
Pela primeira vez no Brasil, pesquisadores estão realizando um estudo de campo para investigar o acúmulo de microplásticos em grandes crustáceos, especificamente nos camarões sete-barbas (Xiphopenaeus kroyeri). O objetivo do estudo é avaliar tanto os riscos ecológicos dessa poluição quanto os possíveis impactos para a saúde humana, considerando a ingestão desse crustáceo pela população. Os dados preliminares são preocupantes: entre 80% e 90% dos camarões avaliados apresentaram algum nível de presença de microplásticos em seu trato gastrointestinal.


Os microplásticos são pequenas partículas com menos de 5 milímetros de tamanho. Eles são responsáveis por 92,4% dos detritos de plástico marinho e estão presentes por todo o ambiente oceânico, da coluna de água às praias e até no oceano profundo. Os microplásticos podem trazer graves consequências para a vida marinha e, por extensão, para os seres humanos que consomem frutos do mar. Com base nessa preocupação, pesquisadores do Laboratório de Biologia de Camarões Marinhos e de Água Doce procuram preencher uma lacuna de conhecimento: identificar os níveis de contaminação por microplásticos nos camarões sete-barbas pescados no litoral do estado de São Paulo. O laboratório pertence à UNESP de Bauru e é coordenado pelo pesquisador Rogerio Caetano da Costa.
O estudo está sendo realizado em duas regiões com características ambientais bastante contrastantes: a Baixada Santista, que abrange áreas industriais, portuárias e pesqueiras com grande impacto ambiental; e Cananéia, uma região de menor intervenção humana e mais preservada, localizada no litoral sul de São Paulo. “A nossa proposta é comparar como camarões de ecossistemas tão diferentes respondem à exposição a microplásticos”, explica Daphine Herrera, pós-doutoranda do projeto, “Os camarões, por serem detritívoros – se alimentando de detritos no fundo do mar –, estão expostos a grandes quantidades de microplásticos presentes nos sedimentos marinhos. Esse hábito facilita a análise de bioacumulação de microplásticos em seu organismo, tornando-os modelos ideais para o estudo”.
O primeiro passo da pesquisa consiste em avaliar o nível de exposição no trato gastrointestinal dos camarões, onde os microplásticos podem ser detectados inicialmente. Nas análises realizadas até o momento, entre 80% e 90% dos camarões coletados nas duas regiões apresentaram algum nível de presença de microplásticos em seu trato intestinal. Embora a quantidade de partículas varie entre os locais, o fato de que a contaminação está presente em uma porcentagem tão alta dos animais levanta questões sobre as consequências a longo prazo para os consumidores e para o meio ambiente.
Impactos na saúde humana e ecológica


“Já sabemos que a presença de microplásticos pode afetar diretamente a saúde dos camarões, influenciando sua resposta imunológica e até mesmo sua taxa de crescimento”, explica Daphine Herrera. Isso ocorre porque os microplásticos presentes no intestino desses crustáceos podem gerar uma sensação de saciedade, levando-os a consumir menos alimentos e, como consequência, crescerem menos. Esse fator tem implicações comerciais – com camarões de menor tamanho chegando ao mercado – além de impactos ecológicos, como o estresse desses organismos em seu ambiente natural.
Outro objetivo central do projeto é compreender se a contaminação por microplásticos afeta também a qualidade nutricional dos camarões, o que pode ter implicações importantes para o consumo humano. Essa análise corresponde à próxima fase projeto, que buscará avaliar se os microplásticos detectados nos camarões estão se acumulando em outros tecidos além do trato gastrointestinal, como na musculatura, que é justamente a parte mais consumida pelos seres humanos.
“Estamos apenas começando a entender a extensão desse problema, mas os dados já mostram que a situação é alarmante”, conclui Daphine Herrera, “este estudo é um passo importante para compreender melhor os efeitos da poluição marinha no Brasil e as potenciais repercussões para a saúde pública, especialmente em um país onde o consumo de frutos do mar é tão expressivo”.
Biodiversidade de crustáceos brasileiros
O estudo está inserido no projeto de pesquisa “Análise integrativa da fauna brasileira de crustáceos decápodes”, coordenado por Fernando Luis Medina Mantelatto, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP), vinculado ao Programa Biota/Fapesp. Entre os crustáceos decápodes estão os camarões, siris, lagostas, lagostins e caranguejos, por exemplo. O projeto busca abordar diferentes aspectos como ciclo de vida, padrões biogeográficos, reprodução, organização populacional, status taxonômico e processos evolutivos desses organismos.
O estudo também inclui a análise da história evolutiva dessas espécies, com foco em ecossistemas de importância para a sua preservação, como manguezais, estuários e bacias hidrográficas. A integração entre as respostas geradas nesse estudo deve auxiliar na compreensão de aspectos de relevância ambiental e social, como conservação de espécies e de ecossistemas, além de tratar a qualidade de produtos que chegam ao consumidor.