversíveis”, diz a carta.
“Conservar os campos e savanas tropicais e subtropicais restantes é a única garantia de que as gerações futuras se beneficiarão dos serviços que esses ecossistemas fornecem. Como cientistas e cidadãos, enfatizamos a necessidade crítica de conservar o que resta desses ecossistemas. Enquanto a ciência trabalha para restaurar o que foi perdido, a conservação é nossa melhor defesa contra a crise da biodiversidade e a perda de serviços ecossistêmicos essenciais”, enfatizam os autores.
Diversos autores da carta são vinculados ao Projeto Biota Campos, parte do Programa Biota/Fapesp. A principal missão do Biota Campos é ampliar conhecimentos sobre a biodiversidade dos campos naturais de São Paulo e estados vizinhos, por meio do mapeamento dos remanescentes de campos naturais; da caracterização do solo, da vegetação e da fauna; da conservação e da restauração desses ecossistemas por meio do manejo do fogo; entre outras atividades.
História da carta
A ideia de escrever a carta surgiu quando as pesquisadoras Natashi Pilon, da Unicamp, e Giselda Durigan, do IPA, foram convidadas a ministrar uma palestra na COP-16 sobre conservação dos campos e savanas, mas não tiveram como comparecer ao evento. “Então, surgiu a ideia de escrever um manifesto, uma carta, que traria a assinatura de cientistas do mundo que trabalham com ecossistemas abertos. E aí, não seria mais apenas uma mensagem minha ou da Giselda: seria a mensagem de um grupo grande que trabalha com esses ecossistemas no mundo”, conta Natashi.
Para isso, elas redigiram a carta e enviaram-na para cientistas de todo o mundo por meio da Open Ecosystem Network, uma plataforma que reúne pesquisadores e tomadores de decisão relacionados aos campos e às savanas. Em apenas duas semanas, a carta foi assinada por 137 cientistas de universidades e institutos de pesquisa do mundo todo, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); a Universidade Nacional da Colômbia; a Universidade de Witwatersrand, na África do Sul; a Universidade de Exeter, na Inglaterra; entre outros.
Já com as assinaturas, a carta aberta foi apresentada em dois momentos da COP-16. Primeiro, foi lida no Pavilhão Brasil, um espaço que promove discussões e atividades sobre a conservação e o uso sustentável da biodiversidade no país. Depois, foi apresentada em uma palestra da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), uma organização civil dedicada à conservação do meio ambiente. As apresentações, realizadas pela pesquisadora Franciele Peixoto, foram assistidas por diversos tomadores de decisão; entre eles, a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.
Para Natashi, a visibilidade sobre o tema da conservação e da restauração dos campos naturais e savanas, gerada pela carta, será de grande ajuda para que os cientistas levem discussões relacionadas para a COP-30, agendada para novembro deste ano, em Belém do Pará. “É importante que a gente já traga os ecossistemas abertos com algum destaque na COP-16 para que isso se reforce na COP-30, que vai chamar muita atenção. A COP-30 vai focar muito na Amazônia, o que é ótimo, mas nós corremos o risco dos ecossistemas abertos continuarem sendo negligenciados, sendo que eles também precisam ser vistos”.
A pesquisadora enfatiza que a negligência sobre os ecossistemas abertos não acontece só no Brasil. “Tomadores de decisão do mundo todo têm dificuldade em valorizar esses ecossistemas, que são dominados por plantas pequenas, como gramíneas, ervas e arbustos. O mundo está olhando somente para a proteção das florestas tropicais e para a mitigação das mudanças climáticas. Por isso, nós estamos nos mobilizando para mostrar que os problemas ambientais não afetam somente as florestas”.
Parte dos esforços dos cientistas para manter o debate em alta foi a publicação da carta aberta na revista científica Plants, People, Planet. “A carta não pode morrer na COP-16. Publicar a carta em um veículo oficial, como a Plants, People, Planet, faz com que tenhamos um registro histórico do nosso manifesto e ajuda com que este movimento em prol dos campos e savanas não se perca. A carta não é um ponto final, é um começo”, defende Natashi. O documento está com acesso aberto para todos os interessados.
Acesse aqui o artigo completo: Pilon, N. et al (2025), Open letter: There are more than just trees and forests to be conserved and restored. Plants People Planet. https://doi.org/10.1002/ppp3.10635