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Cientistas estudam bactérias de caverna em busca de biodiversidade e substâncias inéditas

Caverna Laje Branca

Microbiota desse ambiente  é pouco explorada, representando um novo horizonte de conhecimento e potencial biotecnológico

Caverna da Laje Branca – PETAR. Autora: Bianca del Bianco Sahm.

O ambiente das cavernas é considerado hostil e extremo, e os organismos que vivem nesses locais precisam desenvolver capacidades específicas de sobrevivência. Com pouca incidência de luz, muita umidade e, em determinados pontos, difícil acesso, essas formações geológicas chamam a atenção de cientistas, que as enxergam como um novo universo a ser explorado. Os animais e plantas de grande porte que vivem nas cavernas do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), localizado na região sul do estado de São Paulo, já são bastante conhecidos, mas a vida microscópica que existe ali – e é essencial para o bom funcionamento do ecossistema – ainda é um grande mistério.

O Projeto Temático “Inventariando o metabolismo secundário através da metabolômica: contribuição para a valoração da biodiversidade brasileira”, que está inserido no Programa Biota/Fapesp, tem, em uma de suas vertentes, o objetivo de investigar as bactérias de cavernas do PETAR. Coordenada pelo pesquisador Norberto Peporine Lopes, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP), esta linha de pesquisa ajudará a desvendar a biodiversidade da microbiota das cavernas, as características ecológicas destes ecossistemas, e o potencial biotecnológico das bactérias presentes ali.

Os halos que se formam ao redor de algumas colônias de bactérias no momento do cultivo, já indicam a possível presença de substâncias com atividade antibiótica. Autora: Bianca del Bianco Sahm.

“A ideia desse projeto é muito pessoal. Quando mais jovem, eu era guia no PETAR, então tenho uma relação bastante próxima com a comunidade e sempre tive vontade de desenvolver um trabalho dentro das cavernas”, conta Norberto, ao lembrar das diversas vezes em que visitou o local ao longo da vida. O parque possui mais de 35 mil hectares, e abrange os municípios de Iporanga e Apiaí. Considerado pela Unesco como Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade, chama atenção pela associação da floresta de Mata Atlântica com sistemas de cavernas que abrigam diferentes paisagens subterrâneas.

Em expedições ao PETAR, os pesquisadores coletam amostras de solo, rochas, água, sedimentos e fezes de morcego (guano) de diferentes regiões dentro das cavernas. No laboratório, as bactérias presentes nestes materiais são isoladas e cultivadas até a obtenção de quantidade suficiente para a extração de substâncias químicas e material genético. Até o momento, com apenas uma expedição e visita a duas das mais de 400 cavernas do parque, já foram isoladas cerca  de 300 cepas de bactérias. “É uma biodiversidade do tamanho do mundo!”, comenta Lopes, entusiasmado com as etapas iniciais do projeto. Além de serem analisadas neste projeto, todas as cepas isoladas estão sendo armazenadas para a criação do primeiro banco de bactérias de cavernas do Brasil, e poderão ser utilizadas em outras pesquisas no futuro.

Por se tratar de uma linha de pesquisa pouquíssimo explorada, uma das principais dificuldades é a ausência de referências. Estudos com uma abordagem semelhante vêm sendo desenvolvidos em países como México e Estados Unidos, porém as características das formações geológicas e seus ecossistemas são bastante distintos. Essa ausência de informações dificulta, por exemplo, a definição da melhor metodologia para o cultivo dos microrganismos em laboratório. De acordo com Bianca Sahm, com base na literatura científica disponível, foi realizada uma seleção de meios de cultura que mimetizem as condições das cavernas, mas não há referências de estudos realizados no Brasil. Ainda assim, o resultado vem impressionando positivamente a pesquisadora: “Estamos fazendo uma primeira tentativa, e acredito que muito bem-sucedida, porque conseguimos cultivar um número exuberante de bactérias”.

O coordenador do projeto, professor Norberto Lopes, participa das expedições para coleta de material. Autor: Guilherme Silva Dias

Por viverem em ambientes extremos, o cultivo desses microrganismos exige ainda mais cuidados para que seja possível obter, em ambiente controlado, as mesmas substâncias que são produzidas em seu habitat natural. Caso as análises químicas indiquem a presença de compostos muito diferentes dos usuais – como é esperado – os pesquisadores acreditam que a determinação estrutural destas substâncias será o maior desafio. Por outro lado, o ineditismo faz com que cada etapa do projeto tenha uma grande importância na construção de conhecimento, além de ser o principal caminho para possíveis inovações biotecnológicas. Um dos objetivos é encontrar substâncias que sejam tóxicas para células doentes ou microrganismos patogênicos, mas não afetem células sadias – características essenciais na busca por novos antitumorais e antibióticos, por exemplo. “Conseguir relatar a biodiversidade microbiana que existe ali já é um ganho fantástico. Além disso, é uma fronteira da química pouco conhecida e a chance de encontrar novas substâncias é muito alta! Então a questão é buscar novos esqueletos químicos e suas possíveis atividades biológicas”, conclui Norberto.

A partir dos conhecimentos adquiridos, os cientistas esperam, ainda, realizar projetos de extensão com ações de divulgação científica para os visitantes do parque, destacando a importância do turismo sustentável, além de auxiliar no manejo de visitação do PETAR, observando o grau de interferência humana nos ecossistemas das cavernas, e buscando a melhor forma de reduzir possíveis danos.

A iniciativa é uma colaboração entre o Núcleo de Pesquisas em Produtos Naturais e Sintéticos (NPPNS – FCFRP), coordenado por Norberto, e o Laboratório de Farmacologia Marinha (LaFarMar – ICB), coordenado pela professora Letícia Veras Costa Lotufo, ambos da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, outras três pesquisadoras também estão envolvidas: as doutorandas Natália Naomi Kato e Fabiola Almeida García, além da pesquisadora em nível de pós-doutorado Bianca del Bianco Sahm.

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