Os custos anuais são superiores a US$ 423 bilhões e quadruplicaram desde 1970
As espécies invasoras causam prejuízo de mais de US$ 423 bilhões por ano à agricultura, à pesca, ao abastecimento de água e a outros serviços ecossistêmicos em todo o mundo, de acordo com o sumário para tomadores de decisão divulgado esta semana pela Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES). Esta estimativa é subestimada, de acordo com Helen Roy (Reino Unido), que co-coordenou o grupo de 86 especialistas de 49 países, que trabalharam durante mais de quatro anos. O estudo baseia-se em mais de 13.000 referências, incluindo contribuições de povos indígenas e comunidades locais.
As espécies exóticas invasoras estão entre as cinco principais causas da perda de biodiversidade. O relatório relata que mais 37.000 espécies exóticas foram introduzidas em regiões e biomas em todo o mundo por meio de diversas atividades humanas. Destas, mais de 3.500 são consideradas invasoras, provocando impactos negativos à natureza e à qualidade de vida das pessoas.
Contudo, nem todas as espécies exóticas se tornam invasoras. São consideradas invasoras apenas aquelas que estabelecem e se propagam, causando impactos negativos ao longo do tempo. “As espécies invasoras, quando não têm predadores naturais na área para a qual foram realocadas, tendem a dominar muito rapidamente e destruir populações locais”, explica Roy.
De acordo com o relatório, dentre o grande conjunto de espécies exóticas, cerca de 6% das plantas, 22% dos invertebrados, 14% dos vertebrados e 11% dos microrganismos são invasores. “As pessoas com maior dependência direta da natureza, como povos indígenas e comunidades locais, correm um risco ainda maior”, afirma Aníbal Pauchard (Chile), um dos coordenadores do relatório. De acordo com o documento, mais de 2.300 espécies exóticas invasoras encontram-se em terras sob a administração de povos indígenas, ameaçando a sua qualidade de vida e mesmo suas identidades culturais.
“As espécies exóticas invasoras têm sido um fator importante em 60% das extinções globais de animais e plantas já registradas e o único fator em 16% delas. Pelo menos 218 dessas espécies foram responsáveis por mais de 1.200 extinções locais”, explica Pauchard.
Em termos de impactos negativos na qualidade de vida das pessoas, os especialistas citam o exemplo da proliferação de doenças propagadas por mosquitos como a malária, o Zika e a febre do Nilo Ocidental. Outro impacto ilustrado é a redução das tilápias do Lago Vitória, na África Oriental, em decorrência da propagação da planta aquática aguapé (Pontederia crassipes), que afetou a pesca de subsistência no local.
No Brasil estão catalogadas cerca de 500 espécies exóticas invasoras, segundo Rafael Zenni, da Universidade Federal de Lavras e um dos autores do relatório. As mais amplamente distribuídas são javali, mexilhão-dourado, uma série de espécies de gramíneas africanas (braquiárias, capim-gordura e capim-anonni, por exemplo), e pinheiros-americanos (Pinus spp.), entre outras.
A aceleração da economia global, a intensificação e a expansão das alterações na utilização dos solos e dos mares, bem como as migrações humanas provavelmente conduzirão a um aumento de espécies exóticas invasoras em todo o mundo. “Mesmo sem a introdução de novas espécies exóticas, as já estabelecidas continuarão a ampliar sua distribuição e a propagar-se para novos países e regiões. As mudanças climáticas agravarão ainda mais a situação” explica Roy.
Políticas insuficientes
Os especialistas da IPBES chamam a atenção para as medidas já em vigor, geralmente insuficientes para enfrentar estes desafios. Embora 80% dos países tenham objetivos relacionados com a gestão de espécies exóticas invasoras nos seus planos nacionais de biodiversidade, apenas 17% têm leis ou regulamentos nacionais que abordam especificamente estas questões. Isto aumenta o risco de introdução de espécies exóticas invasoras para países vizinhos. O relatório conclui que 45% de todos os países não investe na gestão de invasões biológicas. “A lógica preventiva não é muito fácil de ser utilizada em medidas práticas de manejo, pois tendemos a nos preocupar com os problemas que já existem, e não com a prevenção para que os problemas não existam”, explica Michele Dechoum, da Universidade Federal de Santa Catarina e uma das coordenadoras gerais do Relatório Brasileiro de espécies exóticas da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES).
A boa notícia é que essas espécies e seus impactos podem ser evitados por meio de uma gestão eficaz e de abordagens mais integradas. Segundo Pauchard, para quase todos os contextos e situações, existem formas de manejo, opções de governança e ações específicas que funcionam. “A prevenção é, sem dúvida, a melhor opção e a mais econômica, mas a erradicação, a contenção e o controle também são eficazes em contextos específicos”, complementa Pauchard. As medidas de prevenção como a biossegurança nas fronteiras, o controle rigoroso de importações, a detecção precoce e a resposta rápida funcionam em muitos casos. A restauração de ecossistemas pode também melhorar os resultados de ações de manejo e aumentar a resistência desses ambientes a futuras invasões.
Esforços brasileiros pulverizados
Entre 1984 e 2019, estima-se que o Brasil amargou prejuízos entre US$77 a 105 bilhões pelos impactos causados por apenas 16 espécies invasoras. É o que diz um recente estudo brasileiro publicado na revista NeoBiota. As pragas agrícolas e silviculturais, ao lado dos vetores de doenças humanas, respondem por aproximadamente US$40 bilhões.
Embora o tema já estivesse na Convenção de Diversidade Biológica de 1992, o Brasil publicou sua primeira estratégia nacional para espécies exóticas invasoras apenas em 2009. Essa Estratégia Nacional passou por uma revisão em 2018 e sua execução deve ser avaliada no próximo ano.
Logo, o país se junta aos 80% dos Estados que têm alguma iniciativa sobre o tema, conforme aponta o relatório da IPBES. Entretanto, o mesmo documento indica que apenas 17% têm regulamentação para tratar especificamente do tema. O Brasil se inclui em parte neste grupo, pois o país aborda o tema de forma descentralizada e em esferas governamentais diferentes. “Seria importante termos um instrumento legal unificado, como uma Política Nacional para Espécies Exóticas Invasoras, instituída por meio de uma Lei. Atualmente temos uma base legal difusa e não focada, que trata marginalmente da problemática”, explica Dechoum.
Para Sílvia Ziller, do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, que atua na área há 25 anos, a implementação da estratégia nacional carece de coordenação central e destinação de recursos. “O ICMBio avançou com o estabelecimento de uma divisão de manejo de espécies exóticas invasoras focada em unidades de conservação federais. Alguns estados (PR, SC, RS, RJ, SP, BA, DF) têm iniciativas interessantes e/ou programas estaduais de gestão, com ações de manejo em áreas protegidas e áreas de relevância para a conservação da biodiversidade. De modo geral, os programas e ações existentes são fruto de iniciativas quase individuais, não de políticas públicas amplas”, explica Ziller, que também atuou como revisora do relatório global da IPBES.
Entre iniciativas que merecem destaque, a Base de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras, mantida pelo Instituto Hórus desde 2004, é referência de catalogação de espécies exóticas invasoras no país. Esta fonte de informação é utilizada para a construção de listas oficiais e fonte de informação para gestão, manejo e pesquisa científica. Conta atualmente com registro de aproximadamente 500 espécies invasoras entre animais, plantas e algas.
Outra iniciativa em curso no país é a elaboração do Relatório Brasileiro sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos da BPBES. Esta avaliação reuniu 89 especialistas de 40 instituições da academia, da sociedade civil organizada, e do setor público e privado para fazer um diagnóstico amplo sobre a situação no país, englobando ecossistemas terrestres, aquáticos e marinhos. O documento, previsto para lançamento até o final deste ano, traz ainda análises sobre impactos, iniciativas de manejo, cenários futuros e sugestões para governança da problemática.
“Já existe bastante produção científica sobre as invasoras no país, apesar das significativas lacunas de conhecimento existentes. O relatório brasileiro é um esforço de extrair e sintetizar informações mais relevantes para os tomadores de decisão tanto da esfera pública quanto privada”, complementa Dechoum. “Todos nós podemos ajudar a conter problemas de invasões biológicas, e ter informação qualificada é o primeiro passo. Esperamos contribuir neste sentido” finaliza.