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Pesquisadores registram as primeiras ocorrências de mixobactérias marinhas no Brasil

Corpos de Frutificação sobre Sedimento(1)

Projeto investiga microrganismos com comportamentos peculiares e grande potencial biotecnológico

Bactérias são seres unicelulares e microscópicos que, no imaginário da maior parte da população, significam apenas contaminação e doenças. Mas não é bem assim. Estes microrganismos são essenciais para o equilíbrio da natureza e do corpo humano, e para sobreviverem nos mais diversos ambientes, produzem substâncias que os protegem de organismos competidores, predadores e outras influências externas. Para os cientistas, as substâncias produzidas pelas bactérias como mecanismo de defesa, podem significar o pontapé inicial para o desenvolvimento de um novo fármaco. Foi assim com o composto Ixabepilona, por exemplo, um quimioterápico utilizado no tratamento de diferentes tipos de câncer, que foi desenvolvido a partir de uma substância produzida por um microrganismo do grupo das mixobactérias.

As mixobactérias são conhecidas por possuírem vias metabólicas diferenciadas, produzindo substâncias estruturalmente únicas e com grande potencial biotecnológico. “Elas entraram no meu campo de visão por serem um grupo que tem um metabolismo secundário muito interessante”, conta a pesquisadora Paula Jimenez, professora no Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Paula pesquisa microrganismos e produtos naturais de origem marinha desde o início de sua formação como cientista, sempre com foco em propriedades farmacológicas, mais especificamente atividade antitumoral. Participando de congressos e buscando referências, a pesquisadora se deparou com as mixobactérias e decidiu se aprofundar nessa linha de pesquisa ainda pouco explorada, principalmente no Brasil.

Swarms: comportamento social das mixobactérias intriga pesquisadores. Autor: Renan Oliveira

Inicialmente, a professora encontrou, na literatura, indícios da presença deste grupo de microrganismos na Praia Grande, litoral de São Paulo. A partir daí, seu grupo realizou a primeira coleta de sedimento superficial em um manguezal – ambiente com grande quantidade de matéria orgânica, ideal para o crescimento de organismos saprófitos, que se alimentam de plantas e animais em decomposição, como é o caso das mixobactérias. Em seguida, o material foi levado ao laboratório para as etapas de isolamento e identificação das bactérias. “Quando estudamos microrganismos, não é possível encontrá-los diretamente no meio ambiente. É preciso trazer o meio ambiente para o laboratório e, então, usar estratégias para que as bactérias possam ser identificadas”, explica Paula.

Para o isolamento, o aluno de doutorado Renan Oliveira conta que utilizou uma abordagem baseada nos hábitos alimentares das mixobactérias: “elas são predadoras – quando se alimentam de outras bactérias, ou celulolíticas – quando se alimentam de celulose”. O pesquisador, então, utiliza meios de cultura pobres em nutrientes, e adiciona outras bactérias ou celulose como presas, para que as mixobactérias se desloquem do sedimento em direção às fontes de matéria orgânica disponíveis. “Isso é o que chamamos de comportamento social. Quando há escassez de nutrientes, elas deslizam e vão se agrupando até chegar na presa, formando corpos de frutificação”, explica o doutorando. Esses grupamentos celulares funcionam como um mecanismo de defesa e, no meio de cultura, adotam formas tridimensionais específicas, frequentemente coloridas. Os corpos de frutificação não são muito comuns na natureza, mas estimular sua formação se torna uma boa estratégia para identificar mixobactérias em laboratório.

Outra forma de comportamento social são os swarms (enxames, em tradução livre): uma coleção de células bacterianas que ocorrem em condições nutricionalmente favoráveis e, em meio de cultura, formam uma película transparente com diferentes padrões de organização celular. “Nós já observamos que alguns padrões são típicos de bactérias isoladas de ambiente marinho e diferem muito das terrestres. A gente brinca que parece uma obra de arte, porque elas fazem redemoinhos e desenhos bem diferentes”, conta Renan.

Corpos de frutificação: comportamento social das mixobactérias intriga pesquisadores. Autor: Renan Oliveira

Depois do sucesso da primeira coleta e do processamento das amostras em laboratório, os pesquisadores retornaram ao manguezal e conseguiram isolar ainda mais cepas de mixobactérias, tanto de amostras de sedimento superficial, quanto do material adquirido a partir de filtragem da água coletada no mangue.

De acordo com a professora Paula, entre suas principais preocupações ao idealizar o projeto, estavam o risco de não encontrar mixobactérias na região costeira do litoral paulista, e de não conseguir processar as amostras adequadamente com os recursos disponíveis em seu laboratório, devido à peculiaridade desses organismos. Neste contexto, os resultados iniciais já são bastante promissores, mesmo que ainda existam outros desafios, como a identificação inequívoca dos corpos de frutificação e swarms característicos das mixobactérias – especialmente as de ambiente marinho, a otimização das metodologias de cultivo e análise, e a determinação estrutural das substâncias produzidas pelos organismos.

A partir do projeto “Mixobactérias marinhas do estado de São Paulo como fonte de inibidores de proteases”, selecionado na chamada  “Descobertas e Coleções” do Programa Biota/Fapesp, a professora Paula Jimenez e o doutorando Renan Oliveira registram as primeiras ocorrências de mixobactérias marinhas no Brasil, além de dar início à primeira coleção de cepas e extratos naturais de espécies desse grupo no país, buscando uma melhor compreensão das interações ecológicas e a identificação de substâncias com potencial antitumoral produzidas por estes microrganismos.

Esse estudo é uma colaboração entre o Laboratório de Bioprospecção de Organismos Marinhos (BioproSP – IMAR – Unifesp), coordenado por Paula, e o Laboratório de Farmacologia Marinha (LaFarMar – ICB – USP), coordenado pela professora Letícia Veras Costa Lotufo.

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