Pesquisa busca ampliar conhecimentos sobre zonas úmidas, ainda mal compreendidas pela ciência
A profundidade do lençol freático influencia a diversidade e a composição de comunidades de plantas presentes nos campos úmidos do Cerrado. Essa descoberta foi realizada pela pesquisadora Andra Carolina Dalbeto (pós-graduação em Ecologia do Instituto de Biologia da Unicamp), dentro do projeto temático Biota Campos, vinculado ao Programa Biota/Fapesp. Em sua pesquisa de Doutorado, ela busca entender como as comunidades de plantas presentes nas zonas úmidas do Cerrado são influenciadas pelo funcionamento hidrológico diferenciado desse ecossistema.
Com biodiversidade peculiar, a hidrologia das zonas úmidas do Cerrado opera de forma diferente em relação às demais savanas do planeta: como estão situadas entre ambientes aquáticos e terrestres, elas encharcam durante a estação chuvosa e garantem a água dos rios durante a estação seca. Reconhecidas como “rins do planeta”, têm alta relevância ecológica, prestando serviços ecossistêmicos como a purificação da água, a garantia da segurança hídrica e a mitigação das mudanças climáticas.
A pesquisa de Dalbeto, orientada pela ecóloga do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) Giselda Durigan, averiguou que a alta diversidade de plantas está associada à maior amplitude na profundidade do lençol freático e a baixa, à maior proximidade do lençol freático com a superfície. Algumas espécies de plantas se adaptam melhor em partes mais úmidas e outras predominam em partes menos úmidas. Por isso, a variação de umidade cria condições diferentes em partes distintas de uma zona úmida, o que leva à troca de espécies.
Isso significa dizer que a substituição de espécies ocorre conforme a variação de umidade se distribui pela área. “Em nosso estudo, encontramos plantas exclusivas para cada nível de saturação de água no solo. Por exemplo, identificamos 36 espécies exclusivas das áreas mais encharcadas, entre elas a planta bulbífera de flores amarelas vistosas Cypella crenata, que não era registrada no estado de São Paulo há mais de 80 anos, e uma espécie rara de orquídea terrestre com poucos registros no estado, Cleistes grandiflora”, explica Dalbeto.
Por outro lado, existem espécies que precisam de umidade no solo, mas em variados níveis de saturação, o que mostra que a heterogeneidade presente em um campo úmido é essencial para a manutenção da diversidade no local. A pesquisadora verificou esse padrão na maioria das plantas, como naquelas da família Eriocaulaceae (gêneros Paepalanthus e Syngonanthus) e em diferentes espécies de gramíneas, como Paspalum, Rhynchospora e Xyris. O número de espécies também varia: as partes mais úmidas tendem a ter menos espécies em comparação com as partes menos úmidas.
Segurança hídrica
O Cerrado abriga as nascentes dos córregos que alimentam oito das 12 grandes bacias hidrográficas que abastecem o Brasil. As áreas úmidas ocupam 6 milhões de hectares do Cerrado, área maior que a do Estado da Paraíba. Porém, de acordo com a rede MapBiomas, cerca de 500 mil hectares de áreas úmidas foram substituídas, principalmente por pastagem, nos últimos 39 anos. Além da perda de biodiversidade, a seca das zonas úmidas resulta em escassez de água para a população e para as atividades econômicas e aumenta a vulnerabilidade a desastres climáticos.
Como salienta Dalbeto, pensar na conservação das áreas úmidas exige também pensar na conservação dos recursos hídricos, já que a variabilidade espacial e temporal do lençol freático é essencial para manter a biodiversidade. “O secamento de uma área úmida não significa apenas a perda de espécies vegetais, mas sim a degradação do ambiente como um todo. As áreas úmidas funcionam como uma ‘poupança’ de água, por isso é crucial ligar o alerta quando percebemos sinais desse fenômeno de secamento”, diz.
Giselda Durigan, do IPA, complementa que, apesar da sua grande relevância ecológica, as zonas úmidas do Cerrado ainda são mal compreendidas pela ciência. “Em outros biomas, as áreas úmidas costumam ser alagadas por águas superficiais, ou seja, pelo transbordamento de rios ou pela elevação de marés. Mas, no Cerrado as áreas úmidas são alimentadas, em geral, pela água da chuva, que infiltra em toda a bacia e releva o lençol nas partes mais baixas do relevo, fornecendo água para os rios. Conhecê-las é essencial para a formulação de políticas públicas de conservação e restauração do Cerrado”.
Parte da pesquisa de Dalbeto já foi apresentada no 66º Simpósio Anual da Associação Internacional para a Ciência da Vegetação (IAVS), com o tema “Do local ao global: padrões de vegetação em escalas espaciais em um mundo em mudança”. O simpósio fez parte da 32ª Conferência sobre Vegetação Marinha, Oceânica e Ilhas Ecológicas da Europa, realizado na Ilha da Madeira, Portugal, entre os dias 16 e 20 de setembro de 2024.
As pesquisadoras são vinculadas ao projeto temático Biota Campos, cuja principal missão é ampliar conhecimentos sobre os campos naturais de São Paulo e sua biodiversidade, mapeando os remanescentes, conservando e restaurando esses ecossistemas e caracterizando o solo, a vegetação e a fauna, entre outras atividades.