Estudo revela novas descobertas sobre a coevolução das formigas agricultoras e os fungos que elas cultivam, além de identificar interações inéditas com outros organismos, como bactérias
Pesquisadores do Programa Biota/Fapesp e do programa Dimensions of Biodiversity da National Science Foundation (EUA) estão investigando um dos exemplos mais emblemáticos de simbiose: a interação entre formigas e fungos. O estudo abrange a diversidade e a evolução das formigas que cultivam fungos como alimento, os fungos antagonistas que ameaçam esses cultivos e as bactérias que desempenham papéis essenciais na defesa e nos processos metabólicos das colônias.
Essas formigas pertencem ao grupo Attina, sendo a saúva a espécie mais conhecida. “Percebemos que, embora houvessem muitas coletas de formigas em coleções entomológicas, raramente as amostras de fungos eram preservadas ou isoladas”, explica André Rodrigues, pesquisador da UNESP de Rio Claro e coordenador do estudo. “Com isso, era difícil estudar a interação completa entre formigas e fungos de uma mesma colônia, o que levou a conclusões limitadas, como a ideia de que algumas formigas cultivavam sempre as mesmas espécies de fungos”, completa.
A pesquisa integra o projeto “Pesquisa colaborativa Dimensions US-São Paulo: integrando filogenia, genética e ecologia química para desvendar a emaranhada simbiose multipartida das formigas cultivadoras de fungos”, coordenado por André Rodrigues no Brasil e por Bryn Dentinger, da Utah University (EUA), reunindo ainda três outras instituições norte-americanas. “Antes, trabalhávamos de forma separada, mas nos unimos após uma grande reunião de especialistas em formigas atíneas, realizada em Atlanta em 2018”, comenta Rodrigues (confira a reportagem “Formigas que cultivam a própria comida são tema de pesquisa que une Unesp e quatro instituições dos EUA”).
Os pesquisadores identificaram uma lacuna em análises de larga escala e estudos taxonômicos detalhados. “Decidimos amostrar diferentes biomas em áreas geográficas extensas, utilizando várias técnicas para investigar a diversidade genética, a evolução e as funções das formigas, fungos e microrganismos envolvidos”, explica o coordenador brasileiro.
Reconstruindo a história evolutiva de formigas e fungos
Um dos maiores avanços foi a coleta cuidadosa de formigas e fungos da mesma colônia, permitindo um estudo mais completo da interação simbiótica. Além disso, os pesquisadores também utilizaram dados de coleções biológicas de formigas de diversos biomas e regiões do Brasil e de fora do país com o foco na recuperação das informações sobre fungos associados às formigas. Outro ponto essencial, foi a organização e padronização de métodos de isolamento e cultivo dos fungos para poder compreender a morfologia dos fungos, realizar o sequenciamento de partes dos genomas desses fungos, identificar espécies e analisar a história da evolução interligada entre formigas e fungos.
O trabalho resultou na reconstrução da possível história evolutiva da relação entre formigas e fungos. Segundo os pesquisadores, a agricultura das formigas pode ter surgido há cerca de 66 milhões de anos, após o evento que extinguiu os dinossauros. Este estudo foi publicado recentemente na revista Science (veja mais detalhes na matéria “Meteoro que extinguiu os dinossauros levou à invenção da ‘agricultura das formigas’”). Para essa hipótese, os cientistas utilizaram sequências de DNA de 475 espécies de fungos (288 cultivadas por formigas) e 276 espécies de formigas (208 delas cultivadoras de fungos), gerando árvores evolutivas que ajudam a compreender o momento em que as formigas começaram a cultivar certos fungos.
Lançando novas perguntas ao modelo de simbiose
Além dos fungos cultivados, o estudo investigou outros fungos e microrganismos presentes nos jardins das formigas, como os fungos do gênero Escovopsis, historicamente vistos como parasitas devastadores das colônias desses insetos. “Nosso objetivo era compreender melhor esse fungo, suas características e as formas de cultivo, além de descrever as diferentes espécies”, explica Quimi Vidaurre Montoya, pós-doutorando na UNESP de Rio Claro. “Também queríamos entender como essas características evoluíram ao longo do tempo e influenciaram a relação desse fungo com o fungo cultivado pelas formigas.”
Os resultados indicam que, embora algumas espécies de Escovopsis possam ser parasitas, a maioria delas aparenta não ser virulenta ou capaz de destruir colônias inteiras, como se pensava anteriormente. “Algumas linhagens de Escovopsis coevoluíram com o sistema e se tornaram parasitas, enquanto outras provavelmente são oportunistas que ainda precisamos estudar mais a fundo”, esclarece Montoya.
Para Rodrigues, o sistema simbiótico entre formigas e fungos revela uma complexidade de interações que ainda precisa ser plenamente compreendida. “A evolução interligada entre formigas e fungos é um modelo biológico fundamental para o estudo de simbiose e evolução”, destaca o coordenador. “O que estamos descobrindo é que esse sistema é ainda mais intrincado e repleto de nuances do que se pensava anteriormente”, conclui.