
As anêmonas de tubo pertencem ao grupo dos cnidários, sendo parentes próximas de corais e águas-vivas. Diferente das anêmonas tradicionais, como a “casa do Nemo” retratada em animações, essas espécies constroem estruturas únicas: tubos grossos e fibrosos, com textura semelhante a algodão, que servem de abrigo para uma grande diversidade de espécies — especialmente microorganismos. Pesquisas realizadas no âmbito do Programa Biota/Fapesp começam a desvendar esse mundo microscópico.


Existem cerca de 50 espécies de anêmonas de tubo distribuídas globalmente, encontradas em diversas profundidades — desde áreas de maré até 7 mil metros abaixo da superfície. Consideradas raras, algumas espécies estão classificadas como em risco de extinção. Por muito tempo, foram utilizadas como chamariz em aquários e são conhecidas por sua longevidade: há registros de um indivíduo mantido em um aquário em Gênova, na Itália, por mais de 120 anos.
“As anêmonas têm uma função ecológica extremamente importante, pois se alimentam de restos de animais e matéria orgânica em decomposição. Por isso, ganharam a fama de ‘lixeiras dos oceanos’”, explica Sérgio Stampar, pesquisador do Laboratório de Evolução e Diversidade Aquática (LEDA) da UNESP de Bauru e coordenador da pesquisa. “No entanto, em nossas análises, além de confirmar essa dieta, descobrimos que elas também têm predileção por larvas de peixes, por exemplo.”
Os tubos construídos por essas anêmonas ficam no fundo do mar e podem atingir mais de um metro de comprimento (incluindo a parte enterrada na areia), funcionando como microhabitats para uma variedade de espécies marinhas. “É como um minirrecife no meio da areia. Compreender a biodiversidade dentro e ao redor desses tubos é crucial para desvendar a dinâmica ecológica complexa desses microhabitats”, destaca Stampar.


O foco principal da pesquisa foram os holobiontes – microorganismos que vivem em associação com as anêmonas. Para o estudo, os pesquisadores utilizaram técnicas de DNA ambiental (eDNA) presente nos tubos via metagenômica, que permitem analisar o DNA das comunidades microbianas nesses habitats. Uma vantagem desse método é a identificação de microorganismos sem a necessidade de cultivo em laboratório. Esta é a primeira pesquisa a avaliar, com essa abordagem, os microorganismos associados a anêmonas de tubo (Ceriantharia).
Foram analisadas anêmonas de Florianópolis (SC) e do Arquipélago de Alcatrazes (SP), locais escolhidos por suas diferenças ambientais: enquanto Florianópolis é uma região urbana com alta densidade populacional e ainda com descarte de esgoto no mar, Alcatrazes é uma área de proteção ambiental remota e com baixa poluição. Apesar disso, os pesquisadores encontraram uma grande similaridade entre os microorganismos associados às anêmonas nos dois locais — o que sugere que os tubos criam microhabitats estáveis, pouco afetados por diferenças externas.
Embora os tubos das anêmonas sejam menores do que bioconstruções como recifes de coral (que podem se estender por quilômetros), sua composição bacteriana mostrou-se surpreendentemente similar. Estudos metagenômicos em corais identificaram os mesmos grupos microbianos dominantes encontrados nos tubos. “Essas bactérias estão envolvidas na síntese de glutamato e na fixação de nitrogênio, mas seu papel específico nas anêmonas ainda é incerto. Análises mais aprofundadas poderão esclarecer suas funções nesses hospedeiros”, explicam os pesquisadores.
O achado mais intrigante, porém, foi a descoberta de que apenas 5% a 6% dos microorganismos identificados são conhecidos pela ciência. “Isso abre um campo enorme para futuras pesquisas e mostra que as anêmonas de tubo abrigam uma diversidade microbiana simbiótica sem precedentes”, afirma Stampar.
Confira o artigo completo
Ceriello, H., Brito, G.R., de Oliveira, B.F.R. et al. Bullseye: shotgun metagenomics taking aim at the microbial diversity associated with tubes of Ceriantharia. Aquat Ecol 58, 1287–1300 (2024). https://doi.org/10.1007/s10452-024-10144-z