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Pesquisadores avaliam presença de lixo no oceano profundo do Brasil

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A escassez de dados sobre o tema dificulta a avaliação de seus impactos.

A presença de grandes quantidades de lixo no oceano é um tema que vem ganhando cada vez mais atenção e estudo, entretanto, são poucas as avaliações sobre a presença de lixo no oceano profundo (ou seja, com mais que 200 metros de profundidade). Um primeiro relatório sobre a presença de lixo marinho persistente no talude continental do  Sul e Sudeste do Brasil foi publicado  na revista Marine Pollution Bulletin e traz dados alarmantes: foi encontrado lixo em 28 dos 31 locais amostrados em duas áreas distintas da costa sul/sudeste do Brasil e, em alguns deles, a quantidade de lixo foi maior que a quantidade de peixes e invertebrados encontrados.

“Nosso projeto tem como objetivo estudar os peixes e outros animais de mar profundo, entre 200 e 1.500 metros de profundidade, e percebemos que em praticamente todas as coletas também vinha uma grande quantidade de lixo”, explica Marcelo Melo, do Laboratório de Diversidade, Ecologia e Evolução de Peixes, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. A equipe de pesquisa decidiu, então, guardar e estudar todo o lixo coletado.

Para Flávia Masumoto, pesquisadora do grupo e primeira autora do artigo, a quantidade de lixo encontrada foi espantosa, o que levou à decisão de guardar, secar, pesar, quantificar e analisar o material encontrado. “Foi surpreendente o fato de não encontrarmos nenhum artigo analisando a presença de lixo no oceano profundo brasileiro. Encontramos sim algumas análises sobre lixo no oceano, mas apenas sobre a costa brasileira, e isso reforçou a importância do trabalho que estávamos realizando”, analisa a pesquisadora.

A pesquisa coletou material em 16 pontos em São Paulo e 15 estações em Santa Catarina. Em apenas em três  pontos de São Paulo, não foi encontrado nenhum lixo. Um total de 603 itens foi obtido, com uma massa total de 13,78 quilos. “Apesar do oceano profundo ser uma área bastante vasta, é uma área em que a luz solar não chega de forma eficiente para produção de fotossíntese, então não tem plantas nem algas e, portanto, é uma área com pouca biomassa. É importante ter isso em mente para analisar esses 13 quilos de lixo encontrados, pois em algumas áreas coletamos uma massa maior de lixo do que de peixes e invertebrados”, explica Marcelo Melo.

Tipo e origem do lixo

Quantidades, diversidade e massa do lixo encontrado no estudo. Imagem: Flávia Masumoto

O material predominante foi o plástico, encontrado em todos os pontos de coleta e representando 58,5% do total recolhido. Tecidos e metais também foram frequentes, correspondendo a cerca de 14% e 11% do lixo coletado, respectivamente. Tintas catalisadas para barcos, vidro e concreto também foram identificados. O gráfico ao lado traz os detalhes sobre as quantidades, diversidade e massa do lixo encontrado no estudo.

“Não observamos nenhum um padrão da distribuição do lixo ao longo da profundidade, porém observamos maior quantidade de lixo em São Paulo do que em Santa Catarina”, explica Marcelo Melo. De acordo com Flávia Masumoto, essa diferença pode ser devido à proximidade de áreas litorâneas mais urbanizadas, do Porto de Santos e da Bacia de Santos, onde há maior tráfego de navios e a presença de plataformas de petróleo

São duas as principais fontes de lixo marinho: o material que é descartado nas regiões costeiras e transportado pelos rios e/ou pelo vento até a costa ou despejado diretamente na praia ou o material gerado por plataformas de petróleo e gás, embarcações, navios e outras instalações que são despejados diretamente no oceano.

“É muito difícil determinar qual é a origem do lixo, mas avaliamos, pelo tipo do lixo encontrado e pela distância do continente, que a maior parte veio de embarcações ou plataformas”, aponta Flávia Masumoto, “encontramos muitas latas de milho e ervilha, por exemplo, e produtos de pelo menos 8 países estrangeiros que identificamos pelo rótulo. Ou seja, nós conseguimos identificar, com certeza, onde o material foi produzido, mas não onde ele foi descartado, isso é um dos desafios para a análise de lixo no oceano”.

Apesar da Lei 9.966, de 28 de abril 2000, que veda o descarte direto de lixo no mar por embarcações e plataformas, o resultado da pesquisa indica a necessidade de conscientização e fiscalização mais efetiva.

Lixo encontrado durante a pesquisa. Imagem: Flávia Masumoto

Lixo desconhecido

O oceano profundo é de difícil acesso e pouco conhecido. “A gente pensa que essas regiões estão isentas da ação do ser humano, mas lá tem atividades industriais como exploração de petróleo e de gás, a pesca”, reflete Marcelo Melo.

Os pesquisadores encontraram, por exemplo, animais crescendo associados ao lixo, como esponjas marinhas, poliquetas,  e cracas fixadas aos restos. A presença de um resíduos de milho e soja no conteúdo estomacal de um peixe-granadeiro (família Macrouridae) indica que a fauna está consumindo os restos de alimentos que estão sendo despejados diretamente no oceano, outro tipo de impacto que ainda precisa ser mais estudado. Além disso, as pesquisas estão em uma nova fase para avaliar a presença de microplástico no conteúdo estomacal dos peixes já coletados.

“Verificamos que o lixo está chegando nessas áreas também. Isso tem um impacto muito grande nos organismos que vivem nessa região e nós ainda precisamos estudar sobre isso”, finaliza Flávia Masumoto.

Artigo completo

Flávia Tiemi Masumoto, Amanda Alves Gomes, Rayane dos Santos de França, Marcelo Roberto Souto de Melo,
First report of deep-sea litter on the Brazilian continental slope, Southwestern Atlantic, Marine Pollution Bulletin,
Volume 197, 2023, 115717, ISSN 0025-326X, https://doi.org/10.1016/j.marpolbul.2023.115717.

Pesquisa divulgada em parceria com a Agência Fapesp  – https://agencia.fapesp.br/pesquisadores-avaliam-presenca-de-lixo-no-oceano-profundo-do-brasil/50931

 

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