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Descobertas de novas espécies de camarões destacam a biodiversidade do litoral paulista

Ubatuba Coleta 1

Pesquisadores do Programa Biota/Fapesp descreveram duas novas espécies de camarões nas regiões de Ubatuba e Cananéia, no litoral paulista. As descobertas, publicadas nas revistas Journal of Crustacean Biology e ZooKeys, evidenciam a riqueza e a complexidade da vida marinha na região, ao mesmo tempo em que alertam para a importância da preservação dessas áreas, que vêm sofrendo alterações ambientais devido ao crescimento urbanístico, ao turismo intensivo e aos efeitos das mudanças climáticas globais e de eventos naturais extremos.

Nova espécie de camarão estalo, a Synalpheus ubatuba. Foto: Raquel C Buranelli

A primeira espécie, um camarão-estalo ou camarão-pistola, foi batizada de Synalpheus ubatuba. “O camarão-estalo é conhecido por produzir um som característico ao fechar rapidamente suas chelas . Ele utiliza esse mecanismo não apenas para comunicação social, mas também para atordoar presas, deslocando massas de água com o estalo”, explica Fernando Mantelatto, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP) e coordenador do projeto.

A espécie foi coletada na Praia do Itaguá, em Ubatuba (SP), e recebeu o nome em homenagem à localidade. “É uma espécie que vive em associação com colônias de briozoários, pequenos invertebrados marinhos”, detalha Mantelatto. “Ela pertence a um complexo de espécies com grande variação morfológica, o que dificulta sua diferenciação.” Para superar esse desafio, os pesquisadores utilizaram análises morfológicas e moleculares, o que permitiu distinguir o S. ubatuba de espécies semelhantes encontradas na região.

A segunda espécie de camatão descrita pelo grupo de pesquisa ligado ao Programa Biota/Fapeps: Acetes maratayama. Foto: Regis A. Pescinelli

Já a segunda espécie, Acetes maratayama, é um camarão transparente encontrado em fundos de areia na região estuarina de Cananéia (SP). O nome maratayama tem origem tupi-guarani e significa “lugar onde a terra encontra o mar” ou “terra do mar” (Mara = mar e Tayama = terra). Esse termo foi registrado no diário de navegação da expedição portuguesa que chegou à região em 1531. “As espécies de camarões do gênero Acetes no Atlântico Ocidental são morfologicamente muito semelhantes entre si. Por isso, realizamos análises robustas e aprofundadas para diferenciar e descrever essa nova espécie”, destaca Mantelatto.

A escolha de nomear as espécies em homenagem aos locais onde foram encontradas teve como objetivo chamar a atenção para a importância da preservação dessas áreas. “Ubatuba, por exemplo, é um hotspot de biodiversidade que vem sofrendo com a ação antrópica e as mudanças climáticas. Nosso objetivo foi destacar cientificamente a relevância dessas áreas e reforçar a necessidade de sua conservação. Precisamos garantir que elas continuem sendo fontes de vida e de pesquisa para as gerações futuras”, conclui o pesquisador.

Biodiversidade críptica

Ubatuba e Cananéia, por serem áreas de transição entre águas quentes e frias, abrigam uma diversidade críptica – espécies que, aparentemente iguais, revelam-se distintas quando analisadas sob a ótica molecular e biogeográfica. “Muitas vezes, o que parecia ser uma única espécie acaba se revelando um complexo de várias”, explica Mantelatto. “É o caso de outra espécie estudada por nós, o camarão-sete-barbas, que achávamos ser uma única espécie, mas, na verdade, são três espécies diferentes no Brasil, muito semelhantes entre si.”

Por ser de grande importância econômica, o camarão-sete-barbas possui uma legislação específica que protege a espécie durante os períodos de reprodução, conhecidos como “defeso”. Conhecer as diferenças entre essas espécies pode contribuir para adaptar as leis de defeso aos momentos específicos de reprodução de cada uma, garantindo sua proteção de forma mais eficaz.

Projeto tem quatro frentes de pesquisa
Um dos locais de coleta do projeto, em Ubatuba (SP). Foto: Fernando Mantelatto

As descobertas dessas novas espécies fazem parte de um projeto de pesquisa mais amplo, iniciado em 2010, que busca desvendar a biodiversidade de crustáceos no estado de São Paulo e em outras regiões do Brasil. O projeto é dividido em quatro eixos principais, cada um focado em aspectos específicos da biologia dos crustáceos. Mantelatto coordena o eixo dedicado à taxonomia sistemática molecular, metodologia que resultou na descoberta das espécies aqui apresentadas.

Fernando Zara, da UNESP de Jaboticabal, lidera o eixo que estuda a reprodução dos crustáceos, analisando estruturas reprodutivas e sua relação com a evolução das espécies. Neste eixo, os pesquisadores buscam compreender o potencial reprodutivo de algumas espécies, preenchendo lacunas de conhecimento sobre seus ciclos de vida por meio da reprodução.

Outro eixo, coordenado pelo pesquisador Rogério Caetano da Costa (Unesp Bauru), dedica-se ao estudo das fases larvais dos crustáceos. Considerando que apenas 10% das larvas de crustáceos decápodes são conhecidas, os pesquisadores utilizam técnicas de DNA ambiental (e-DNA) para identificar as larvas presentes em um determinado ambiente e compreender o ciclo de vida das espécies. Além disso, esse eixo investiga a chegada de espécies invasoras trazidas por navios, que podem se estabelecer em novos ambientes e causar desequilíbrios ecológicos.

Já Sérgio Bueno, do Instituto de Biociências da USP, coordena o eixo sobre crustáceos de água doce, conhecidos como Egla, grupo esse que inclui espécies endêmicas que vivem em riachos e águas subterrâneas. Recentemente, o grupo descreveu três novas espécies que habitam cavernas e busca compreender a rota de dispersão e conquista de novos ambientes nos estados de São Paulo, Santa Catarina e Paraná.

Confira Os artigos completos
  • Mantelatto et al. (2023) Cryptic diversity in the Synalpheus brevicarpus complex. Journal of Crustacean Biology, 2023, 43, 1–16. https://doi.org/10.1093/jcbiol/ruad076
  • Bochini GL, Costa RC, Mantelatto FL (2024) A new southern Atlantic cryptic marine shrimp species of Acetes (Decapoda, Sergestidae). ZooKeys 1211: 193–209. https://doi. org/10.3897/zookeys.1211.128059

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