A crescente resistência de bactérias a antibióticos convencionais é uma das maiores crises de saúde global da atualidade. Diante desse cenário, a ciência busca respostas na natureza, e um dos campos mais promissores está na pele de anfíbios anuros – sapos e rãs. Um estudo de revisão publicado no Journal of Natural Products mapeou o panorama global de patentes de peptídeos antimicrobianos (AMPs, na sigla em inglês) derivados desses animais. Essas moléculas servem de modelo para o desenvolvimento de medicamentos pois apresentam uma grande diversidade estrutural e uma ampla gama de atividades biológicas, sendo a mais destacada a ação contra microrganismos multirresistentes. A análise mostrou que, apesar do enorme potencial, há um descompasso significativo entre a descrição científica desses peptídeos, o registro de patentes e seu desenvolvimento prático em medicamentos.
A pesquisa, que faz parte do projeto “Inventariando o metabolismo secundário através da metabolômica: contribuição para a valoração da biodiversidade brasileira”, do Programa Biota/Fapesp, identificou 188 patentes registradas pelo mundo, sendo 118 delas com atividades antimicrobianas, revelando o potencial biomédico ainda pouco explorado dessas substâncias e destacando a importância da conservação desses animais.
“Nosso trabalho pretende lançar luz sobre a importância dos AMPs de anuros como modelos para a síntese de novos ativos antimicrobianos”, explicou a pesquisadora Fabiola Almeida García, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da USP de Ribeirão Preto e principal autora do estudo. “O uso desses peptídeos como modelos para novos antibióticos terapêuticos é hoje uma das estratégias mais promissoras para superar as bactérias super resistentes, e essa busca é, atualmente, uma das prioridades máximas da Organização Mundial da Saúde”, ressalta a pesquisadora.
Nas patentes encontradas, o foco mais comum é a composição de formulações farmacêuticas (preparações, vacinas, produtos liofilizados, géis), seguida por tratamento médico (aplicação em humanos ou animais), métodos de produção (extração do peptídeo natural de anuros, obtenção recombinante ou obtenção sintética) e aplicação agrícola. Embora a atividade antimicrobiana seja a mais patenteada, também há registros para ações citotóxicas (contra células de câncer), antivirais, neuromoduladoras, anti-inflamatórias e de cicatrização de feridas.
O estudo também analisou o status atual dessas patentes. Do total, a maioria (59,6%) está classificada como “morta”, ou seja, são patentes que não foram mantidas ou foram abandonadas, e apenas 33,5% estão ativas. “Esses fatos destacam os desafios em traduzir a pesquisa de AMPs em aplicações práticas”, comenta Fabiola García.
Uma das constatações do estudo é a disparidade geográfica no registro de patentes. Uma diferença que não reflete nem a diversidade de anuros nem a quantidade de AMPs já descritas na literatura para cada região. A região Neotropical é a que abriga a maior diversidade de anfíbios do mundo e, dentro dela, a América do Sul é a região com maior número de AMPs descritas na literatura (15%). Entretanto, apenas 3,7% das patentes são registradas nessa região. A Ásia lidera com 65,4% das patentes, seguida pela América do Norte (15,4%) e Europa (8,5%), e a África e a América Central não registraram nenhuma patente.
Para os autores, essa discrepância está provavelmente relacionada às três etapas científicas básicas anteriores ao registro da patente ao se trabalhar com populações naturais: conhecer a diversidade biológica nos níveis taxonômico e filogenético, conhecer a diversidade química e realizar ensaios laboratoriais. “O número significativamente baixo de patentes concedidas nessas regiões pode, portanto, estar relacionado ao baixo investimento nessas etapas na maioria dos países. Assim, não é de surpreender que o Brasil, que tem feito investimentos científicos contínuos há mais de duas décadas, com uma interrupção marcante entre 2016 e 2022, seja uma exceção notória. O Brasil aumentou significativamente o conhecimento sobre sua diversidade de anfíbios, com 1.178 espécies descritas, e é o único país da região com patentes concedidas identificadas relacionadas a AMPs de anuros”, ressaltam os autores.
Ainda para os autores, essa distribuição geográfica das patentes relacionadas a AMPs de anuros evidencia o potencial científico ainda não explorado que reside nas regiões mais biodiversas. “Conscientizar as pessoas sobre a importância da biodiversidade é fundamental. Precisamos conservá-la não apenas para a estabilidade do nosso planeta, mas também como uma ferramenta poderosa para enfrentar problemas graves de saúde mundial”, finaliza Fabiola García.
Conheça o artigo completo:
García, FA; Fuentes, TF; Alonso, IP; Bosch, RA; Brunetti, AE & Lopes, NP. A Comprehensive Review of Patented Antimicrobial Peptides from Amphibian Anurans Journal of Natural Products 2024 87 (3), 600-616. DOI: 10.1021/acs.jnatprod.3c01040











